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COLUNA GUIA CINÉFILO – JOSÉ MOJICA MARINS

Esta Noite Encarnarei em Seu Cadáver (Mojica Marins, 1967)

Lucas Maranhão *

De uma casa localizada nos fundos de um cinema na zona oeste de São Paulo, surgiria uma das mais criativas mentes do cinema brasileiro. ‘Cineasta talentoso’ e ‘artista prolífico’ não são as primeiras características comumente ligadas ao mestre do horror, José Mojica Marins. A capa, a cartola e as unhas longas de seu mais famoso personagem, que foi, aos poucos, sendo absorvido pela própria personalidade do artista, desfocam muitas de suas qualidades, pouco reconhecidas nacionalmente. Mojica Marins se considerava desvalorizado em seu próprio país. E era.

O cinema de Mojica é um cinema de constante luta por sobrevivência, tanto nas telas como por trás delas. As dificuldades vividas no desenrolar de suas primeiras produções fizeram dele, também, um mestre da ilusão. Em uma época de adversidades que tornavam complicado o financiamento de filmes, Mojica os bancou na cara e na coragem, vendendo os próprios móveis de sua casa para que conseguisse realizar as tão sonhadas gravações. Utilizava-se de elencos compostos, basicamente, por alunos de sua escola de atuação e tinha problemas até para conseguir películas.

Mais tarde em sua carreira, por problemas também financeiros, precisou ceder ao filão das pornochanchadas, em que usou o pseudônimo J. Avelar; e, posteriormente, entregou-se a uma persona mais cômica, emplacada pela mídia, e que perdurou até sua morte, há pouco mais de um mês.

Porém sua capacidade de criar universos próprios e compor grandes sequências estão presentes desde seus primeiros trabalhos cinematográficos. A Sina do Aventureiro (1958) foi o primeiro que conseguiu completar e lançar em âmbito mercadológico. Ele começa não com um horror, mas com um faroeste brasileiro, regado a vingança e crueldade. O filme mostra o seu potencial para o cinema de gênero.

 E, então, Mojica teve um pesadelo. E dele surgiu Zé do Caixão.

Esta Noite Encarnarei em Seu Cadáver (Mojica Marins, 1967)

Trilogia Zé do Caixão

            Um homem o arrastava para um cemitério. Parecia um vulto, mas Mojica conseguiu reconhecer seu rosto. Para sua surpresa, ele via o seu próprio rosto. Tratava-se de um homem com o qual, pelo resto de sua vida, ficaria cada vez mais íntimo. O icônico, macabro, cruel, perverso, sádico e imperdoável Josefel Zanatas, o agente funerário, ou simplesmente, Zé do Caixão.

            Com uma estética inspirada em Drácula e um discurso inspirado em Nietzsche, Mojica nos apresenta Zé em À Meia Noite Levarei Sua Alma (1964), um niilista nato, que se considera acima da moralidade rasa, acima de deus e o diabo, e que entra em choque com os valores tradicionais. A existência é a continuidade do sangue, ele diz, e para completar seu objetivo precisa encontrar a mulher perfeita para gerar o seu filho, o ‘homem superior’.

            Este plot resume toda a saga de Zé do Caixão, que continua em Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967). Com mais recursos disponíveis, Mojica consegue expandir seu universo. Zé ganha um fiel e deformado servo, Bruno (inspirado em Igor, de Dr. Frankenstein) e ganha novos inimigos. O roteiro também se desenvolve e cenários são trabalhados com mais cuidado, fazendo deste filme o ponto alto da carreira do diretor.

            O fechamento da trilogia, entretanto, precisaria esperar mais de 40 anos para ser finalizado, depois de ser interrompido pela Ditadura Militar nos anos 70. Encarnação do Demônio (2008) não tem o mesmo impacto que os primeiros filmes (inclusive foi um fracasso de público), mas prova que Mojica conseguiu se adaptar a um formato mais moderno de cinema. A contribuição de Dennison Ramalho no roteiro é imprescindível e o filme consegue colocar um ponto final honrado para a saga de Zé do Caixão.

Finis Hominis (Mojica Marins, 1971)

Finis Hominis

Outro momento interessante da carreira de Mojica Marins é Finis Hominis (1971). No filme, pela primeira vez, o diretor adere às cores – pelo menos parcialmente, já que em alguns takes ele ainda se utiliza de filmes em preto e branco, por faltarem-lhe recursos. O personagem que interpreta (e, cujo nome, dá título ao filme) é o oposto de Zé do Caixão. Um profeta que surge do mar completamente nu e parece praticar atos de bondade por onde passa. Rapidamente, adquire fiéis seguidores, entre eles um grupo de hippies. O filme é uma viagem pela contracultura dos anos 60/70 e as cores contribuem muito para a narrativa.

Em Finis Hominis, Mojica mostra que não é um diretor limitado. O gênero do horror não era simplesmente uma escolha, mas parte de sua própria voz como artista.

Mojica foi gigante e seu cinema será eterno.

Dica: muitos filmes de José Mojica Marins estão disponíveis gratuitamente no YouTube e no serviço de streaming Looke.

  • É jornalista, designer e apaixonado por cinema.

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