Início Gerais Cotidiano “NINGUÉM ME EXPLICOU ATÉ AGORA DO QUE MINHA FILHA MORREU”, DIZ MÃE...

“NINGUÉM ME EXPLICOU ATÉ AGORA DO QUE MINHA FILHA MORREU”, DIZ MÃE DE FRANCIELE CARLA

Caso Franciele Carla
Caso Franciele Carla

Por Najla Passos
Da Editoria

A lavradora Vilma Trindade Silva, 45 anos, está inconsolável. Ela garante que nenhuma das dificuldades que já passou na vida se compara à dor de perder a filha Franciele Carla, 26 anos – a tiradentina que, diagnosticada com suspeita de Covid-19, lutou durante uma semana para conseguir atendimento médico adequado, mas acabou morrendo, na terça (7), quando finalmente conseguiu acesso a um leito na Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei.

“Eu não pude consolar minha filha nos seus últimos dias de vida. Não pude nem vê-la, nem me despedir dela. Não me deixaram nem mesmo levar uma roupa para ela ser enterrada com dignidade. Ela foi jogada no caixão como um cavalo, como um cachorro, e enterrada imediatamente. Ninguém merece passar por isso. É muita dor” desabafou a mãe, aos prantos, em entrevista ao Notícias Gerais.

Na última sexta (10), três dias depois da morte de Franciele Carla, as autoridades de saúde de Tiradentes e São João del-Rei divulgaram que o resultado do exame feito pela paciente para Covid-19 deu negativo. Por conta da repercussão da morte dela, a Fundação Ezequiel Dias (Funed), de Belo Horizonte, liberou o resultado mais rapidamente do que tem sido o comum.

Nenhuma autoridade pública avisou a Vilma, que havia acompanhado a filha de hospital em hospital, durante todo o tempo. Ela soube do resultado através do ex-marido, o pai de Franciele, que foi contatado pelo secretário de Saúde de Tiradentes, José Roberto dos Santos.

“Nem prefeito, nem secretário, nem médico…. ninguém nem me ligou para me avisar. Ninguém ligou para saber se eu precisava de alguma coisa. O secretário de Saúde preferiu avisar ao pai dela, que nem estava aqui com a gente e nem acompanhou o drama dela. Continuo sem saber do que a minha filha morreu”, afirma.

“Não me deixaram nem mesmo levar uma roupa para ela ser enterrada com dignidade. Ela foi jogada no caixão como um cavalo, como um cachorro, e enterrada imediatamente”

Sem respostas

Na sexta (10), a reportagem do Notícias Gerais entrou em contato com o secretário de Saúde de São João del-Rei, José Marcos Ferreira de Andrade, e com o secretário de Saúde de Tiradentes, José Roberto dos Santos, para confirmar o resultado do exame. Entretanto, nenhum deles informou a causa da morte da paciente.

A reportagem tentou contato também com a Santa Casa de Misericórdia, último local em que ela esteve internada, mas, em decorrência do feriado da Sexta-Feira Santa, o setor administrativo se encontrava fechado. Na portaria, a informação é que o setor só estaria aberto na segunda (13).

Na sexta (10), a Prefeitura de Tiradentes divulgou uma nota nas suas redes sociais dizendo que o resultado do exame da paciente deu negativo e afirmando que, no sábado (11), “todos os comprovantes do andamento do caso estarão, de forma esclarecedora, evidenciando a responsabilidade dos órgãos competentes de atendimento da saúde na região”. Até o momento, nada foi divulgado.

Imagem: Reprodução / Rede Social

Mulher trabalhadora

Vilma conta que sua filha era uma mulher muito trabalhadora. Às sextas, sábados e domingos, trabalhava durante o dia como charreteira, atendendo aos turistas que visitavam Tiradentes. Durante a noite, tocava o bar do qual era proprietária.

“Tinha dias que a Franciele fechava o bar depois das 3 horas da manhã”, contou a mãe, lembrando que, durante a semana, a filha ainda trabalhava na roça e cuidava dos cavalos. “Ela cortava capim, fazia o que fosse preciso”, ressaltou.

De acordo com sua mãe, Franciele também cuidava do filho, de apenas 10 anos, que agora a procura entre as estrelas do céu. O menino está na roça, com uma amiga da família, que ele considera como avó. “Ele me ligou perguntando porque não deram um remédio para a mãe dele, já que ela foi ao médico. Foi de cortar o coração”, contou Vilma, novamente aos prantos.

