Por Talita Ribeiro
Especial para o Notícias Gerais
Mineiro que é mineiro gosta de comida com fartura e de reunir familiares e amigos para bater um dedo de prosa. Se bem que não é só um dedo, vira uma mão cheia de causo, já que uma história leva a outra e quando “vai ver” os ponteiros do relógio já deram várias voltas. O ali de mineiro também não é tão perto, pode-se andar quilômetros quando dizem “logo ali depois da curva”. Todos esses exageros conferem características próprias ao estado que deu nome ao queijo – e que, por sua vez, integra muitas receitas que dão água na boca.
Não é atoa que a Terra do Café-com-Biscoito faz parte deste pedaço encantador do Brasil, recheado de receitas com queijos e tantas outras variedades. Localizado a cerca de 200 quilômetros da capital, o município de São Tiago é famoso pelas quitandas que promovem diversas confraternizações e adoçam o paladar das pessoas. Biscoitos são produzidos às toneladas, vendidos para todas as partes do país e até para fora dele.
Os são-tiaguenses são conhecidos pela hospitalidade traduzida pela recepção ao visitante com biscoitos e café quentinhos servidos na mesa. As receitas dos quitutes são passadas de geração em geração em meio às famílias que carregam no peito o orgulho por cultivar o costume que ganhou fama nacional. O reconhecimento dessa tradição foi intensificado pela promoção de um festival anual que conta com degustação gratuita de biscoitos e café em sua praça principal.
Atualmente a Festa do Café-com-Biscoito tem duração de três dias inteiros e uma noite, com a distribuição de toneladas de biscoitos para prova e mais tantas outras para comercialização. A última edição contou com cinco toneladas de biscoitos e dois mil litros de café para degustação. Além das delícias que agradam o paladar a Festa é composta por atrações musicais e teatrais durante todos os dias. Milhares de pessoas passam pela cidade, conhecendo de perto a paixão do povo que cultiva a tradição dos quitutes há séculos. Em 2019 passaram pela cidade 100 mil turistas, dez vezes mais pessoas que o número da população local.
A cidade possui um receptivo turístico chamado Forno na Praça, ele está localizado na praça principal do município e atrai aproximadamente 2 mil turistas anualmente em períodos normais, sem contar as visitas durante seu mais famoso festival. A arquitetura da construção remete às grandes fazendas centenárias que deram origem à cidade.
Mesmo antes de ser emancipado, o povoado que se formou no local já recebia os viajantes com as quitandas fresquinhas em meio às paradas para descanso. Biscoitos de fubá, polvilho, roscas, bolos e pães servidos com fartura começaram a tornar esse pedacinho de Minas um lugar aconchegante para lanche e prosa.
Todas as receitas estão preservadas em livros manuscritos ou na memória das quitandeiras que preparam com amor os quitutes que saciam a fome do corpo e da alma. Cada aroma, cada gostinho e cada história que envolvem o alimento garantem a união e o conhecimento das raízes culturais de seus antepassados. São causos gostosos de se ouvir, ainda mais quando molhados pelo café e acompanhados pelos sabores apetitosos das quitandas.
Receitas de família
Conversar com a são-tiaguense, Maria da Conceição Silva, com seus 79 anos de experiência, é como voltar no passado. A menina que começou a fazer biscoitos aos 8 anos aprendeu as receitas com o avô paterno, João Ernesto. As quitandas eram assadas em forno de cupim, o biscoito Passado era o seu preferido, feito com polvilho. A princípio Conceição tinha dificuldade para enrolar os biscoitos, mas com o passar do tempo, foi aperfeiçoando o talento com as massas.
– Enrolava os biscoitos fazendo farra com meu avô e ele me dizia: ‘minha filha não é assim’. Aí eu falava: ‘ainda sou muito pequena, não sei de nada’. E ele respondia: ‘vai na frente que você vai entender como que enrola o biscoito’. E foi assim que eu aprendi, não foi fácil para eu aprender a enrolar biscoito, mas eu não desisti. Algumas pessoas me criticaram no início, riam de mim, mas depois os meus biscoitos passaram a chamar a atenção, não tinha uma pessoa que não me elogiava.
A farra nesse tempo era boa, Conceição ainda conta que enquanto os biscoitos estavam no forno seu avô tocava sanfona e ela dançava e cantava: “Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar. Ou de ouro, ou de ouro, ou de prata, para o meu vovô passear”.
Hoje, o quitute que faz com mais regularidade e que seus netos gostam muito é o biscoito frito de sal. Com apenas três ingredientes faz a merenda da família. A quitanda garante a “sustança” de seus entes queridos, feita com muito carinho e dedicação, prova de seu orgulho em contribuir com a tradição mais saborosa da pequena São Tiago.
Para quem deseja se aventurar por essa tradição está aqui uma das receitas mais queridas de São Tiago:
Biscoito frito de sal
Ingredientes:
- 1kg de polvilho
- 1 colher (de sopa) de sal
- 8 ovos
Modo de preparo
Misture o sal e o polvilho em uma bacia. Sove* bem o polvilho até ficar bem fino.
Depois adicione os ovos e amasse. Enrole no formato do número 8. Frite em óleo
quente.
*Sovar consiste em apertar o polvilho entre as mãos para desfazer pedacinhos maiores
do ingrediente.
