Carol Rodrigues
Notícias Gerais
“Quando o trabalho e o sonho se juntam, até o milagre é possível”. Esta é uma das frases marcantes de Regina Bertola, fundadora do Ponto de Partida. Com muita história, garra, paixão e beleza, a companhia de teatro completa 40 anos em 2020. O grupo barbacenense de fama internacional exalta a cultura brasileira em suas produções e mostra, acima de tudo, o amor pela arte e pelas raízes.
Nascido em 1980 nas terras de Barbacena, o Ponto de Partida é um grupo de teatro que, ao longo dos anos, conquistou fama nacional e internacional. Desde o início, o objetivo da companhia era nunca deixar de ter a cidade como sede e sim expandir de Barbacena para o mundo e fomentar a cultura na região.
Regina Bertola, Ivanée Bertola, Lourdes Araújo e Ana Alice Souza foram os principais fundadores da companhia, que surgiu a partir de um grupo ligado à Igreja, na época da ditadura militar. Com o objetivo de incentivar a produção cultural na cidade, os precursores começaram a se reunir, eles queriam ser um “ponto de partida” para a vida artística de Barbacena.
Surgiu, assim, o grupo Ponto de Partida. “Desde o início a gente tinha algumas coisas em mente, a primeira era que Barbacena ia ser sempre a nossa raiz, a gente nunca ia sair daqui. A segunda é que a gente queria contar a história do povo brasileiro, da nossa gente, da nossa história”, conta Fátima Jorge, que já faz parte da companhia há 34 anos.
Com essa forte meta de falar sobre o Brasil, o Ponto de Partida decidiu que só montaria obras de autores brasileiros, como Jorge Amado, ou produções autorais. “A gente não quer ser cópia do que se faz nos grandes centros”, afirma Fátima Jorge. O grupo busca, acima de tudo, a brasilidade e a criatividade.
40 anos de muita história
Desde os anos 80 até 2020, o que não falta para contar sobre o Ponto de Partida são histórias. Histórias sobre as peças, sobre as pessoas, sobre amor, sobre beleza e também sobre a própria cidade.
Ainda nos anos iniciais do grupo, Ivanée Bertola, um dos fundadores, foi ao Rio de Janeiro com o intuito de convencer Sérgio Britto, importante ator, diretor e roteirista brasileiro, a ajudar na formação do Ponto de Partida. Ivanée assistiu a um espetáculo no qual ele atuava durante vários dias seguidos e, sempre ao término, ia até o camarim para tentar convencê-lo a ir a Barbacena.
Porém, o fundador sempre recebia negativas, “Ivanée era um incansável e cara de pau”, ri Fátima Jorge, ao relembrar da situação. Quando o roteirista finalmente concordou, a exigência era que Bertola o buscasse ao final da última apresentação e que viajassem direto para Barbacena. Ao chegar na cidade, de madrugada, Sérgio Britto queria que o Ponto de Partida se apresentasse.
“Ele achou que ninguém fosse querer, mas a gente se apresentou no (Colégio) Estadual, no frio, às quatro da manhã. Quando acabou, o Sérgio Britto estava de pé, chorando”. O grupo exibiu o espetáculo Drummond, baseado na obra do autor Carlos Drummond de Andrade. A partir daí, o roteirista aceitou dar sua contribuição para o grupo Ponto de Partida.
Sérgio Britto trouxe também um outro diretor consigo. “Ele falou que o espetáculo era muito ingênuo e que a gente não ia conseguir chegar no Rio com ele. A Regina retrucou e disse que quem queria chegar no Rio era ele, que o Ponto de Partida queria chegar em Paris”, relembra Fátima.
Quando, muitos anos depois, em 2006, o grupo realmente se apresentou em Paris com um musical, Fátima Jorge conta que relembrou, com emoção, este dia. “Naquela época a gente não fazia a menor ideia do que ia acontecer”.
Sérgio Britto trabalhava no Centro Cultural do Banco do Brasil no Rio de Janeiro e levou o Ponto de Partida para apresentar o espetáculo Drummond. Assim, o grupo começou a ser reconhecido pelo país e também fora dele.
