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COM BATUQUE E AÇÃO POLÍTICA, MULHERES DE TIRADENTES LUTAM POR MAIS DIREITOS E MAIOR REPRESENTATIVIDADE

A Batucada das Minas se apresentou no cortejo que abriu oficialmente o Carnaval 2020 em Tiradentes. (Imagem: Daniela Mendes)

Por Daniela Mendes
Especial para o Notícias Gerais

Um mar de mulheres vestidas de vermelho com adornos coloridos e brilhantes inundou o conjunto arquitetônico do século XVIII na abertura do carnaval 2020 de Tiradentes. O som dos tambores, agogôs, surdos e outros instrumentos de percussão da Batucada das Minas espantou o pessimismo daquela tarde nublada e compôs o cortejo do Carnaval Kids, organizado para as crianças. Foi a primeira programação da maior festa popular brasileira na pequena cidade e um aviso de que as mulheres estão unidas e querem ter voz.

Depois, na terça-feira de carnaval, elas se juntaram novamente. Dessa vez, em uma manifestação para protestar contra a violência policial. É que após um decreto da Prefeitura que determinou toque de recolher às 2h, muitos moradores reclamaram da ação truculenta da Polícia Militar. Num episódio que envolveu, inclusive, o bar e restaurante de uma participante do grupo, a polícia entrou no estabelecimento, jogou gás de pimenta nos clientes, bateu e recolheu celulares dos que tentaram filmar a ação violenta.

Batucada das Minas se apresenta no cortejo da 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro. (Vídeo: Najla Passos/Notícias Gerais)

“Não é simplesmente tocar. É um movimento para mostrar que as mulheres são capazes de estar e tocar juntas sem ter que depender de homem”, DIZ ANA CAROLINA.

Expressão de liberdade

Mulher negra e empreendedora, Ana Carolina Barbosa diz que a Batucada das Minas é um movimento político porque é uma expressão de liberdade. “Não é simplesmente tocar. É um movimento para mostrar que as mulheres são capazes de estar e tocar juntas sem ter que depender de homem… que somos capazes de uma organização e de se apoiar”, explica.

Formada há quase um ano por 60 moradoras da cidade, a Batucada das Minas é fruto da indignação e despertar político das fundadoras de um projeto maior, o Mulheres de Tiradentes, hoje com cerca de 93 participantes, que começaram com reuniões movidas por um sentimento de que algo deveria ser feito.

E, neste mês de março, o grupo se junta ao Fórum de Mulheres das Vertentes, ao Sindicato dos Técnicos-administrativos da UFSJ (Sinds UFSJ), ao Sindicato dos Docentes da UFSJ (Adufsj – Seção Sindical) e outros coletivos de São João del Rei para promover, durante todo o mês, atividades relacionadas ao 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher. 

Antes de brilahrem no carnaval de Tiradentes, as mulheres da Batucada das Minas se aqueceram no Centro Cultural do Sesi. (Imagem: Daniela Mendes)

O começo do rodar das baianas

A coordenadora da Batucada das Minas, Marisol Jotta, lembra que tudo começou em 2018, meses antes das eleições presidenciais. Ela estava passando pela Avenida Paulista, quando se deparou com materiais do “Vote Nelas”, um movimento suprapartidário a favor de mais mulheres na política . 

“Sai com aquela informação de que a proporção de representatividade política feminina era apenas de 14%. Convencida, portanto, de que se a gente não começasse a mudança na vereança da nossa cidade, não íamos mudar isso nunca”, afirmou.

De volta a Tiradentes, a primeira ideia foi formar um coletivo feminista. A ideia cresceu entre as tiradentinas e Marisol entrou em contato com o Fórum das Mulheres das Vertentes, em São João del Rei, a fim de entender como aquilo poderia ser possível. 

A partir de várias reuniões, o grupo foi amadurecendo as demandas das mulheres na cidade. E, dessa forma, várias frentes de ação se formaram, dentre as quais a da Batucada das Minas, que faz o barulho de forma literal, com música, para compor as múltiplas vozes destas mulheres desse grupo tão diverso.

“A batucada é um movimento agregador. Ela traz as mulheres que estão precisando de ajuda e que se sentem acolhidas ali”, revela Ana Carolina, que traduz a experiência como uma realização específica que se desdobra em outros ganhos.

“A batucada é um movimento agregador. Ela traz as mulheres que estão precisando de ajuda e que se sentem acolhidas ali”, afirma Ana Carolina.

