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GUIA CINÉFILO – MONTY PYTHON

Lucas Maranhão *

Mesmo que você nunca tenha ouvido falar de Monty Python, mesmo que não tenha assistido a nenhum dos filmes, ou à série, ou a apresentações em teatros, ou até mesmo a esquetes sortidos que vez ou outra são relembrados nas redes sociais, certamente você já foi, em algum momento de sua vida, atingido pelo seu raio de influência. O grupo de humor inglês, que cresceu no final da década de 60, ousou criar um novo tipo de humor, que marcou desde a época até gerações de novos humoristas que vêm surgindo nos dias atuais, um feito que faz os fãs,  toda vez que notam essa influência em outras obras, usarem a velha afirmação “isso é muito Monty Python!”

O sexteto se formou em 1969 para desenvolver uma nova série de comédia para a BBC. Sem muita explicação (assim como todo seu humor), John Cleese, Michael Palin, Eric Idle, Graham Chapman, Terry Jones e Terry Gilliam decidiram que o nome do programa seria Monty Python’s Flying Circus (1969-1974) – Circo Voador do Monty Python, em tradução livre. O resultado foi um choque para o padronizado formato televisivo da época.

Os episódios eram formados por esquetes que, apesar de totalmente independentes, interagiam nas formas mais excêntricas possíveis, intercalados pelas belíssimas animações de Terry Gilliam. Monty Python foi o pai – e até hoje o ápice – do humor non-sense. John Cleese afirmou, em entrevista recente, que seu esquete favorito sempre foi “a dança de tapa com peixe”, justamente pela sua ausência total de sentido. A cena tem apenas 20 segundos e você ri sem saber o porquê.

Se o humor se baseia em surpreender o espectador, Monty Python levaria isso às últimas consequências. Os comediantes se recusavam até mesmo a dar uma punchline às piadas, começavam os episódios pelos créditos finais, e interrompiam esquetes no meio, porque “aquela tinha ficado boba demais”. 

Com o fim da série, vieram os filmes. E são neles que iremos nos aprofundar neste texto.

O Cálice Sagrado

Monty Python em Busca do Cálice Sagrado (Jones, 1975)

Por trás de uma montanha coberta por uma espessa neblina, ouvimos o som de cascos de cavalo. É a primeira cena de Monty Python em Busca do Cálice Sagrado (1975), logo depois de um letreiro escrito “Inglaterra 932 AD”. Porém, a expectativa de ver um cavaleiro medieval imponente cavalgando em seu cavalo é logo quebrada, quando vemos o tal cavaleiro – sem um cavalo, mas imitando estar em cima de um – ridiculamente dando pulinhos, enquanto um servo, que vem logo atrás, bate dois pedaços de coco – que simulam o barulho das patas. Po-co-tó.

A piada (talvez a mais marcante de todo o filme) tinha um motivo: eles não tinham dinheiro suficiente para os cavalos. Ninguém acreditava que a paródia da história do Rei Arthur, encenada por “aqueles malucos da TV”, iria se tornar tão importante para o cinema. Como estavam errados!

Muitos conceitos da série são mantidos e perfeitamente adaptados para um longa metragem. O formato episódico que o roteiro adota é, geralmente, motivo de críticas em outros filmes, mas, neste caso, funciona perfeitamente, lembrando o formato de esquetes da televisão. O sexteto também continua interpretando múltiplos personagens, sempre muito criativos, e que vão melhorando a cada minuto da obra.

A Vida de Brian

A Vida de Brian (1979)

Segundo Eric Idle, a ideia inicial para A Vida de Brian (1979) era fazer uma sátira de Jesus Cristo, mas, depois de lerem a Bíblia, constataram que nunca iriam conseguir viabilizar esse filme. Em vez disso, decidiram fazer uma sátira sobre o mundo em torno de Jesus. O personagem principal, Brian, vive na mesma Judéia ocupada pelos romanos, até começar a ser confundido com um messias, algo que ele não deseja ser. Eu não sou o messias!

Ainda assim, a obra vítima de inúmeras tentativas de censura por seu roteiro “blasfemo”, e só consegue ser financiada com a ajuda de George Harrison (sim, o Beatle!). O motivo dessa ser minha obra preferida da trupe é que nela temos a perfeita combinação do humor absurdo com a crítica sempre enrustida no gênero comédia. É o mais perfeito exemplar do “inteligente humor britânico”. 

Podemos dizer que todas as cenas têm dois ou três camadas de compreensão. Dos romanos, que de tão arrogantes não enxergam sua tolice, aos judeus, que não conseguem se unir contra um inimigo em comum, porque preferem brigar entre si, ou mesmo a fantástica cena musical ao fim. Aliás, o filme confirma outra característica dos Pythons: saber finalizar suas histórias de maneira tão anti-climática, mas, ao mesmo tempo, tão magnífica.

O Sentido da Vida

O Sentido da Vida (1983)

Em seu último filme canônico, o grupo se entrega novamente ao formato de esquetes. O Sentido da Vida (1983) apresenta diversas histórias que cobrem todas as etapas da vida – do nascimento à morte – tentando encontrar o significado da existência. Para isso, passam por temas como a pobreza, o sexo, a ganância e a religião. Oh Deus, você é tão grande!

O filme foi o último longa com todo o grupo reunido e, pelo menos pelo roteiro, é primoroso. A experiência adquirida até então fez, deste filme, uma criação impecável do ponto de vista técnico e cômico. Um fechamento com chave de ouro.

Alguns membros se juntariam novamente para a produção de filmes como Um Peixe Chamado Wanda (1988), outro clássico. Terry Gilliam viria a se tornar um grande diretor de sci-fi/fantasia. Porém, com a morte de Graham Chapman, em 1989, e de Terry Jones, em janeiro deste ano, os Pythons nunca mais seriam os mesmos. 

Seu legado, entretanto, continua forte como nunca. Ficaram conhecidos como “os Beatles da comédia”, um erro, ao meu ver: os Beatles é que deveriam ser conhecidos como “os Pythons da música”.

Dica

A Vida de Brian (1979) e Monty Python em Busca do Cálice Sagrado (1975) estão disponíveis na Netflix, assim como as quatro temporadas da série, Monty Python’s Flying Circus (1969-1974).

* É jornalista, designer e apaixonado por cinema.

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