Teatro como vocação
Fátima Jorge se juntou ao grupo Ponto de Partida em 1986 durante o espetáculo “Se essa rua fosse minha”, que conta a história de jovens desajustados. Como Fátima era assistente social, foi chamada para dar auxílio técnico à companhia.
Porém, logo foi se sentindo à vontade no ambiente e, incentivada por Regina Bertola, Fátima Jorge fez o teste para a atriz e passou na avaliação. “Eu falei para ela: ‘você é louca!”, relembra com humor.
Desde então, a então assistente social, nascida em Rodeiro, mudou-se para Barbacena, desistiu da profissão e passou a se dedicar ao teatro. Depois de muitos anos como atriz, Fátima Jorge deixou o palco e, agora, trabalha na produção executiva. “Eu costumo dizer que a gente é o colar que segura a pérola”, conta.
Ela relembra de uma situação marcante que aconteceu em 1999, ano da inauguração da estação Ponto de Partida. Para comemorar a abertura do espaço, o grupo decidiu fazer um grande festival para a cidade, com apresentações na rua.
No lugar onde seria montado o palco, porém, havia um poste de iluminação. “A Regina olhou pra mim e falou ‘se vira, tira o poste’”, conta Fátima Jorge, rindo. Depois de muita conversa com a prefeitura e o setor de Obras, a produtora conseguiu que a coluna fosse movida.
Antes da inauguração do espaço Ponto de Partida, o grupo se apresentava no teatro da Escola Estadual Professor Soares Ferreira, já que a cidade não conta com teatro municipal. Porém, o lugar não era totalmente adequado para receber espetáculos e precisava ser ajustado.
“A gente passava óleo em todas as cadeiras, porque elas ficavam fazendo ‘nheco, nheco, nheco’”, conta a profissional. Além disso, a companhia também precisava parar o trânsito na rua, já que o teatro não contava com isolamento acústico. “As pessoas vinham brigar com a gente porque estava atrapalhando e aí tínhamos que falar ‘eu sei, meu senhor, me desculpa, mas é por uma boa causa’”, lembra.
A vaquinha Lelé em Luanda
Muitas experiências marcaram a carreira de Fátima Jorge no Ponto de Partida, porém, ela relembra uma em especial. Em 1990, o grupo dá início à carreira internacional e se apresenta na em Angola, na África.
O Ponto de Partida foi convidado para um festival de cultura do país, se apresentando na reinauguração do Teatro Avenida, na capital, Luanda, com o espetáculo infantil “A vaquinha Lelé”. Fátima Jorge ainda atuava como atriz e diz que esse momento foi um dos mais emocionantes da carreira.
“Quando eu dei minha primeira entrada no palco, quando eu olhei para a plateia, foi muito impactante. Vi aquele monte de carinhas me olhando, estava cheio mesmo, lotado”, relembra sobre a apresentação em Luanda.
O grupo havia sido chamado para se apresentar nas comemorações do Dia Nacional da Cultura. Angola estava no final de uma guerra civil, que começou com a independência de Portugal, e o país começava a se reestruturar. Além do espetáculo infantil, o Ponto de Partida também apresentou a obra “Travessia” nas ruas do país, simbolizando a primeira travessia de oceano da companhia.
Comemorações interrompidas
Com os 40 anos do Ponto de Partida, o grupo planejava algumas atividades para comemorar a data, mas que precisaram ser adiadas devido às orientações de distanciamento social por conta da pandemia do novo coronavírus.
Uma das ações era a remontagem do clássico espetáculo “Beco – a ópera do lixo”, que conta sobre mendigos que ficavam perto do apartamento de uma senhora apaixonada por musicais de Hollywood.
A obra seria apresentada no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, e contaria também com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Com a pandemia, os planos foram adiados.
Além disso, o espaço da companhia teatral em Barbacena também foi vítima de um incêndio na última semana. O fogo destruiu cerca de 500m2 de área verde, mas foi controlado rapidamente pelo Corpo de Bombeiros. Agora, o grupo planeja replantar a área quando a pandemia acabar.
A estação Ponto de Partida, na Sericícola, em Barbacena, também está fechada para visitação e as aulas da Bituca – Universidade de Música Brasileira – estão sendo online. “A gente pede a compreensão do público e vamos reabrir o espaço assim que der, porque ele não é nosso, é de todo mundo”, finaliza Fátima Jorge.