Início Opinião Coluna COLUNA PRÓXIMA TENDÊNCIA: EM TEMPOS DE PANDEMIA, QUAL SERÁ ELA?

COLUNA PRÓXIMA TENDÊNCIA: EM TEMPOS DE PANDEMIA, QUAL SERÁ ELA?

Carol Oliveira*

Preciso começar essa coluna confessando que eu tenho passado a maioria dos meus dias de pijama. Vez ou outra me arrumo, seja pra chamada de vídeo com os amigos, pra tirar umas fotos pro Instagram ou pras minhas roupas não acharem que eu morri.

Durante o meu TCC, que inclusive foi um documentário sobre moda e cultura urbana, o meu entrevistado disse uma frase que nunca esqueci: “o skate é a forma pela qual eu me coloco no mundo”. Eu não precisei pensar muito pra saber que a moda é esse meu lugar.

Só que, da mesma forma que durante esse período eu descobri roupas que não me cabiam mais ou que já não me representavam tão bem, eu comecei a me questionar a importância desse tema. Afinal de contas, perante a tudo que temos passado, onde a grande parte da população mal tem dinheiro para o básico, qual é o papel e o lugar da moda? Como ela será daqui pra frente?

Que a moda reflete seu tempo, isso é indiscutível. Quem nunca pegou uma foto sua, lá nos anos 2000 (que, na minha humilde opinião, foi a época com os modismos mais engraçados) e se perguntou: “meu Deus, que roupa é essa? Como eu tive coragem de usar isso?” Ela segue as grandes transformações e rupturas da história, além de refletir o conjunto social e cultural de um período.

Sim, a moda e os movimentos sociais sempre estiveram atrelados. Como exemplo, temos o período da Primeira Guerra. Entre 1914 e 1918, todo o glamour foi engolido pela nova realidade: um tempo de escassez de dinheiro, de matéria-prima e de atividades mais imediatas. Mulheres trocaram o serviço doméstico para trabalhar em diversos setores e, principalmente as de classes mais baixas, foram exercer ofícios masculinos em fábricas. Fez-se necessário libertar o corpo feminino do espartilho e adornos decorativos, que deram lugar a roupas mais adequadas para esse tipo de trabalho.

A roupa não só acompanhou aquele período, mas também narrou essa história. Em 2016, esse tema se transformou em exposição – a “Fashion & Freedom”, feita com o apoio do British Fashion Council e contando com criações de designers como Vivienne Westwood, Roksanda Ilincic, J JS. Lee, Holly Fulton e Emilia Wickstead, foi totalmente inspirada nas mudanças que o vestuário feminino passou durante a Primeira Guerra Mundial.

Design por: Vivienne Westwood | Foto por:  Jez Tozer

Trazendo para nossa realidade, temos exemplos aqui também, bem pertinho. A estilista mineira Zuzu Angel, que inclusive construiu sua carreira valorizando os elementos do Brasil em cores, estampas e formas, criando uma moda tupiniquim original, de qualidade e não só priorizando a elite, como também as mulheres comuns, foi um exemplo de uma “moda com propósito”.

Ela ficou conhecida internacionalmente por sua luta contra os desaparecidos políticos da ditadura brasileira, da qual seu filho, Stuart Angel Jones, também foi vítima. Praticamente uma transgressora ao assumir seu país como fonte de inspiração e deixando um legado estético e social, foi em plena época de vigor do AI-5 (Ato Institucional nº 5), que censurava a imprensa e perseguia os opositores do governo, quando Zuzu decidiu, de uma forma inteligente e inusitada, denunciar a situação político-social do Brasil.

Mais precisamente, em 1971, ela realizou o primeiro desfile-protesto da história. A coleção, intitulada como “Helpless Angel”, foi desfilada na casa do cônsul-geral do Brasil nos Estados Unidos, onde Zuzu reuniu vários dos correspondentes estrangeiros. A decisão quanto ao local foi estratégica, já que, na época, existia um decreto que proibia que brasileiros fizessem críticas ao país no exterior. Dessa forma, protegeu-se de acusações militares por estar fazendo uma denúncia.

Suas peças passaram a ter estampas bélicos, como bordados de canhões e armas, pássaros presos em gaiolas, manchas vermelhas em alusão ao sangue derramado pelos militares, e a figura de um anjo, que representava o filho desaparecido. | Imagem: ?

Em 2016, o estilista Ronaldo Fraga, também mineiro, levou 28 modelos transexuais para a passarela do São Paulo Fashion Week, verbalizando seu grito em prol da diversidade na moda e na luta contra a transfobia. Todas as modelos usaram vestidos com estampas inspiradas em bonecas de papel, visto que o seu foco principal era nas histórias das modelos, e não nas peças de roupa.

Intitulada “O corpo aprisiona, as roupas libertam o ser”, o desfile propôs uma reflexão sobre a realidade de muitas mulheres e homens que não se encontram em seus próprios corpos e que procuram refúgio nas peças de roupas, para mostrarem quem realmente são.

Foto: Marcelo Soubhia / Fotosite

Dois anos depois, na mesma passarela, Fraga decidiu dar luz às perdas culturais ocasionadas pelo desastre de Mariana que, de acordo com o Ibama, representou o maior desastre ambiental da história do Brasil. O mineiro convidou bordadeiras e artesãs de Barra Longa, região atingida pelo rompimento da Barragem de Fundão, para trabalharem na coleção, criando desenhos da fauna e flora brasileira, em uma tentativa de resgatar o que foi “roubado” pela lama.

A atriz e apresentadora Marília Gabriela protagonizou o desfile, fazendo ao final uma performance: caminhou no meio de um corredor de modelos deitadas no chão, em posição fetal, expressando a dor dos moradores da região.

Foto: AFP

E assim a moda segue. Como espaço de protesto, denúncia, criatividade, nas inúmeras formas que ela nos permite a invenção e a re-invenção. Talvez a Covid-19 tenha apenas colocado uma lupa na nossa visão sobre moda, sustentabilidade e consumismo exacerbado. Qual será o futuro dessa indústria que, antes da pandemia, gerava US$ 2,5 trilhões em receitas anuais globais?

É fato que os clientes já vêm há algum tempo cobrando práticas sustentáveis, responsabilidade ambiental e social, peças confortáveis e multifuncionais, e preferindo comprar de empresas que estão alinhadas com seus valores e crenças. Mas, em tempos de desfiles cancelados ou realizados de portas fechadas e virtualmente, qual será a próxima tendência? Seria a máscara o novo “pretinho básico” dos nossos tempos? Bom, eu ainda não sei a resposta, mas toda tendência é substituível. O nosso planeta e todas as formas de vida, não.

* Jornalista meio perdida e meio achada no universo da moda, dos games e da música. Comunicadora e comunicativa, é perigoso um dia acabar conversando com as paredes. São-joanense, amante de um bom café com pão de queijo e uma prosa, traduz sua visão de mundo por meio das palavras e do audiovisual.
Contato: calithemermaid@gmail.com

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