Altamiro Rocha*
Uma das muitas tentativas de trazer à tona o que estava acontecendo no interior da Epcar enfim surtiu efeito (e tomara que não seja tarde demais). Soube-se, agora, que ainda em março pais de alunos acionaram o Conselho Tutelar, preocupados com o risco a que seus filhos estavam sendo expostos, e este efetuou denúncia ao Ministério Público Federal (MPF).
.
Ocorreu que determinada cadeia de comando na Aeronáutica, englobando ao menos Diretoria de Ensino (Direns) e Epcar, decidiu que não apenas os alunos não seriam liberados para se protegerem do coronavírus com suas famílias, mas também seguiriam normalmente as aulas presenciais. Em 18 de março, professores civis se reuniram e decidiram não continuar indo à escola, gerando pressão por suspensão das atividades. A partir de 23/3, houve suspensão das aulas por duas semanas, mas, para surpresa de muitos, foi imposto a 25 professores militares temporários retomar gradativamente as aulas presenciais em 6/4. Professores civis – bem como outros profissionais da educação na instituição – se posicionaram, então, pela realização das atividades pela internet, a exemplo de grande parte das escolas do país onde os alunos têm as condições demandadas. Infelizmente, o comando manteve sua posição e os civis assumiram apenas uma minoria de aulas online. Desse modo, mesmo que com alguns (insuficientes) cuidados, os alunos seguiram tendo algum tipo de contato, direto ou indireto, com docentes, instrutores, comandantes, pessoal de rancho etc.
.
A condução das providências, por parte de MPF e Conselho Tutelar, culminou em vistoria da Vigilância Sanitária, que observou um cenário completamente inapropriado para o momento (vide notícia do MPF). Os relatos do que se percebeu lá dentro pressionaram a Epcar a testar massivamente os alunos e começar a dar (homeopáticas) explicações. A conjuntura vai, aos poucos, se revelando, mesmo com todos os esforços para que não chegasse a grande público os erros que foram cometidos. Até o momento, sabe-se do grande número de positivos entre os alunos (aproximadamente 200), mas a Aeronáutica segue não dando informações significativas sobre testagem do restante do efetivo.
A conjuntura vai, aos poucos, se revelando, mesmo com todos os esforços para que não chegasse a grande público os erros que foram cometidos
Com a chegada gradativa das informações à imprensa, uma sequência de reportagens se fez e, assim, houve significativa repercussão nas redes. Uma parte da população começou a mostrar preocupação e, especialmente, uma (justa!) indignação com a escola, pois a multiplicação do vírus na Epcar representa grande risco para a cidade. Entretanto, um pedaço dessas manifestações revela terrível equívoco: trata o efetivo todo como igualmente responsável pela situação e, ainda, manifesta desprezo, repúdio, ou mesmo ódio para com alunos, praças, oficiais do “baixo clero” etc; age como se todas as aproximadamente 1500 pessoas ali presentes tivessem igual poder, decidindo colegiadamente construir o quadro de risco que se revelou na última semana. Não é preciso sequer pisar num quartel para saber que não é assim que a banda toca.
Destaco aqui a repercussão de um vídeo que fizeram da aglomeração de alunos jogando futebol, inicialmente postado em abril e ressuscitado agora. Quem conhece as instalações da escola e a rotina dos alunos, percebe imediatamente que, mesmo sem práticas daquele tipo, uma vez que infectasse um aluno, o vírus certamente se alastraria pelos outros. Os estudantes partilham alojamentos coletivos, com camas lado a lado, bem próximas; partilham sanitários, pias, chuveiros; respiram o mesmo ar em salas de aula; e por aí vai. Não há máscara ou qualquer medida que segure a infestação nessas condições (e, reitero, o MPF ainda mostrou falhas nas poucas medidas adotadas). Sinceramente, o jogo de futebol não significou mais risco de infecção, pois ele já era altíssimo pelos outros fatores.
Acontece que a exposição a esse quadro é algo que os alunos não tinham poder algum para evitar. Na verdade, lembro da última aula presencial com eles, em 16/3, em que a expectativa era pela liberação para que fossem ficar com suas famílias durante a pandemia. Em enorme parte, estavam em dia com os conhecimentos e, assim, mostravam entender os riscos de seguirem confinados. Se esses alunos tivessem alguma voz, certamente não teriam ficado em Barbacena.
Tirando os alunos, ainda há quase mil pessoas a se considerar. A lógica segue sendo a mesma: a que fatia desse grupo deve ser direcionada a indignação e a cobrança por responsabilização? Aos soldados? Aos praças? Aos servidores civis? Aos oficiais do “baixo clero”? Ou aos altos postos, em Barbacena e Brasília, que assinam as decisões? Algumas pessoas estão chegando ao absurdo de serem ásperas com militares de baixo posto da escola, um comportamento completamente sem sentido, inclusive por muitos deles terem tentado alertar o perigo, sem serem ouvidos.
Algumas pessoas estão chegando ao absurdo de serem ásperas com militares de baixo posto da escola, um comportamento completamente sem sentido, inclusive por muitos deles terem tentado alertar o perigo, sem serem ouvidos.
Desenvolver esse ponto, das responsabilidades, vai ficar para uma próxima ocasião. Por agora, há informação o bastante para apoiarmos, ao invés de rechaçarmos, o enorme pedaço da escola que foi, na verdade, vitimado por decisões equivocadíssimas, tomadas por alguns poucos alinhados ao trágico e negligente discurso presidencial. Em especial, não podemos em pesar sobre os alunos alguma culpa pela multiplicação do vírus. Eles não têm nenhuma responsabilidade nisso e ainda estão passando, justamente agora, após mais de dois meses de confinamento, pela terrível dor de perderem um dos seus, um aluno muito querido por todos, num acidente de carro no fim de semana. À turma Phoenix (3º ano), aos outros dois esquadrões e à enorme fração do efetivo que entendeu a gravidade da situação, defendendo o distanciamento, devemos toda nossa solidariedade. Não sejamos injustos!
* É professor de Matemática na Epcar desde 2010.
Os artigos publicados não refletem necessariamente a opinião do portal Notícias Gerais
.
Ainda há 90 alunos que foram impedidos de sair e ter férias como os outros alunos. Testaram positivo e foram impedidos mais uma vez de ter o devido isolamento domiciliar como fazem todos os brasileiros assintomáticos. Contrariam a doença por não poderem sair e agora estão presos novamente. Seus pais não conseguem tira -los de lá. Não há diálogo ou informações. Estão indignados tais pais. O jornal poderia ajudar nisso também…
Marcelo, seria uma irresponsabilidade da escola liberar os alunos agora, pois contaminariam seus parentes em casa. Quanto ao fato de os pais não conseguirem tirá-los de lá, pelo que sei, o pedido de desligamento do curso pode ser feito a qualquer momento, sem questionamentos ou restrições.