Por: Douglas Caputo*
O título, tomado de empréstimo de Affonso Romano de Sant’Anna, escutei-o em palestra do escritor na UFSJ. Na época, eu estudante do ensino fundamental e a instituição, FUNREI.
Meninote de 13 ou 14 anos de idade, fiquei hipnotizado por aquelas palavras de Sant’Anna. Não me lembro se conhecia o significado de “epitáfio”, mas devo ter corrido ao meu Aurélio de bolso – não existia Google – e procurado o verbete.
Não sei também o porquê, mas o texto nunca saiu da minha cabeça. E, nesses tempos de pandemia, puxando a angústia, ele voltou forte. Cá com meus botões, pus-me a pensar: o que escreveria no túmulo de um século adolescente?
“Aqui jaz um século pandêmico. Que lutou bravamente contra o Coronavírus, mas não resistiu…” Melhor nem continuar, sem poesia, previsível. O jeito é apelar para São Machado de Assis, bom entendedor do assunto.
Pela voz do narrador Brás Cubas, São Machado anunciou: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas”.
E continuou pela autodefinição do protagonista: “não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor”. Genial. Tentar dizer qualquer coisa após a narrativa machadiana seria atentar contra a Literatura.
Mas sou do tipo que não sossega, bicho carpinteiro. Machado no olimpo e eu no limbo, à procura por um epitáfio para o século 21. Em meio a joguinhos bestas das redes sociais, encasquetei com o desafio da escrita necrófila. Então, vamos lá.
“Aqui jaz um ministro da Saúde. Perdeu-se no obscurantismo de um governo de extrema-direita que, paradoxalmente, implantou o Anarquismo no Brasil”. Pensando bem, melhor descartar. Nada de criar mitos, já vimos como essa história acaba.
O que não acaba é a humanidade. Mas, parece-me que o conceito íntimo da palavra já se pulverizou há muito. Desaprendemos solidariedade, compaixão, empatia. Estamos tão ocupados de nós mesmos, que o isolamento social não é de agora. Vejamos o mármore.
“Aqui jaz uma sociedade adoecida de si mesma. Perdida de sua humanidade, não se adaptou ao meio e ficou estacionada no processo evolutivo. Por sorte, o planeta a conteve antes que ela o consumisse por completo”. Pesado?
Niilismo
Sim. É pesado pensar assim. Mas fato é que depois de dois meses contaminado por tantas incertezas, confesso, o tom é niilista. Falta pluralidade midiática, falta transparência política, falta compaixão pelo outro. Sobram descrença, ceticismo.
Mas o “pulso ainda pulsa”. Como jornalista, devo trabalhar com verdade e ética diante das informações. Mas meu lugar de fala, aqui, é do articulista com liberdade para expressar minha opinião e meus sentimentos com os fatos do mundo.
Parece que a obsolescência programada dos produtos do Capitalismo atingiu o ser humano. Estaríamos sendo fabricados para o descarte quase imediato? Não por acaso as redes sociais permitem bloquear pessoas, matá-las nesse rizoma sem fim.
Neste momento, o meninote que ouviu Sant’Anna, Cazuza, Renato Russo, Doors, Janis, cantarola melancolicamente: “aquele garoto que ia mudar o mundo / não celebraria o país e sua corja de assassinos / já que este é o fim / meu caro Bobby McGee”.
Ah, e o epitáfio para o século 21? Em meio à hecatombe, impossível pensar e escrever um só. Vou ser econômico como a língua inglesa o fez. Ela apropriou-se do latino requiescat in pace (descanse em paz) e, num sopro gélido daqueles que nos acomete por vezes, reduziu o post mortem a um simples R.I.P. (Rest in Peace).
Soturnamente,
R.I.P. século 21.
*É jornalista, mestre em Letras e professor do curso de redação SOU1000.