Por Douglas Caputo*
Não sei você, mas sou daqueles que acordam sem culpa alguma na segunda-feira. O torresminho de sábado, o frango assado de domingo, a garrafa pet com aquele restinho no fundo, todos passam bem, obrigado.
O que não anda bem é a forma como o governo brasileiro conduz a crise gerada pelo Coronavírus. As manifestações desse domingo (15) me levam a refletir que o conjunto arquitetônico de Oscar Niemeyer foi substituído pela grande lona no Planalto Central, mas com personagens tão bizarros que não seriam aceitos em qualquer picadeiro.
Daí, sabe, vem aquela sensação de dèjá-vu? Pois é, o mais do mesmo diante de uma moléstia em escala global. Foi assim com o Cólera, a Febre Amarela, o Sarampo. A história se repete: governos com esparadrapos para tentar esconder feridas que não cicatrizam nunca, já que as medidas são paliativas.
Isso porque um nacionalismo promíscuo irrompe no Brasil e noutros países, cujo resultado é a tentativa vã de levantar muros contra algo que só encontra fronteiras porosas, inócuas ao mundo ressignificado em “Aldeia Global”, conforme conceituou Marshall McLuhan.
Ora, se líderes mundiais não conseguem dialogar, são as populações que ficam desamparadas diante da ausência de uma política global austera contra patologias desterritorializadas, cosmopolitas e reincidentes por natureza.
“Foda-se”
Em guerra com o Congresso, Jair Bolsonaro, diante da pandemia, pediu arrego. Vestido com máscara – mais uma – o presidente cancelou, em live no Facebook quinta-feira passada (12), ato que capitaneava contra a Casa Bicameral.
No entanto, Bolsonaro recuou e ligou o “foda-se!” para o Corona ao estimular e participar de protestos em Brasília, nesse domingo (15). Ele cumprimentou e tirou selfies com apoiadores, ignorando o perigo de transmissão da Covid-19, nome dado à doença que o próprio presidente pode carregar.
A gíria usada pelo séquito bolsonarista virou palavra de ordem entre os manifestantes. A expressão “foda-se!” defendia o ministro Augusto Heleno (Segurança Institucional), que acusou o Congresso de “chantagear” o Planalto em áudio vazado em fevereiro passado.
O vaievém de Bolsonaro corrobora a espetacularização da esfera política. Ora vítima, ora super-herói, o presidente, embora desarticulado politicamente (nem partido tem), consegue sedimentar o estereótipo do “mito” numa pirotecnia que inspiraria Murilo Rubião e seu Zacarias. Resta saber se o mito não será desmistificado.
Desmistificado ou não, o bolsonarismo da terraplanagem, da astrologia educacional, do carnavalesco golden shower segue afrontando a Ciência ao incitar a população a se aglomerar, mesmo sem saber ao certo os resultados que a Covid-19 vai gerar no mundo. Não por acaso, o mandatário da nação parece acreditar ser possível dar férias ao Corona enquanto culpa a mídia pelas suas inúmeras gafes e acessos explosivos.
“O adiamento dado a este vírus, que, se eu falar que está superdimensionado, vai dar manchete neste lixo chamado Folha de S. Paulo, entre outros jornais que ficam esperando uma palavra errada, no entendimento deles, ser o suficiente para atacar o governo. Não estão atacando o governo, estão atacando o Brasil”, afirmou Bolsonaro durante a manifestação.
Ao ver o pastelão mexicano do governo diante da pandemia nesse domingo, lembro na hora do escritor Mário de Andrade e seu clássico “Macunaíma”. Repetida vezes, pela obra, o narrador constatava, “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”.
*É jornalista, mestre em Letras e professor do curso de redação SOU 1000.
Parabéns, Douglas, pelo texto. Boa reflexão. Ótimas referências. Enfim, luxo para enfrentar os tempos sombrios e mórbidos.