Início Opinião Crônica CRÔNICA: MEU CASTELO ME PROTEGE?

CRÔNICA: MEU CASTELO ME PROTEGE?

Na literatura de Edgar Alan Poe, a morte escarlate tomava conta das redondezas do palácio. Foto: Divulgação

Sarah Castro *

Eventos fortuitos, fico pensando em como a vida nos pega de surpresa. A pandemia da atualidade se alastra progressivamente, assim como a morte escarlate tomava conta das redondezas do palácio descrito por Edgar Alan Poe em sua ficção. A reclusão oriunda de uma quarentena deixa o país e o mundo assolados. 

A ansiedade vem tomando espaço pouco a pouco. Percebi tal fato quando o meu antigo hábito de roer as unhas retornou à minha rotina. Os dias passam rápidos e as noites guardam a minha atividade favorita, contemplar o céu do meu quarto. Enquanto contemplo, me perco em devaneios sobre a situação coletiva e a minha doentia inquietação. 

Percebi que assim como no conto, às vezes eu me sinto como o príncipe em seu forte, feliz, sagaz, com a abadia abastecida e sem maiores preocupações. O meu castelo de portões grandes me protege de toda ameaça e me permite pensar em bobices que me distraem do cotidiano ocioso de abril. Nada me abalaria ou poderia me surpreender. Porém, em meio a minha abstração, percebo a grande sombra que me abraça, que é infiltrada, que me sufoca, que me pega desatada e atua em horas despretensiosas. Já não há punhal levantado para mim, sinto a intimidação naturalmente. Não há plateia, mas sinto a pressão. Não há luta, pois aceito aos poucos a minha derrota. Cai o disfarce da face do vilão, é a ansiedade.

Já não há punhal levantado para mim, sinto a intimidação naturalmente. Não há plateia, mas sinto a pressão. Não há luta, pois aceito aos poucos a minha derrota. Cai o disfarce da face do vilão, é a ansiedade.

O vírus não entrou em minha casa e nem em minhas entranhas, de fato. Mas, também tem vezes que eu é que me sinto o próprio intruso rubro mascarado, invisível, vazia, porém carregada de peste, empestada por meus pensamentos e pelos meus sentimentos que verdadeiramente me consomem por dentro. Sempre achei monstros disformes mais assustadores, pois eles podem ser constituídos de todos os seus medos.

Ninguém sabe ao certo até quando isso tudo vai durar, a calamidade muda as regras todos os dias. Mas sigo aqui no meu castelo meditando diferentes versões do que poderia ser e acontecer. O compilado de sentimentos ruins me agradeceram a hospedagem e disseram que vão ficar por mais algum tempo. Eles estão dividindo o sofá.

  • É estudante de Jornalismo da UFSJ e produziu este texto sob a orientação do professor Paulo Caetano.

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