Por Altamiro Rocha*
O avanço do novo coronavírus, pelo Brasil e pelo mundo, vem deixando um triste rastro de vidas perdidas e prejuízos cada vez maiores. Assim como em tantas ocasiões, duas das nossas maiores dificuldades se evidenciam: planejar a superação do problema e identificar eventuais responsáveis pelo caos instalado. Ambas esbarram nas pessoas e grupos que sempre buscam manter o máximo de interesses pessoais protegidos, num momento em que tanto se clama para priorizarmos o que for coletivo, não apenas nossos próprios umbigos.
Apesar de precisarmos focar em nossa cidade, não temos como analisar a situação local desconectada da estadual, da nacional e, também, da mundial. Aqui, em Barbacena, tivemos as denúncias que acabaram por trazer a público que comandantes decidiram manter aulas presenciais na Epcar – mesmo com todos os alertas de risco e com professores civis se recusando a atuar –, o que resultou em ao menos 204 dos 507 alunos infectados (ainda não houve divulgação a respeito de testes do restante do efetivo, de aproximadamente mil pessoas).
Pelo Brasil (e pelo mundo), houve outros tantos episódios de trabalhadores obrigados a seguir em atividades que inevitavelmente envolviam aglomerações. A mineradora Vale seguiu com várias atividades do tipo e, assim como a Epcar, ajudou o vírus a se multiplicar. Em Santa Catarina, graças à atuação do Ministério Público, frigoríficos também verificaram que as suas proporções de funcionários infectados são muito maiores que a média na população.
seja da Epcar ou não; seja da Vale ou não; de algum frigorífico ou não, qualquer pessoa, no momento, com ou sem sintoma, é uma potencial transmissora do vírus. Pelo que se sabe até agora, todos devemos agir como se qualquer um de nós pudesse pegar o vírus e passar adiante.
Não se pode tratar da mesma forma trabalhadores que tenham ficado sem trabalho, donos/acionistas de grandes empresas e altos cargos do poder público ou militar. Precisamos sempre tentar descobrir quais são as motivações de cada um, em cada caso, para entender por que são tomadas tantas decisões prejudiciais à nossa vida em sociedade. Quais são os interesses individuais frequentemente colocados acima do bem comum?
Por um lado, temos os trabalhadores comuns basicamente tentando sobreviver, mesmo que, em alguns momentos, essas tentativas signifiquem colocar pessoas próximas em risco. Por outro, parte dos grandes empresários e dos detentores de altos cargos se mostra disposta a fazer o que for preciso em nome de dinheiro e poder, mesmo que isso signifique um custo de muitas vidas. A construção de forças capazes de superar esses egoísmos, para reverter o quadro atual, depende muito de conseguirmos entender cada vez melhor o problema a ser superado e, consequentemente, melhorarmos nossa capacidade de convencimento daqueles que continuam acreditando nas mais variadas falsidades que circulam pelas redes.
Os dados atuais sobre o novo vírus, em Barbacena, não compreendem apenas o número de positivos registrado até aqui e a falta de divulgação, pela prefeitura, da taxa de testagem entre os casos suspeitos. Além da possível grande quantidade de portadores assintomáticos do vírus, vemos nas ruas e na internet muitos casos preocupantes de pessoas que mostram considerável desconhecimento sobre o contágio, mesmo depois de mais de dois meses do início da quarentena.
Um exemplo disso decorre justamente dos preconceitos que alguns têm manifestado em relação ao efetivo da Epcar. Como resposta a hostilidades sem cabimento aparentemente sofridas por ao menos soldados, começou a correr, nas redes, uma narrativa de que quem testou negativo ou não foi testado, no quartel, não oferece risco. Ou seja, usam informações falsas para contrapor a injustiça dos ataques aos militares.
Cada agente publico ou instituição que se anula, aceita fazer pouco, ou mesmo esconde dados nesse combate, pega um pedaço da responsabilidade, tanto pelas mortes, quanto pelos impactos econômicos produzidos.
Ora, seja da Epcar ou não; seja da Vale ou não; de algum frigorífico ou não, qualquer pessoa, no momento, com ou sem sintoma, é uma potencial transmissora do vírus. Pelo que se sabe até agora, todos devemos agir como se qualquer um de nós pudesse pegar o vírus e passar adiante. O que explica, então, que em alguns países as orientações de prevenção tenham sido levadas tão a sério, enquanto, aqui, por exemplo, informações falsas circulem com tanta facilidade?
