João V. Bessa *
Ele nasceu na pequena cidade baiana de Ituaçu, em julho de 1947, e anos depois ficou conhecido como um dos Novos Baianos. Por coincidência, cresceu na mesma terra em que Gilberto Gil, um dos velhos baianos tropicalistas. O primeiro instrumento que aprendeu a tocar foi a sanfona. Mas seria o violão o grande companheiro de sua jornada, que começou quando deixou Ituaçu em direção a Salvador.
Vivendo na cidade grande, conheceu outro conterrâneo tropicalista, Tom Zé, que se tornou seu amigo e professor de música. Através de Tom Zé, Moraes Moreira conheceu o poeta Luis Galvão, com quem dividiu a autoria de muitas das canções dos Novos Baianos, como “Acabou Chorare” e “Mistério do Planeta”.
A dupla Moreira e Galvão se juntou a Beto Boca de Cantor, Baby Consuelo e Pepeu Gomes, em 1968, e juntos entraram para a história. O nome Novos Baianos surgiu no ano seguinte, por acaso, no V Festival da Música Popular Brasileira (da TV Record), em que concorreram com “De Vera”. O grande vencedor daquela edição foi Paulinho da Viola, com “Sinal fechado”.
Moraes Moreira mudou-se para o Rio de Janeiro em 1970, cidade em que viveu pelo resto de sua vida. Fez da capital fluminense o seu lugar e, inclusive, passou a torcer para o Flamengo. Na foto de capa de seu disco “Pintando o oito” (1983), vestiu a camisa 8, do craque Adílio. Quando Zico deixou a Gávea, Moraes compôs “Saudades do Galinho”: “Vai e volta em paz, que o Flamengo já sabe como esperar você voltar”. Mas Zico nunca voltou.
As paixões proporcionadas pelo futebol inspiraram muitos outras canções, como “Só se não for brasileiro nessa hora”, que faz parte de Novos Baianos Futebol Clube (1973). Esse trabalho, ao lado de Acabou Chorare (1972), representou um momento de inflexão na trajetória do grupo, estabeleceu um marco da MPB. É a partir de então que surge a identidade musical que consagrou os Novos Baianos: a junção elétrica e inteligente do samba, frevo, baião, choro, rock’n’roll e tudo o que há de bom.
Depois da separação dos Novos Baianos, deu início à sua carreira solo com Moraes Moreira (1975), de “Guitarra baiana”, que fez parte da trilha sonora da novela “Gabriela” (TV Globo). Outro trabalho que marcou essa fase de sua obra foi O Brasil descendo a ladeira (1979). Foi ao longo dessa década que ele entrou para a história do carnaval de Salvador, sendo o primeiro cantor a se apresentar em um trio elétrico.
Caetano Veloso ressaltou, no Instagram, que o legado de Moraes para o carnaval, sua contribuição para a incorporação da batida de ijexá ao violão, fez dele “Um herói da história do país. Sem ele não haveria o axé”. A cantora ícone do axé, Margareth Menezes, definiu que a referência do poeta foi “revolucionária no campo da arte de compor e tocar música popular”. Para o historiador Luiz Antônio Simas, “ talvez tenha sido aquele com a percepção mais profunda da importância do carnaval para nossa aventura civilizatória”.
Sua carne não era apenas de carnaval e do futebol, mas também da poesia. Publicou os livros “A história dos Novos Baianos e outros versos” (2007) e “Sonhos elétricos” (2010). Ao longo de 50 anos de carreira, lançou mais de 40 discos. O último deles foi “Ser tão” (2016), da canção “Obrigado, Tom Zé”. Nesse mesmo ano, se reuniu mais uma vez com os Novos Baianos para um grande show no Rock in Rio.
Muito ativo no Facebook, publicou, em 18/03, que estava cumprindo sua quarentena em casa, na Gávea. Disse que estava tocando e escrevendo sem parar e compartilhou com os seguidores o cordel “Quarentena”. Sua última postagem foi outro poema, que reproduzimos a seguir, como nossa homenagem ao grande artista brasileiro Moraes Moreira, que faleceu na manhã desta segunda-feira, 13, no Rio de Janeiro, aos 72 anos de idade. Sempre cabeludo, sorrindo por baixo do grosso bigode. É assim que sua figura permanecerá em nosso imaginário.
SOMBRA
Nem tudo aquilo que assombra
À escuridão nos reduz
Ouvi dizer que onde há sombra
É certo que haverá luz
Iluminar esses cantos
Será o nosso desejo
Pra revelar os encantos
Daquilo que eu nunca vejo
E mesmo que a sujeição
Se torne um mal que não fito
Teremos sim afeição
Pra combater o neófito
Apesar da nossa sede
Nesses momentos de dor
Fique reparando a rede
Não vai pro mar pescador
Texto: João V. Bessa
* Estudante de Jornalismo e guitarrista, se dedica ao estudo do papel da música na construção das subjetividades pretas brasileiras. Fluminense, nasceu em Cordeiro. Contato: jvbessajor@gmail.com / Twitter: @jvbessa