Início Opinião Crônica CRÔNICA: QUE O NOVO NORMAL SEJA ETERNO ENQUANTO DURE

CRÔNICA: QUE O NOVO NORMAL SEJA ETERNO ENQUANTO DURE

Foto: Tânia Rêgo/RJ

Daniel Arantes Pereira*

E agora? Um micróbio mordeu o calcanhar de Aquiles do nosso modo de vida: a velocidade dos ponteiros digitais da nossa sociedade. Assistimos boquiabertos a parada de coisas que nos fizeram crer que não poderiam nem deveriam parar. Muitas cessaram do dia pra noite.

O desvario das bolsas de valores teve que parar, aeroportos frenéticos fecharam, atrações turísticas ficaram às moscas, o preço do petróleo despencou e arenas de futebol deram lugar a hospitais de campanha. Nos lugares onde predomina a sensatez dos governantes, o imperativo de salvar vidas transformou o simples, estranho e bucólico ato de permanecer em casa em ato heroico. A vida de antes era lá fora.

Mas não durou muito. Na modernidade, estagnação é morte. Logo depois de um breve momento de reflexão, no tempo de um “e agora?”, os ponteiros já retomaram sua alucinante velocidade. Um tsunami de aplicativos para continuarmos a nos ver mesmo a distância e reorganizar o trabalho e reuniões em home office.

Depois, seguiu-se então um vendaval de lives brotando de todas as redes sociais, para aprender a fazer pratos caseiros, pão caseiro, máscara caseira, meditação caseira, exercícios caseiros e lives ensinando a fazer lives caseiras. Em pouco tempo a agenda ficou cheia, transbordando até níveis de ansiedade normais. Mas em casa, seguros. 

Nos lugares onde predomina a sensatez dos governantes, o imperativo de salvar vidas transformou o simples, estranho e bucólico ato de permanecer em casa em ato heroico. A vida de antes era lá fora.

O tal “novo normal” que aparece na TV, caso em que países por onde a curva de contaminação já estaria na sua descendente, mostra pessoas retornando às atividades públicas de máscaras por todos os lados, e frequentando mesas de restaurante protegidas por vidros, ou numa distância absurda umas das outras.

Ou ainda, imagens de crianças de máscara e com proteção facial de plástico indo para escolas antes e depois de besuntar as mãos com álcool em gel. Mas esse “novo normal” não será duradouro. Não tardará o desenvolvimento de uma vacina ou um medicamento realmente eficaz contra o micróbio da vez. Mas talvez sejam mais duradouras as reflexões infinitas que surgiram naquele breve “e agora?”.

Não fossem as desigualdades sociais, os desajustes econômicos e as externalidades ambientais, que vêm na esteira de um sistema de mercados futuros que vem ditando as regras das economias mundiais, e têm a mesma lógica de uma mesa de apostas viciada, ficar em casa e esperar bastaria.

Porém, o desigual acesso à tecnologia, a sistemas de saúde, educação e segurança podem prolongar o “e agora?” que ecoa nos provocando como sociedade. Parece que a mão invisível do mercado não surge para nos salvar numa pandemia, e o Estado não pode ser tão mínimo assim. 

Toda aquela engrenagem produtiva e econômica que não podia parar, moendo aos poucos, dia a dia, sonhos, expectativas, convívios e potencialidades das pessoas em nome de um suposto conforto baseado na ampliação das possibilidades de consumo de bens e tecnologias, parou. Mesmo programados para ficarem obsoletos assim que saírem das lojas. Diante desta parada forçada surgiu a oportunidade ímpar de questionar e argumentar contra toda a lógica do sistema, e isso não deve ser subestimado.

o desigual acesso à tecnologia, a sistemas de saúde, educação e segurança podem prolongar o “e agora?” que ecoa nos provocando como sociedade. Parece que a mão invisível do mercado não surge para nos salvar numa pandemia, e o Estado não pode ser tão mínimo assim. 

Uma série de questões e conflitos como a questão climática do aquecimento global antropogênico, que vinham se desenrolando vagarosamente em âmbitos políticos e institucionais, terão oportunidade de ter sua velocidade alterada drasticamente. As redes sociais, para além das fakenews, se fortalecerão como palco de debates e palanques. A repercussão midiática dos fatos se ampliou consideravelmente com todos em casa. 

De modo semelhante, a reação à indecente proposta vazada de um ministro de estado, de tirar proveito do foco midiático nas consequências da disseminação do micróbio na população brasileira, para enfraquecer de leis de proteção ambiental, mostra bem como serão os debates políticos daqui em diante.

O “novo normal” estará mais associado a uma postura mais ativista e Multitemática, como vem sendo mostrado nas reações a crimes raciais, como o que ceifou a vida de George Floyd, nos Estados Unidos. Tal forma de agir já existia, mas que com as condições sociais e tecnológicas criadas pela pandemia foram intensificadas, transformando e internacionalizando a dimensão das manifestações anti racistas.

Os aeroportos em breve voltarão à normalidade, os estádios de futebol logo estarão lotados, as bolsas de valores já voltaram a estalar as engrenagens produtivas. Mas a sociedade ganhou a oportunidade de um novo olhar sobre o que pode ou não parar. Mais do que isso, ganhou espaços para debater sobre as direções a seguir. Especialmente diante de uma crise da democracia representativa, que já vinha apresentando brechas que estão sendo ocupadas pelo populismo de extrema direita. 

* É estudante de Comunicação – Jornalismo da UFSJ e produziu este texto sob a orientação do professor Paulo Caetano, numa ação do projeto Observatório da Saúde Coletiva – UFSJ.

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