“Ele (o neto) me ligou perguntando porque não deram um remédio para a mãe dele, já que ela foi ao médico. Foi de cortar o coração”

Saúde abalada

Vilma conta que sua filha já vinha apresentando sinais de que sua saúde estava debilitada há algum tempo. Diabética, ela emagreceu em poucos meses quase 40 quilos. “Ela era uma moça forte, pesava 90 quilos, mas quando procurou o posto de saúde, no mês passado, me disse que pesou pouco mais de 50 quilos. Eu acho que era menos ainda. Ela estava muito magrinha e muito fraca”, relatou.

Segundo Vilma, a médica que atendeu Franciele no posto chegou a pedir que ela fizesse uma ultrassonografia. “Só que veio esta história de coronavírus e ela não conseguiu mais fazer o exame. Tudo foi fechado e ela teve que esperar”, acrescentou a mãe, dizendo que a filha continuava trabalhando, sem reclamar.

Franciele também era tabagista. “O médico da Santa Casa me mostrou a chapa do pulmão dela no dia em que minha filha morreu. Ele disse que o pulmão dela estava ruim porque ela fumava muito, mas eu não sabia disso. Se ela fumava muito, era escondido”, contou.

Luta por atendimento

De acordo com Vilma, a filha procurou o posto de saúde de Tiradentes no sábado (3), já se sentindo fraca. “Ela estava tossindo um pouco, mas falaram que a diabetes dela estava descontrolada e que ela estava com fraqueza. Deram um soro e a mandaram de volta para casa. Nem olharam o pulmão da minha filha”, comenta Vilma.

No domingo, Franciele voltou ao posto. E também na segunda e na terça. “Na terça, tinha um médico de plantão que eu não conheço, que falou que ela estava com coronavírus e já ligou para a Santa Casa de São João del-Rei, mas eles não aceitaram interna-la lá. Então ele a mandou para a UPA”, lembra a mãe, que discordou do diagnóstico. “Minha filha ficava muito em casa, não viajava e não estava atendendo turistas já há algum tempo, por conta da saúde”, explicou.

Na UPA, a filha ficou internada até a quinta, quando finalmente foi transferida para a Santa Casa. “Ela só foi transferida depois que estava entubada, já entre a vida e a morte, e por causa de uma ordem judicial. Neste tempo todo, só pude ver minha filha de longe, por um buraquinho. E depois que ela saiu da UPA, nem isso pude mais”, ressente-se a mãe.

Vilma afirma que, depois de saber que sua filha foi entubada, ficou desesperada e ligou para todas as pessoas que tinha contato. “Falei com vereadores, políticos, candidatos, conhecidos. Eu estava desesperada e sabia que ela precisava de uma vaga na UTI. Minha irmã ligou para o secretário e disse que, se ele não desse um jeito, ela iria contar tudo no Facebook. Ninguém nunca ameaçou ele de morte como ele diz em um áudio que circula por aí. Isso é um absurdo”, afirmou.

“Ela só foi transferida depois que estava entubada, já entre a vida e a morte, e por causa de uma ordem judicial. Neste tempo todo, só pude ver minha filha de longe, por um buraquinho. E depois que ela saiu da UPA, nem isso pude mais”

A vida sem Franciele

Vilma está contando com a ajuda dos parentes e amigos para cuidar dos cavalos de Franciele e tocar a vida. Ela não trabalha e tem passado por dias difíceis. Seu recado às autoridades públicas e para os médicos da rede pública é claro e certeiro: “Vocês precisam olhar mais para as pessoas, cuidar delas, dar a atenção que elas merecem, examinar direito, pedir os exames necessários. A pessoa que está doente tem que ser tratada com carinho”, ressaltou.

A mãe diz que ainda não se conforma com a perda da filha, que espera chegar na porta de casa. “Ela foi ao posto quatro dias seguidos. Ninguém a examinou direito. Ninguém olhou o pulmão dela. E depois foi aquela luta toda para conseguir uma vaga na UTI. Sem contar que os médicos diziam que ela tinha uma doença que não tinha. Porque não aceleraram o resultado do exame enquanto ela estava viva? Pelo menos eu poderia ter cuidado dela”, desabafou.

“Vocês precisam olhar mais para as pessoas, cuidar delas, dar a atenção que elas merecem, examinar direito, pedir os exames necessários. A pessoa que está doente tem que ser tratada com carinho”

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui