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NOVA PORTARIA DA SAÚDE TORNA O ACESSO AO ABORTO LEGAL AINDA MAIS DOLOROSO NO PAÍS; DEPUTADAS REAGEM

Najla Passos *
Notícias Gerais

A Portaria nº 2.282/2020 do Ministério da Saúde publicada no Diário Oficial da União desta sexta (28) torna ainda mais doloroso o já difícil acesso das mulheres brasileiras ao aborto legal, permitido apenas nos casos em que a mulher foi vítima de estupro, em que corre risco de morte ou quando o embrião sofre de anencefalia e, portanto, não irá sobreviver.

Agora, além de passar por uma série de constrangimentos que já eram previstos em lei, a gestante, antes de ter o procedimento aprovado, terá que ser informada pela equipe médica acerca da possibilidade de visualizar o feto ou embrião por meio de ultrassonografia, caso seja seu desejo.

A exigência é considerada por alguns especialistas como uma espécie de “chantagem emocional” para criar empatia entre mãe e filho, e evitar que o aborto ocorra. Mas a portaria trás outras mudanças que levam especialistas e militantes a acusar o governo Bolsonaro de tê-la editado para dificultar o acesso das mulheres a este direito, já tão restrito no país.

A nova portaria, assinada pelo ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello, determina ainda que a mulher assine uma série de termos em que se responsabiliza por possíveis problemas decorrentes do aborto.  A justificativa é assegurar segurança jurídica aos profissionais de saúde envolvidos.

De procedimento médico à caso de polícia

A norma prevê, ainda, que os profissionais de saúde notifiquem a Polícia em casos de estupro. E diz ainda que eles devem encaminhar à autoridade policial “possíveis evidências materiais do crime de estupro, tais como fragmentos de embrião ou feto com vistas à realização de confrontos genéticos que poderão levar à identificação do respectivo autor do crime”.

Para o Cfema – Centro Feminista de Estudos e Assessoria, ong faminista do Distrito Federal, “a portaria é uma forte reação à mobilização do movimento de mulheres”, como a que ocorreu em defesa da menina do Espírito Santo que, aos 10 anos, vítima de estupro, precisou enfrentar ameaças de manifestantes fundamentalistas para garantir seu acesso ao aborto.

“[A Portaria] demonstra como o entendimento do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no caso da menina do Espírito Santo é parte do projeto de governo fundamentalista. Para este governo, a palavra das mulheres e meninas sobre a violência sofrida não vale nada”, diz o CFemea em nota.

Em entrevista à Folha de São Paulo, o ginecologista e obstetra Jefferson Drezett, da Faculdade de Saúde Pública da USP, que atuou por décadas em serviços de aborto legal, a medida pode afastar mulheres do serviço de saúde. “É um problema, porque se sou uma mulher e me sinto em risco, vou evitar procurar o serviço”, afirmou.

Para Debora Diniz, do Instituto Anis Bioética, a portaria “transforma a operação de um serviço de aborto legal em uma delegacia policial”. “Ela cria uma série de barreiras e parte de uma clara ideologização da ciência, uma ciência seletiva, cuja única finalidade é amedrontrar as mulheres que buscam o aborto”, disse ela à folha de S. Paulo.

Reações no parlamento

Dez deputadas da bancada feminina da Câmara já protocolaram na casa um projeto de Decreto Legislativo que susta a portaria do Ministério da Saúde. “Recebemos a norma como uma reação ao recente caso de autorização judicial para a realização da interrupção da gravidez de uma criança de apenas 10 anos, e não com a base técnica que deveria orientar as políticas públicas”, afirmam as parlamentares.

“Qualquer norma que ofereça constrangimentos para o exercício de um direito deve ser prontamente contestada”, complementam. Segundo as deputadas, as mulheres vítimas de violência sexual são constantemente revitimizadas ao enfrentar o caminho para fazer valer sua opção pelo aborto legal.

A médica e deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ, que encabeça a lista, fez o alerta. “Atenção! Protocolei agora na Câmara o PDL 381 pedindo para sustar a portaria de hoje do Ministério da Saúde que dificulta a realização do aborto legal e ainda prevê constrangimento e violência psicológica à mulher”, informou pelas redes sociais.

A deputada mineira Áurea Carolina, pré-candidata pelo PSOL à Prefeitura de Belo Horizonte, também condenou a medida. “Absurdo! O Ministério da Saúde editou uma portaria que dificulta o atendimento de vítimas de estupro que buscam seu direito legal ao aborto. Mulheres e meninas que enfrentam situações de violência devem ser acolhidas – e não criminalizadas ou constrangidas por normas abusivas”, disse pelo Twitter.

“Os fundamentalistas tentaram atropelar o Código Penal de 1940, à custa do sofrimento de uma menina de 10 anos. Como não conseguiram, lançam, agora, uma portaria ilegal, via @minsaude, p/ impedir que a Lei que assegura a interrupção de gravidez seja cumprida. Inaceitável!”, denunciou a deputada ÉriKa Kokay (PT-DF).

Procedimentos em etapas

Segundo a Agência Brasil, o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei possui quatro fases que deverão ser registradas no formato de termos confidenciais, arquivados anexos ao prontuário médico.

A primeira fase é o relato sobre as circunstâncias do crime de estupro, realizado pela própria gestante perante dois profissionais de saúde do serviço. O Termo de Relato Circunstanciado deverá conter local, dia e hora aproximada do fato, tipo e forma de violência, descrição dos agressores, se possível, e identificação de testemunhas, se houver.

Na segunda fase, serão feitos exames físicos e ginecológicos pelo médico responsável, que emitirá parecer técnico. A gestante também deverá receber atenção e avaliação especializada por parte da equipe de saúde multiprofissional, composta por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social e/ou psicólogo. Três integrantes dessa equipe subscreverão o Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção da Gravidez, que não poderá ter desconformidade com a conclusão do parecer técnico.

A terceira fase é a assinatura do Termo de Responsabilidade, que conterá a advertência expressa sobre a previsão dos crimes de falsidade ideológica e de aborto, previsto no Código Penal, caso não tenha sido vítima do crime de estupro.

A quarta fase se encerra com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que deverá conter a declaração expressa sobre a decisão voluntária e consciente da gestante de interromper a gravidez. Para isso, a mulher deve ser esclarecida, em linguagem acessível, sobre os desconfortos e riscos possíveis do aborto à sua saúde; os procedimentos que serão adotados para a realização da intervenção médica; a forma de acompanhamento e assistência, assim como os profissionais responsáveis; e a garantia do sigilo quanto aos dados confidenciais envolvidos, passíveis de serem compartilhados em caso de requisição judicial.

Todos os documentos que integram o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez deverão ser assinados pela gestante, ou, se for incapaz, também por seu representante legal. Eles serão elaborados em duas vias, sendo uma entregue à gestante.

* Com informações da Folha de S. Paulo, Agência Câmara e Agência Brasil.

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