Início Cultura GUIA CINÉFILO: O SURREALISMO DE ALEJANDRO JODOROWSKY

GUIA CINÉFILO: O SURREALISMO DE ALEJANDRO JODOROWSKY

Lucas Maranhão *

Jodorowsky é pouco conhecido no mainstream. É compreensível: seus filmes são experimentais, surrealistas e explícitos. Ao contrário de outros cineastas do ramo surrealista, como David Lynch, não foi absorvido por Hollywood. Pelo contrário, se tornou inimigo dela.

O chileno estudou na França e começou a fazer cinema no México. Desde o princípio, as influências surrealistas – flertando com o absurdismo – estão presentes. O próprio artista já comparou diversas vezes o efeito de suas obras ao de droga psicotrópicas. Além disso, Jodorowsky, um estudioso do Tarot, também acrescenta uma camada de misticismo em suas obras.

Sempre foi também um artista multifacetado: Jodorowsky começou no teatro, se converteu ao cinema e ainda se tornou um prolífico autor de histórias em quadrinhos, em parceria com grandes cartunistas como Moebius e Milo Manara. Sua paixão pelos quadrinhos aumentou principalmente depois do fracasso na produção de Duna, que o deprimiu e o afastou do cinema por anos.

Mesmo com uma filmografia curta, Jodorowsky consegue ser impactante, com um estilo visceral de cinema.

El Topo (1971) e A Montanha Sagrada (1973)

El Topo (Jodorowsky, 1971)

No início da década de 70, Jodorowsky criou seus dois grandes filmes. Com El Topo (1971), filme que escreveu, dirigiu e estrelou, Jodorowsky foi assistido pela primeira vez fora do México (ele já havia lançado Fando & Lis, em 1968, que sofreu com a censura do México). Em El Topo, o diretor cria um faroeste mexicano. A “terra-sem-lei” é genialmente desenvolvida  como um mundo fantasioso e surrealista. O anti-herói (interpretado pelo próprio Jodorowsky) se autodenomina um deus e é colocado em uma jornada de ascensão pelo deserto.

O filme circulou pelos cinemas undergrounds e conquistou fãs, como John Lennon, que o ajudou a conseguir maior distribuição. Assim, Jodorowsky encaminhou seu terceiro filme: A Montanha Sagrada.

Segundo o próprio diretor, em A Montanha Sagrada (1973) ele “fez o que quis”. E fez! O surrealismo de Jodorowsky chega ao nível escatológico. Cheio de cores e com planos milimetricamente pensados, o filme é preenchido com simbolismos e alegorias. Narrativamente, ele, Jodorowsky, continua brilhando ao criar uma estrutura fragmentada que brinca com a jornada do herói.

No filme, acompanhamos um sósia de Jesus que é enviado ao topo de uma torre e encontra um alquimista. Então, o alquimista (interpretado por Jodorowsky) o ensina a transformar suas próprias fezes em ouro. “Você é um excremento, mas pode se transformar em ouro”, ele diz ao falso Jesus. Por razões com essa, também classifico A Montanha Sagrada como um filme “tire as crianças da sala, pode traumatizar”.

Até A Montanha Sagrada, a carreira de Jodorowsky era ascendente. Ele era um cineasta cada vez mais realizado e, por isso, encaminha aquele que poderia ser seu maior projeto.

A Montanha Sagrada (Jodorowsky, 1973)

O fracasso de Duna e Santa Sangre (1989)

O projeto de Jodorowsky para Duna é conhecido como o melhor filme que não saiu do papel. A adaptação do clássico livro de sci-fi de Frank Herbert tomou anos da vida do cineasta, mas acabou sendo interrompido pela falta de financiamento de Hollywood. Toda pré-produção do filme é retratada no excelente documentário Duna de Jodorowsky (2013). O filme foi totalmente realizado em roteiro, storyboards e artes conceituais que ajudam a remontar uma obra prima que nunca existiu.

A pré-produção contava com grandes designers da ficção-científica, como Moebius e H.R. Giger. Já o elenco contaria com nomes inimagináveis, como Orson Welles, Mick Jager e Salvador Dalí. Para completar, a trilha sonora seria produzida pela banda Pink Floyd.

Muitos dizem que Duna era um filme muito à frente de seu tempo. Por outro lado, outros afirmam que Duna não foi aprovado por que o cinema de Jodorowsky assustava Hollywood. Esses últimos parecem estar mais certos, visto que Duna seria adaptada poucos anos depois por David Lynch – e em breve, também por Dennis.

Desiludido com o cancelamento do projeto, Jodorowsky se afasta do cinema por anos. Em 1989, apresenta seu principal destaque desta fase, com Santa Sangre, um filme de terror com trama inspirada em Alfred Hitchcock – um excelente filme mesmo que observemos um Jodorowsky muito mais contido.

Depois do lançamento do documentário, décadas aposentado das câmeras, ele voltaria a dirigir. Dança da Realidade (2013) e Poesia Sem Fim (2016) são filmes que viajam a um universo muito mais pessoal, com narrativas semi-biográficas.

Alejandro Jodorowsky é um artista que não precisou de muitos filmes para apresentar fortes ideias e mostrar seu olhar único sobre a técnica cinematográfica. Talvez o mainstream fosse prejudicial às suas ambições artísticas, talvez não. Porém, não sentimos essa falta quando analisamos sua filmografia. O underground parece ser seu ambiente favorito, tal qual o destino de seu personagem em El Topo.

  • É jornalista, designer e apaixonado por cinema.

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