Maria Jaqueline de Grammont *
O título de uma reportagem do “The Intercet Brasil” poderia ser a frase que caracteriza melhor o projeto de escolas cívico-militar. Segundo esse título “O Brasil não combate a pobreza, nosso país combate o pobre”. E é nessa premissa que se sustenta esse projeto, que não visa melhorar a educação pública e suas condições, seu único objetivo e ação prática é colocar um militar a frente das instituições de ensino que atendem as classes populares. Esse militar, sem formação específica na área pedagógica, vai usar sua expertise militar para conter a população mais pobre e qualquer indignação ou revolta que possa vir dela diante da retirada cada vez mais acirra e cruel de seus direitos e condições de vida digna.
Esse projeto vende a ilusão de que as escolas públicas das periferias terão o mesmo investimento e a mesma qualidade das escolas militares. Mas isso não é verdade e nem se pretende ser. As diferenças entre as escolas militares e as escolas cívico-militares são enormes, abissais. As escolas militares são mantidas pelo Ministério da Defesa, com estrutura e recursos semelhantes aos de universidades federais. Nem os IFETs, Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnológia, que tiveram um grande investimento na última década receberam recursos com os das escolas militares. Para se ter uma ideia, o custo aluno anual é de R$ 19 mil nas escolas militares, R$ 16 mil nos IFETs e R$ 6 mil nas escolas regulares (dados de 2019). É importante observar também que, mesmo assim, são os IFETs que tem obtido melhor desempenho no ENEM, considerando o período anterior a pandemia.
“Para se ter uma ideia, o custo aluno anual é de R$ 19 mil nas escolas militares, R$ 16 mil nos IFETs e R$ 6 mil nas escolas regulares (dados de 2019). É importante observar também que, mesmo assim, são os IFETs que tem obtido melhor desempenho no ENEM, considerando o período anterior a pandemia”
Outra ilusão é a de que as escolas cívico-militares terão mais recursos financeiros. Outra falácia. O projeto prevê que recursos do Ministério da Educação sejam realocados no Ministério da defesa para pagamento dos militares. Essa é uma forma de burlar a constituição e utilizar os recursos constitucionalmente destinados a educação pública para outros fins que não os que realmente importam para uma educação de qualidade. Para uma educação de qualidade esses recursos deveriam ser destinados, no mínimo, aos incentivos para a atuação e formação pedagógico profissional dos professores, como concursos públicos, salários dignos, planos de carreira, além de investimentos em infraestrutura e equipamentos adequados.
O que temos na rede pública é exatamente o contrário. Temos professores concursados suplicando uma vaga de designados a cada início de ano, porque nem a garantia constitucional do concurso público está sendo garantida pelo Estado. Um militar na escola não vai melhorar essas condições, pelo contrario. A única mudança prevista é que as escolas regulares terão um militar sem formação pedagógica, ganhando mais do que qualquer profissional da escola, pagos pelo MEC, a frente de suas decisões político pedagógicas.
É preciso compreender que a padronização e a disciplina que são características da cultura militar para formar soldados que saibam receber ordens sem questionamento são incompatíveis com o pluralismo de idéias e a valorização das diferenças que devem caracterizar a escola na formação de alunos com competência, autônomos e críticos.
Possivelmente, por isso, que esse projeto não está colocado para as escolas privadas.
A escola cívico-militar parte de uma concepção que criminaliza a infância e a adolescência das classes populares e não as vê como vítimas de um sistema de desigualdade cruel e violento, muitas vezes promovido pelo próprio Estado, que não provê os direitos básicos necessários a uma vida digna, dos quais as famílias desses estudantes são historicamente privadas (Arroyo).
A escola cívico-militar traz falsas expectativas para a família e a comunidade e é, sem dúvida, um grande retrocesso em relação à constituição cidadã de 1988. Temos que analisar e repudiar essa interferência militar na educação. O que queremos é que todas as escolas tenham os mesmos investimentos que têm as escolas militares, mas para isso precisamos rever os projetos e emendas constitucionais que têm tirado os recursos da educação. Tira-se de um lado o orçamento constitucional e seguro, para prometer migalhas, travestidas de emendas parlamentares, do outro. Essa é a prática dos políticos que votam pela retirada de recursos da educação e, ao mesmo tempo, defendem e apóiam a implantação das escolas cívico-militares. As duas ações são faces da mesma moeda de um país que combate os pobres e não a pobreza.
“Tira-se de um lado o orçamento constitucional e seguro, para prometer migalhas, travestidas de emendas parlamentares, do outro. Essa é a prática dos políticos que votam pela retirada de recursos da educação e, ao mesmo tempo, defendem e apóiam a implantação das escolas cívico-militares. As duas ações são faces da mesma moeda de um país que combate os pobres e não a pobreza”
* Pedagoga, mestre e doutora em Educação
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