Na Praça de Tiradentes, as integrantes da Batucada das Minas comemoraram o sucesso da apresentação no carnaval. (Imagem: Daniela Mendes)

Diversidade nos temas e ações

E assim elas avançam com muita diversidade. “O grupo foi naturalmente desmembrando em alguns assuntos”, explica a empresária Mariana Cavalcanti ao falar do funcionamento do Mulheres de Tiradentes. Uma participante pode integrar várias comissões, mas o importante é que cada uma aja conforme seu desejo e possibilidade. A empresária mesma sai na batucada segurando o estandarte, mas é mais ativa na parte de políticas públicas.

Empoderamento econômico, saúde mental, questões trabalhistas, violência familiar e sagrado feminino são alguns exemplos das tantas demandas que surgiram. Elas ainda fizeram um grupo no Facebook. Hoje, usam o espaço virtual inclusive para dar recados e até compor informalmente um banco de empregos, vendas e serviços.

Assim, várias ações se agregaram. Como o “Papo de Mulher”, uma roda de conversa itinerante que aborda assuntos desde pompoarismo até economia solidária. A parte cultural fica por conta dos encontros que sustentam a batucada, onde elas se reúnem semanalmente para aprender música. Tem também uma feirinha com bazar e produtos artesanais feitos pelas mulheres. E o projeto MUSA – Mulheres que Sonham Alto.

Escola de Política

Cavalcanti acredita que uma mudança efetiva envolve política partidária e institucional. “A gente formou essa comissão com o intuito de eleger mulheres, tentar uma chapa com o maior número de mulheres possível. Tentamos fundar o PSOL na cidade, mas não conseguimos a tempo destas eleições”, lamenta.

“A gente formou essa comissão com o intuito de eleger mulheres, tentar uma chapa com o maior número de mulheres possível”, afirma Mariana Cavalcanti .

Em compensação, a cozinheira Juliana Ferreira lista algumas ações que foram muito importantes para o grupo, como os encontros com algumas deputadas e lideranças femininas de partidos da região, além do curso de formação política para mulheres periféricas, em Belo Horizonte. Promovido pela PartidA, trata-se, segundo Juliana, de “uma escola de política para que as pessoas entendam a Constituição, direitos, deveres e acesso às políticas públicas do Estado”, explica.

Foram cinco semanas, aos sábados, de 8h às 18h. Cinco mulheres saíam de Tiradentes às 5h para chegar a tempo na Faculdade de Arquitetura da UFMG, na Savassi. Tinha um valor simbólico de R$50, custeado pela comissão política do grupo que também pagou os custos de transporte. Juliana Ferreira, que coordenou essa ação e participou das aulas, avalia que o ganho mais efetivo desta iniciativa foi o despertar político da líder comunitária Sônia Úrsula.

Ocupando espaços

Hoje, Sônia Úrsula atua como conselheira tutelar e lembra que saiu do curso decidida a mudar a história das mulheres de Tiradentes. “Eu saí de lá convencida de que a gente tinha que ter uma Secretaria da Mulher”, lembra. Para tanto, ela mobilizou a funcionária da prefeitura Carine Oliveira para escrever o projeto e o encaminhou para aprovação do Executivo. 

Na sequência, partiu para o Legislativo, junto com a psicóloga Carla de Jesus e a psicanalista Maria Helena Ratoon e outras mulheres do grupo. Após duas sessões da Câmara e alguns ajustes, foi criada a Superintendência da Mulher, subordinada à Secretaria de Bem Estar Social, além do Conselho Municipal de Direitos da Mulher, em outubro do ano passado. “O Conselho vai fazer as políticas públicas. E dentro deste Conselho, vai ter uma representante do Coletivo lá”, comemora.

O coletivo já conseguiu garantir a criação da Superintendência da Mulher e do conselho municipal de direitos da mulher.

Sônia Úrsula atribui ao grupo Mulheres de Tiradentes uma série de ações que possibilitam uma melhor orientação dela como conselheira tutelar. “Como as minhas companheiras de trabalho do Conselho Tutelar, sinto muito na pele as dificuldades de ter ferramentas para atender as pessoas. As ações são fundamentais para direcionar, para ajudar, apoiar. A gente já tá sentindo umas coisas andarem. Se você pega as associações de bairro e um coletivo, então vê que ele abraça uma comunidade inteira”, conclui otimista. 

2 COMENTÁRIOS

  1. Quantas dessas mulheres são efetivamente de Tiradentes e quantas são as que escolheram a cidade pra morar em função de iniciativas empresariais?

  2. Com relação a reportagem sobre o Batucada das Minas, chamou minha atenção a menção a “toque de recolher” imposto pela prefeitura. Como foi isso? Há algum documento publicado oficialmente pela prefeitura falando em toque de recolher? Não houve discussão com representantes da sociedade da cidade, comerciantes, moradores, etc?

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