André Frigo
Notícias Gerais
Nossa São João del-Rei está mais vazia. Não somente porque o cidadão Claudionor Ferreira de Moura tenha partido sem que a gente pudesse se despedir. Claudionor leva com ele uma parte da história da nossa cidade.
Se vai, também, sua memória infalível que era testada sempre por um são-joanense que morava há muito tempo fora. O sujeito chegava na sua lanchonete perguntando: “Lembra de mim Claudionor?” E ele falava sem pestanejar: “Você é filho de ‘fulano’, seu nome é ‘tal’, lembro de você pequeno aqui tomando sorvete com seu pai”.
Claudionor foi caixeiro viajante, saindo de Prados com sua tropa de burros carregados de produtos feitos de coro que ia vendendo até Goiás. Essas viagens chegavam a durar seis meses. Na maioria das vezes dormindo ao relento, por outras abrigado em algum paiol de uma fazenda. Foi essa rotina que provavelmente lhe deu a força que tinha.
Durante décadas, desde 1956, ele abriu seu comércio pontualmente às 5:30 da manhã, independente se fazia muito frio ou estivesse chovendo. A figura de Claudionor percorrendo de bicicleta o trajeto da avenida Oito de Dezembro até a avenida Tiradentes era uma tradição.
Claudionor ultrapassou as medidas quantitativas da vida e se transformou em lenda. O número 608 da Avenida Tiradentes não era apenas um lanchonete. Era um ponto de encontro e era também a “embaixada” de Prados na cidade.
Era ali que as pessoas se reuniam para discutir a política local enquanto tomavam café. Também era o lugar onde todo pradense que vinha a São João passava para saldar o Claudionor e trocar dois dedos de prosa.
Em 1957, quando a estrada que ligava São João del-Rei a capital Belo Horizonte ainda era de terra, Claudionor começou a buscar os sorvetes da Kibon para vender em sua lanchonete. Ele foi o primeiro revendedor da marca na região.
As famílias adoraram a novidade na época. Eu me lembro de ficar aguado enquanto via serem servidos milk shakes, vacas pretas e outras iguarias. Os sorvetes, a simpatia do proprietário e as transformações que o país passaria a partir dessa época transformariam a lanchonete e o Claudionor em lendas.
Para entender essa lenda, basta lembrar que a pequena placa de propaganda da Kibon pendurada na marquise deu nome à aquela região. Gerações cresceram, viveram, fizeram história no “Kibon”. Essa seria a denominação de todo o quarteirão onde estava localizada a lanchonete. Isso nas décadas de 1960, 1970 e início da década de 1980. Nessa época era ali que todo mundo se encontrava, era onde se resistia a opressão, era onde se dizia não ao conservadorismo.
Claudionor recebia todos com seu sorriso, emoldurado pelo seu bigode branco. O café podia ser acompanhado por muçarela de bolinha, pelo famoso “tijucano”- que é o pão de queijo recheado com bolinho de feijão, empadinha ou cigarrete.
Ele tinha também os refrigerantes mais gelados. Porém, o melhor de tudo lá era pegar o café, um salgado, sentar no banco de madeira encostado na parede e ficar jogando conversa fora com ele. Confesso que cheguei várias vezes atrasado no serviço entretido com o bate-papo.
E a marca de sorvete que fez o nome da lanchonete e daquele região da cidade, também foi a responsável por umas das grandes tristezas da vida de Claudionor.
Ele narrou que um dia dois “engravatados” chegaram, se identificaram como representantes da Kibon e falaram que ele não seria mais revendedor da marca. Além disso, falaram que a famosa placa com o nome da empresa, que ficava pendurada na marquise, teria de ser retirada.
Claudionor não falou nada, buscou a escada no fundo da loja, colocou ao lado da placa, subiu munido de um martelo e quebrou toda a placa. Com certeza ele deveria ter sido poupado desse dissabor. A empresa deveria ter homenageado Claudionor, pelo que, mesmo sem saber, ele tinha feito pela marca de sorvetes. Em um mundo cheio de metas e números, algumas histórias têm que ser valorizadas.
Uma das últimas vezes que conversarmos ele estava sentado no banco, estrategicamente, colocado ao lado da lanchonete se esquentando no sol. Ao seu lado, estava o Pedro da Pastelaria Ok e ambos relembravam os tempos que começaram seus empreendimentos.
Claudionor entremeava histórias com seu sorriso cativante. A cidade tinha crescido, a rua estava mais movimentada, porém ficar sentado ali era como se o tempo tivesse parado numa época especial. Atrás do histórico balcão estava Paulinho, um dos seus cinco filhos, que assumiu seu lugar.
Sempre que eu passava em frente ao número 608 da avenida Tiradentes e via Claudionor sentado tomando seu sol, me sentia reconfortado. Eu sabia que era impossível, mas torcia de verdade para que ele fosse eterno.
Ele representava um dos melhores pedaços da nossa história. Era o representante de uma época que todos sentimos saudade. E Claudionor se foi… sem que a gente pudesse se despedir… sem que pudéssemos ter ouvido mais uma história… sem que pudéssemos saudá-lo como ele merecia.
Infelizmente, São João del-Rei está mais vazia.
Sua bênção, mestre Claudionor.
Parabéns André belo artigo, linda homenagem.
Nossa,que lindo.Sou sobrinha dele e me sinto honrada pela honenagem. obrigada .
Parabéns, André Frigo! Fui lendo, pensando no eterno Cláudio, como o chamávamos, e recordando nosso passado. Saudade eterna de tudo!!!!!
Linda homenagem!
Descanse em paz
Caro André,
Obrigada por fazer um texto tão fiel do sentimento que compartilhamos do Sr. Claudionor. Ele realmente faz parte da história de São João del-Rei e de nossas memórias afetivas. Esse legado permanecerá através do filho em quem celebraremos sempre sua presença. Abraço solidário a toda família.