Início Opinião Crônica DE PALITO EM PALITO, TEM PORRINHA NO BOTEQUIM

DE PALITO EM PALITO, TEM PORRINHA NO BOTEQUIM

André Frigo
Notícias Gerais

Dois palitos!

Lona!

Três na sua mão!

Aos gritos, de punhos fechados, os oponentes se observam avaliando os adversários. A tensão está presente no ar. A arena onde a disputa ocorre é uma mesa de bar, com calendários desbotados como decoração e garrafas de variadas bebidas em prateleiras nas paredes. Compondo a cena, garrafas de cerveja, copos pela metade, um prato com tira gosto esfriando, espalhados na mesa.

De repente os jogadores abrem as mãos e é feita a contagem. O vencedor acertou quantos palitos ou moedas estariam nas mãos dos adversários. É mais uma partida da famosa porrinha, jogo dos botecos no Brasil.

Em São João del-Rei os comerciantes mais antigos da cidade se reuniam no bar Bico de Lacre para um cafezinho. Entre um gole no café servido no copo americano e uma mordida no pastel frito na hora pelo Passarelli, era disputada uma partida rápida de porrinha. Sempre no mesmo horário, variando apenas a quantidade de jogadores.

A melhor parte do jogo é quando o jogador analisa cientificamente as mãos dos adversários e anuncia: “Um palito na sua mão, lona na dele, então quero 3 palitos!” Essa certeza sempre me intrigou. De onde vem essa habilidade de enxergar através das mãos hermeticamente fechadas? Como eles adquiriram a capacidade de entrar na mente de outras pessoas? Mas é uma das melhores partes do jogo ver o sujeito anunciar: “Dois na sua mão, um na desse aqui, lona na mão dos outros dois. Então quero cinco palitos!” E quando todos abrem as mãos, milagrosamente, os cinco palitos estão lá.

A cada rodada quem acerta o número de palitos dispensa um dos seus. Vence quem acertar três vezes primeiro.

A porrinha era uma boa desculpa para beber cerveja ou uma boa opção quando o assunto não estava lá essas coisas na mesa. Rodadas e rodadas do jogo, regadas a cerveja e cachaça animavam qualquer tarde de sábado. Cada rodada sempre começando com a inevitável pergunta: “Quantos palitos tem na disputa?”. Recebida a informação, acontecia um tempo em silêncio, todos concentrados nos seus cálculos e mantras exotéricos.

Além da adrenalina, a porrinha é um jogo extremamente democrático. Todo mundo pode jogar contra todo mundo. Não precisa de material esportivo, bastam palitos de fósforo ou de dentes, moedas, pedaços de papelão, tampinha de garrafa, caroço de azeitona, etc. Não tem juiz, não tem tribunal desportivo, não tem violência e nem expulsão. Quem perde primeiro, vira torcedor. Quem ganha não paga a cerveja da rodada.

Nesses tempos de pandemia a modalidade vem sofrendo com a falta de jogadores e locais para a disputa. Algumas pessoas tentaram jogar online, mas não funcionou. Faltava aquela atmosfera de buteco, do cheiro de fritura misturado com o aroma da pinga da roça. Ou faltava aquele sujeito que nunca disputa uma partida, mas fica de fora dando palpite o tempo todo. Por certo ainda vai demorar um bom tempo para que as partidas de porrinha ganhem novamente as mesas de bares.

Nesse isolamento social vamos treinando nossas qualidades mediúnicas e tele cinéticas. Um bom treino é tentar acertar quanto tempo o novo ministro da educação vai durar no cargo. Ou quantas vezes o prefeito Nivaldo vai mudar de opinião sobre a reabertura do comércio. Pode se arriscar cravando quantas vezes o presidente vai aparecer sem máscara em público. Aí é só manter o foco, esperar que Deus seja mesmo brasileiro e controle a pandemia por estas bandas, já que o governo não se entende e o povo não se esforça.

Enquanto isso, quero dois palitos!

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