Início Opinião Coluna COLUNA PRÓXIMA TENDÊNCIA: A CAÇA AO TESOURO NOS BRECHÓS

COLUNA PRÓXIMA TENDÊNCIA: A CAÇA AO TESOURO NOS BRECHÓS

Carol Oliveira *

Uma das coisas que eu mais sinto falta durante esse período é de sair pra garimpar em brechós. O título de caça ao tesouro foi totalmente proposital – é esse o sentimento que eu tenho. Bem no começo da minha graduação, eu fiz um fotolivro chamado Look Around. A principal finalidade era procurar entender a relação entre pessoas e roupas, com a crença de que o vestuário é uma forma importante cujas pessoas utilizam para se comunicar dentro da sociedade e que peças do vestuário contam e guardam histórias.

Entrevistei algumas pessoas e cada um tinha a sua história. A peça favorita de Hugo era uma blusa do Guns’n’Roses, sua banda favorita, que ele adquiriu em um show que teve a oportunidade de ir com a formação clássica reunida. Para Wellington, era a blusa de uma marca que o fez mudar seu conceito sobre moda, percebendo que ela pode ser usada como protesto. Para Ana Paula, era seu all star, remetendo ao conforto, atemporalidade e à sua adolescência, onde a peça era sinônimo de rebeldia e rock’n’roll. E, particularmente, a que mais me tocou: para Socorro, era uma blusa que ela herdou da mãe logo após seu falecimento e, nas suas palavras: “ela guarda mais que uma história, pois conseguiu eternizar em meu olfato o melhor cheiro do mundo – cheiro de mãe”.

Aí que entra a ironia, o brechó por tanto tempo foi demonizado justamente por uma das suas características mais belas: guardar roupas com histórias. Eu lembro de ouvir muito durante a minha infância que “brechó tem roupa de gente morta, não compra não que vai te trazer energia ruim” ou “brechó? mas só tem peça feia e velha” e eu gostaria de muito de ver a reação dessas pessoas sabendo que, cada vez mais, o futuro da moda é vintage. De acordo com uma matéria no site Metrópoles, o mercado second hand deve dobrar até 2025, atrelado ao de vendas diretas. A informação vem a partir de uma pesquisa feita pela  GlobalData, empresa de análise de varejo, estimando que o valor movimentado pelo segmento deve ir de US$ 24 bilhões para US$ 51 bilhões.

Mas, antes de avançar tanto no futuro, vamos voltar no tempo e entender de onde eles surgiram. Dizem que os brechós têm sua origem nos mercados de pulgas da Europa, onde se podia comprar e vender praticamente tudo. As feiras aconteciam ao ar livre e, como não havia muita preocupação com a higiene, animais como pulgas não eram incomuns. Assim deu-se a origem do nome (e talvez do preconceito com brechós). As primeiras lojas de segunda mão no mundo surgiram no século 19 e se tornaram populares com as crises produzidas pela 1ª e 2ª guerras mundiais, principalmente através da Cruz Vermelha, com a venda de produtos doados a preços bem acessíveis.

Aqui no Brasil, também no século 19, um homem chamado Belchior abriu no Rio de Janeiro uma lojinha chamada “Casa de Belchior”, que vendia peças e objetos usados. A  loja fez tanto sucesso na época, que ele foi citado até em um conto de Machado de Assis  Com o passar do tempo, a palavra sofreu um processo de mudança e se adaptou à “brechó”, dando origem ao novo termo. A popularidade começou a aumentar na década de 1970, quando a cantora Maysa fundou seu próprio brechó intitulado “Malé de Lixo” na rua Djalma Ulrich, em Copacabana. A ideia da cantora surgiu após suas visitas à Europa, onde as thrift shops eram mais prestigiadas. Em sua loja, a cantora comercializava roupas, calçados e acessórios que foram usados por ela e por amigos.

Casa de Belchior, no Brasil, ficou conhecido como comércio de todos os tipos de usados: roupas, eletrodomésticos, móveis etc.
Foto: http://fumec.br/revistas/achiote/article/viewFile/5722/3061

Nos dias atuais, os brechós estão em alta e são vistos como sinônimos de estilo e sofisticação. Além de serem considerados uma alternativa sustentável, em um momento de crise, atraem também pelo preço. Monique Silva, uma das idealizadoras do SJDR Lixo Zero e sócia proprietária do Amor de Brechó, conta que o carinho e cuidado pela natureza, além do fascínio pela moda, foram bases para tirar a ideia de ter um brechó da gaveta. “Na adolescência, a paixão por moda floresceu, tanto que eu desenhava as peças que iria costurar sempre com  tecidos de roupas que já não usávamos mais. Fazia upcycling e não sabia”, afirma. “Durante a quarentena, ele ficou fechado, seguindo as recomendações da OMS. O Amor reabriu  junto com o novo decreto, devido a mudança de onda da cidade.” Além do espaço físico, as vendas também são feitas pela internet.

O meio digital também abriu oportunidades para pessoas que, de início, apenas queriam dar um novo lar aos seus desapegos. Em Maio de 2019, Isadora Simões e Isabella Soares começaram com um perfil no Instagram, depois de fazerem aquela limpa no armário e selecionarem algumas peças que não queriam mais. Porém, depois que algumas pessoas as procuraram oferecendo algumas roupas pra que elas vendessem, as amigas enxergaram como uma oportunidade maior. E lá foram elas garimpar! “A indústria da moda é uma das que mais polui, e é muito importante ter consciência disso. Principalmente quando vamos garimpar, percebemos que já existem tantas roupas, não tem necessidade de se produzir tantas peças novas assim”, diz Isadora. Hoje, o Brechó das Isas virou uma marca, que inclusive envia para outras tantas cidades fora de Minas.

Foto: Reprodução/Instagram

Quando adquirimos uma peça de roupa, assumimos responsabilidade sobre ela. Claro que a pauta do descarte correto é super importante, porém, como já foi abordado na coluna anterior, comprar de maneira consciente é muito mais fácil – e quase automático quando você percebe o favor que faz ao meio ambiente e ao seu bolso! Que tal renovar seu guarda roupa gastando pouco, apoiando os comércios menores e ter aquele sentimento de felicidade quando você encontra aquela peça vintage, com o caimento perfeito, o tecido durável, que você não conseguiu achar em nenhuma loja? Boa sorte na sua jornada de garimpos, e que você encontre peças que te acompanhem em todas as histórias que mal podemos esperar para voltar a escrever.

Carol Oliveira é jornalista, meio perdida e meio achada no universo da moda, dos games e da música. Comunicadora e comunicativa, é perigoso um dia acabar conversando com as paredes. São-joanense, amante de um bom café com pão de queijo e uma prosa, traduz sua visão de mundo por meio das palavras e do audiovisual. Escreve no Notícias Gerais às quartas, de 15 em 15 dias.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui