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MULHERES DA ROTUNDA TRANSFORMAM O TREM EM ELEMENTO POÉTICO

Najla Passos *

Era uma vez três fadas mágicas que, com muito trabalho e criatividade, deram vida ao velho castelo abandonado e ainda convidaram o reino inteiro para reverenciar um dos grandes poetas da cultura local. O enredo, que poderia ter sido extraído de uma fábula infantil, é perfeito para descrever o trabalho das artistas e produtoras culturais Cláudia Valle, Bárbara Kelmer e Lúcia Lewer nestes quase cinco anos de ocupação do complexo da Estação Ferroviária de Barbacena. 

À frente da Companhia Elas por Elas, o trio mobilizou mundos e fundos, recursos públicos e privados, envolveu a população da cidade e conseguiu dar um uso social incrível para uma das mais belas edificações históricas de Minas Gerais, transformando-a na Plataforma Rotunda Espaço Cultural Cia Elas Por Elas. E com a plataforma em atividade, fizeram do trem que corta a estação um elemento poético a ser saudado pelo público.

Em 2016, após receberem o convite do então prefeito Toninha Andrada, elas ocuparam o velho prédio, inaugurado em 1931, que já foi o coração da cidade, mas andava abandonado e entregue à própria sorte. E ele voltou a ganhar vida. Na carona delas, outros atores sociais importantes, como a Associação Regional de Proteção Ambiental (Arpa), se animaram a preservar a estação que, hoje, se se encontra com as obras de restauração do seu interior concluídas e as do exterior, já iniciadas.

Foto: Cia Elas por Elas / Divulgação

Plataforma Rotunda

O espaço da Plataforma rotunda contempla uma sala com capacidade para 250 pessoas, que atende projetos de apresentações teatrais e shows, uma outra sala para funcionamento das aulas de teatro e canto coral e um espaço múltiplo, posicionado na antiga plataforma da estação, com capacidade para abrigar eventos teatrais, musicais, circenses, literários e exposições.

Nas outras dependências ficam o acervo do grupo, adquirido nos seus 18 anos de história, e a biblioteca Horácio Amorim, que abriga um projeto de leitura dramática e contação de história.  

É um espaço incrível com um pedacinho de cada barbacenense que apoiou a empreitada. Após o primeiro ano de ocupação e com os recursos financeiros pra as obras iniciais já viabilizados, a companhia lançou a campanha “Embarque na Plataforma Rotunda”, envolvendo a população de Barbacena com a venda de adesivos e apresentações teatrais e musicais.

Foto: Cia Elas por Elas

E o trem se transforma em ‘Poeta’

Com a extensa agenda de atividades, a Plataforma Rotunda precisou aprender a conviver com um personagem inusitado: o trem. Apesar da Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM) ter sido desativada na década de 1980, os trilhos da antiga Central do Brasil, agora operados pela MRS, continuam na ativa. Todos os dias, os trens cruzam a estação, em grande volume, levando o minério extraído das Minas Gerais para os principais portos do país.

“A presença do trem nas nossas vidas é inspiradora e em momento algum nos impede ou sequer atrapalha. Ele é tratado respeitosamente por “Poeta” e, em sua passagem, o espetáculo é momentaneamente interrompido, baixando-se as luzes e congelando os atores. Após sua passagem, a cena retorna naturalmente sem nada atrapalhar”, conta a atriz.

“A presença do trem nas nossas vidas é inspiradora e em momento algum nos impede ou sequer atrapalha. Ele é tratado respeitosamente por ‘Poeta’”

Cláudia Valle

Ela acrescenta que, quando se trata de evento musical e infantil, existe uma grande saudação por parte do público. “Obviamente, esta saudação é orientada por nós, da casa: todos acenam e exclamam para o Poeta, causando uma enorme e forte emoção. O trem, ou melhor, o Poeta, se tornou pra nós um Elemento Poético”, conclui.

Trem das Onze e Coral Rotunda

Antes de pandemia da Covid-19 aportar no país, todo último sábado do mês a plataforma se abria para o projeto Trem das Onze, que mescla shows da Cia Elas por Elas e convidados, garantindo uma das melhores facetas da vida cultural de Barbacena.

No espaço também aconteciam os ensaios e apresentações do Coral Rotunda, com cerca de 50 integrantes, que desenvolve um trabalho voltado para o canto popular. Os cantores e integrantes do Coral, além do estudo na área do canto, hoje atuam também tocando percussão e experimentando momentos teatrais nas apresentações. São também grandes aliados da Cia nas causas culturais e sociais do grupo, principalmente após a chegada na Estação Ferroviária, atuando ativamente na recuperação da mesma.

Na área de formação de atores a Cia Elas Por Elas oferece ao público de Barbacena e região os cursos livre e profissionalizante de Teatro, com turmas que atendem o público infantil à partir de 7 anos de idade, pré adolescentes, adolescentes, jovens e adultos.

São oferecidas também Oficinas de Teatro para Empresas, Professores e Profissionais de diversas áreas que utilizam as ferramentas do Teatro para o aprimoramento na Comunicação e Relação Sociais.

Rotunda solidária

A Plataforma Rotunda Espaço Cultural Elas Por Elas atende um público de baixa renda através do Projeto Social Rotunda Solidário, permitindo à dezenas de alunos o acesso ao fazer teatral e musical. São crianças, jovens e adultos que participam dos Cursos de Teatro e Canto Coral oferecidos pelo Espaço.

“A Cia Elas Por Elas, ao lado de dezenas de Padrinhos e Madrinhas da sociedade civil que integram o Rotunda Sodidário, realiza o sonho desses alunos, levando-os à realidade artística através das aulas oferecidas”, afirma Cláudia.

Conforme ela, o acesso do público aos eventos de teatro e música é sempre facilitado pelo baixo valor dos ingressos cobrados e também, muitas vezes, realizados com entrada gratuita viabilizada pelos parceiros do Rotunda, que são os próprios alunos, professores, integrantes da companhia, pessoas físicas, comerciantes locais e empresas de grande porte da cidade e região.

Desafios em tempos de pandemia

Desde o dia 13 de março, a Plataforma Rotunda está fechada ao público. “A pandemia afetou fortemente a classe artística. Nossas aulas de Teatro e Canto Coral estão acontecendo à distância. Nossos Projetos eventuais, os shows e apresentações teatrais estão sem previsão de retorno. A situação não está fácil pra ninguém”, afirma Claudia Valle.

Segundo ela, o desafio destes tempos “é manter viva, com o ensino remoto, a chama do entusiasmo, da criatividade e da motivação, ferramentas essenciais para o trabalho cuja aulas são pautadas no contato físico, no olho no olho enfim, na presença do outro”.

* Najla Passos é mineira, jornalista, mestra em Linguagens e Literatura Brasileira e diretora-executiva do Notícias Gerais. 

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