Início Cultura TIRADENTES, AS MEMÓRIAS E O CARNAVAL SEM FOLIA DE 2021

TIRADENTES, AS MEMÓRIAS E O CARNAVAL SEM FOLIA DE 2021

Luiz Cruz*

[…]
Eu não brinquei
Você também não brincou
Aquela fantasia que eu comprei
Ficou guardada e a sua também
Ficou pendurada
[…]
H. Silva / Paulo Sette

Tudo diferente! Será muito diferente no Carnaval de 2021, em consequência da pandemia da Covid-19. As ruas tricentenárias de Tiradentes não abrigarão os diversos blocos que arrastam multidões e fazem as marchinhas ecoarem pela Serra de São José. Um Carnaval atípico e que tem como meta principal manter o isolamento social e a preservação da vida.

Ao longo do século XX, o Carnaval de Tiradentes teve momentos de organização familiar e de improviso. Famílias se organizavam e montavam os blocos, que percorriam as ruas do centro antigo e as vezes chegavam até o Chafariz de São José para se refrescar e fazer um registro fotográfico.

Nas décadas de 1960 e 1970 os blocos do Aymorés Futebol Clube e do Grêmio Esportivo animaram a cidade e todos saíam para apreciar, aplaudir e ser invadido por alegria e orgulho do Carnaval de Tiradentes. Mas depois, os dois clubes acabaram se desestruturando e esqueceram os tempos carnavalescos.

Bloco no Chafariz de São José, década de 1930. Fotografia acervo do IHGT

Mesmo assim, algumas figuras saíam e faziam o bloco do eu sozinho, rompendo o silêncio das tardes do feriado carnavalesco prolongado; duas dessas figuras memoráveis foram o Culóia e o Chiquito. O animadíssimo Culóia criou muitos personagens e até o Boi do Culóia. Os meninos saíam para ver e brincar com o boi, no pacato Largo das Forras.

Chiquito foi uma figura e tanto na história do Carnaval de Tiradentes. Suas fantasias eram as mais rústicas, mas também as mais criativas. Afinal, quem foi esse personagem que tantas lembranças deixou? O nome dele era Francisco Benedito de França, filho de Dona Euzébia Maria Divino de Faria. Foi casado com Dona Conceição de Paiva França, com quem teve onze filhos. O casal viveu por longos anos na casa que pertencera a mãe de Chiquito, na Rua da Santíssima Trindade, onde agora é a casa do Zé Ruela e Maria Malta. Ele foi sapateiro, por algum tempo sua oficina funcionou onde atualmente está o Picolé do Amado. Com família numerosa, teve que enfrentar várias jornadas de trabalho, de servente de pedreiro, de pintor, ajudante geral.

Naqueles tempos era difícil ganhar dinheiro em Tiradentes e as jornadas eram pesadas. Apesar das dificuldades, Chiquito era um homem bom e feliz! Nos tempos de Carnaval, quando não existia dinheiro para se comprar fantasia, ele usava a criatividade. Chiquito era nota 10, a cada ano surpreendia com uma fantasia inusitada. Uma vez saiu com o corpo todo pintado de preto – era um “Preto Velho”; saiu de “Cigana”, com longas tranças de crina de cavalo e brincos enormes; enrolou-se em sacos de linhagem – era um índio; mais surpreendente foi quando apareceu no Largo das Forras fantasiado de “Bananeira”. Muitas das vezes, tudo que acontecia no Carnaval era o “Boi do Culoia” e o “Bloco do Eu Sozinho do Chiquito”. A fotografia do Chiquito fantasiado de “Bananeira foi feita por alguém da família Fonseca, que vive em Belo Horizonte. Sua filha, Nair França, que é figura presente em todos carnavais, cedeu essa curiosa imagem.

Na década de 1990, organizamos o primeiro Carnaval de Rua de Tiradentes, em palco montado na Rua da Praia, com a animação feita pela Banda Pakto, de São João del-Rei e som mecânico. A partir daí, a cada ano foi aumentando o número de foliões na cidade, vindo de vários estados. Rapidamente, chegou ao limite, com superlotação e violência. Por isso, teve que ser repensado e voltou o Carnaval de marchinhas e blocos. Nos últimos anos apareceram muitos blocos, alguns resgatados como “Os Abandonados” e “Reviver”, mas também os que já tinham história para contar, como “As Domésticas”, “Roma foi Pouco” e “Ver-te-Cana”.

Os blocos tradicionais ganharam força e surgiram mais, como “Os Beatões da Santíssima”, “Palhaçada”, “Unidos da Ponte” e outros, mas alguns também deixaram de desfilar, como o “Bloco da Lua”, “Bloco dos Caveiras”, “Bloco das Almas” e “Bloco dos Gatinhos”. O Carnaval tem uma dinâmica e o que coloca tudo na rua, é a animação da turma. O “Bloco das Domésticas” continua sendo o que mais atrai a participação dos tiradentinos; depois de cair na folia, muitos precisam enfrentar jornadas pesadas de trabalho para que toda infraestruturaturística funcione bem durante a festa momesca.

O “Bloco Palhaçada”, puxado por nossa queridíssima e eterna Professora de Língua Portuguesa, Dona Leonor Gomes, alegra a cidade e proporciona um bloco cheio de alegria e crianças, muitas crianças, que trazem jovialidade e graça para o Carnaval dessa cidade tão antiga. Um dos animadores do Palhaça, é o atual prefeito, Nilzio Barbasa, que vai a frente anunciando: “Hoje tem circo? Tem sim, senhor! Hoje tem palhaçada? Tem, sim senhor!” O bloco leva milhares de foliões por onde passa.

Roma sempre será pouca, comparada à alegria e descontração do bloco “Roma foi Pouco”, que atravessa a Rua Direita mais bonita do Brasil e chega ao Largo das Forras. Isso, só mesmo em nossa querida Tiradentes.

Em 2021, tudo será diferente, não teremos bateria, marchinha e nem blocos. Será um Carnaval diferente, quem sabe introspectivo, para repensar a VIDA e os tempos de isolamento social. Ouainda para poder refletir como o Brasil está em franco processo de desconstrução, onde poucos ricos se distanciam cada vez mais de milhões de miseráveis? Não tenha dúvida, Tiradentes, com seus encantos, seu harmonioso conjunto arquitetônico emoldurado pela imponente Serra de São José, pode lhe oferecer opções imperdíveis para esse período e especialmente no feriado momesco. Mesmo sem Carnaval oficial, venha conferir os inúmeros encantos de nossa amada terrinha, Tiradentes.

*Luiz Cruz nasceu e vive em Tiradentes, é professor

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