Por Bruna Saniele
Repórter da Agência Brasil – Brasília
Para Manuela, do Rio de Janeiro, foi a cafeteira. “Eu tenho usado bastante a minha cafeteira. Era um utensílio que eu só usava duas vezes por semana, sempre preferi sentar num café e apreciar esse momento. Mas agora, que a gente precisa se cuidar, ficar em casa evitando que muitos fiquem doentes ao mesmo tempo, ela tem sido minha companheira de todo dia.”
Para Flávia, de Viçosa (MG), a filha que está sendo gestada. “Eu descobri que estava grávida duas semanas antes de tudo isso começar e, ao mesmo tempo em que é muito angustiante – esperar um bebê no meio de tanta incerteza – esse bebê tem sido uma proteção para mim também, para minha saúde mental. Eu sempre achei que no segundo filho fosse ter um sentimento mais sereno, mais contido em relação à gravidez, mas não, tem sido também uma experiência de muita alegria e que me faz tirar um pouco o foco de tudo de ruim que está acontecendo. Porque, afinal, é uma vida que está aí florescendo no meio de uma pandemia.”
Para Amarilis, de Teresina, a caixa de lápis de cor. “Eu tenho desenhado muito, é algo que tem me feito muito bem. É quase como uma prática meditativa, me faz entrar em contato com o momento presente, com as coisas que estão ao meu redor. E, além disso, me traz a sensação de que, ao fim desse momento, dessa fase tão difícil, eu vou ter produzido coisas que eu considero bonitas.”
Os relatos de objetos que garantiram conforto num momento de isolamento social foram compilados em uma página do Instagram chamada “Janelas da Pandemia” (@janelasdapandemia) por Eduardo Carvalho, 33 anos, editor artístico do Museu do Amanhã.
“O Janelas da Pandemia é um projeto criado no meio dessa quarentena para aliviar a pressão sobre o que será do futuro. A ideia central é colher depoimentos sobre o que ou quem tem ajudado as pessoas a passar pelo período de isolamento. Além disso, o projeto quer ser uma espécie de museu vivo, que vai mostrar pra gente, lá na frente, como fomos humanos durante essa pandemia”, diz Carvalho.
A página mostra o objeto e traz também o áudio da pessoa que usa aquele objeto, o que traz uma relação de proximidade com quem fala. Parece uma troca de mensagens de aplicativos entre amigos.
“Quando a gente escuta as vozes das pessoas, a gente percebe que há alguém de verdade por trás daquela história. Sai do ambiente de post que é basicamente texto para legendagem. A transcrição eu coloco para o público surdo, uma tentativa de acessibilidade, mas que tem dado certo”, detalha.
De todos os relatos enviados, o preferido do diretor é o de Nina que, como Carvalho, também é moradora da cidade do Rio de Janeiro e escolheu como “objeto” uma estrela, o sol.
“Eu, meu marido e meu filho, moramos num apartamento onde não bate sol. Nem um raiozinho. Então, depois de oitenta dias sem sair de casa para absolutamente nada, a gente começou a sentir muita falta do sol. Então, decidimos, com todo cuidado, pegar o nosso carro e ir uma vez por semana para uma praia distante ver o sol nascer, poder se esquentar e ser acolhido pelo sol, pelo calor do sol. Quando a gente olha para o sol nascendo, a gente tem certeza de que tudo isso vai passar, porque tudo é impermanente”.
Durante a pandemia, a página já publicou 57 histórias. Há relatos vindos de Cardiff, Brighton e Londres, no Reino Unido; do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Manaus e Pará.
De acordo com Carvalho, os comentários de quem lê ou escuta os depoimentos revelam que o sentimento é de uma “terapia em grupo”. “Quem assiste ou quem participa percebe que não está sozinho nesse período complicado.”
O projeto, que ainda não tem data para terminar, pretende ser uma memória coletiva.
“Seja daqui um ano ou mais, quando a gente vir esses vídeos novamente e ouvir as nossas próprias vozes, que a gente perceba que esse momento extremamente difícil para o mundo – e que mostrou a violência de um vírus e o egoísmo de muita gente sobre como agir durante a quarentena imposta – foi também um momento de parar, respirar e reajustar o foco em relação ao que, de fato, foi prioridade. A lidar com frustrações e amadurecimento. Eu ainda estou trabalhando nesses dois últimos pontos e os depoimentos do Janelas me fazem pensar: calma, Eduardo. Você está fazendo tudo certo. Fique tranquilo.”