Um primeiro fator é sem dúvidas o discurso negacionista que se espalhou, tendo o próprio presidente da República como grande propagandista de se tratar apenas de uma “gripezinha”, que não acomete pessoas saudáveis e com “histórico de atleta”. Nessa onda, interessada em não se indispor com o alto escalão do governo, quantidade considerável de agentes públicos e de militares não deu a devida atenção ao problema. Uma pandemia como essa deveria exigir empenho generalizado e irrestrito no controle da proliferação do vírus, sem em hipótese alguma subestimar seu poder de estrago. Cada agente publico ou instituição que se anula, aceita fazer pouco, ou mesmo esconde dados nesse combate, pega um pedaço da responsabilidade, tanto pelas mortes, quanto pelos impactos econômicos produzidos.
Além disso, alguns setores do empresariado aderiram, de modo suicida, à mentalidade da “gripezinha”, tentando não parar seus negócios. Num cenário de Covid alastrada pela população, mesmo sem fechamentos de comércio e circulação, os impactos à economia seriam igualmente pesados e arrasariam diversos setores. Ajudar o novo vírus a se espalhar, convencendo parte do povo de que não havia risco real significativo, só fez (e ainda faz) atrasar a superação do problema.
Nossas formas de lidar com essa crise não podem continuar sendo tão obscuras. Os enlaces entre autoridades da Epcar, da Prefeitura e do empresariado barbacenense ilustram como determinados setores têm o poder de colaborar, num momento, para, no momento seguinte, atrapalhar o combate ao vírus, com decisões equivocadas e falta de informação. O problema é que transformar a maneira com que autoridades lidam com as mais variadas questões é algo que depende de muita pressão popular organizada – coisa que ainda estamos longe de ter. Governantes efetivamente preocupados e próximos do povo não cairão do céu. Ainda é tempo de vigiar, organizar insatisfações e cobrar ações, sem jamais endeusar e bajular quem quer que seja.
Enquanto não conseguirmos colocar em prática planos transparentes, entendidos e efetivados por todos, com os dados conhecidos à mostra, continuaremos com sérias dificuldades no controle da pandemia e, assim, várias vidas seguirão sendo perdidas e as rendas de diversos trabalhadores continuarão comprometidas. Nunca houve e jamais haverá saída milagrosa.
Enquanto não conseguirmos colocar em prática planos transparentes, entendidos e efetivados por todos, com os dados conhecidos à mostra, continuaremos com sérias dificuldades no controle da pandemia e, assim, várias vidas seguirão sendo perdidas e as rendas de diversos trabalhadores continuarão comprometidas. Nunca houve e jamais haverá saída milagrosa.
*Professor de Matemática na EPCAR desde 2010.
Os artigos publicados não refletem necessariamente a opinião do portal Notícias Gerais
Muito bom, professor e companheiro de luta, Altamiro, além da reflexão, o texto nos estimula a não continuarmos na passividade imposta através das ameaças constantes da Epcar. O texto atinge formadores de opinião, não atinge a classe social mais prejudicada pelas consequências econômicas da pandemia. Esta é uma tarefa urgente nossa.
O Sinasefe Nacional tem oferecido um programa solidário para que, minimamente, grupos organizados que estão impedidos de manter renda possam ter uma ajuda. No IF Barbacena há uma tentativa de identificar alguns desses grupos, pequenos agricultores, grupos teatrais e outros.
Gostaria de acrescentar ao seu texto que as aulas presenciais na Epcar continuaram com quatro professores civis, que não acataram as recomendações dos órgãos de saúde e se transformaram em possíveis agentes transmissores e espalhadores do coronavirus na sociedade barbacenense.
Fiz um comentário aqui e sumiu. P q?
A Epcar teve até o momento 202 alunos infectados. A descoberta de tantos casos de forma tão rápida se deve ao fato de os discentes terem sido testados a fim de serem liberados para um período de férias em suas casas.
Dos 202 alunos, 144 eram IGg positivo, ou seja, já haviam tido a doença e se curado sem ao menos desconfiarem disso. Os outros 86 alunos ainda com o vírus, somente 7 apresentavam sintomas semelhantes ao de um resfriado, os outros estavam assintomáticos. Nenhum precisou ser medicado até o momento.