ÁUDIO REVELA COMO O PREFEITO NIVALDO COMPRA APOIO POLÍTICO

Redação
Notícias Gerais

Um áudio encaminhado ao Notícias Gerais por fonte anônima revela os bastidores da relação promíscua entre o Executivo e o Legislativo de São João del-Rei. Na gravação, o prefeito reeleito, Nivaldo Andrade (PSL), negocia o apoio político da vereadora eleita, Mara Nogueira Souto, a Mara Protetora de Animais (PSC), em troca de cargos políticos e verbas públicas. 

“Você vai ver. Você vai ver. Se junte com o prefeito que não vai faltar nada para você”, afirma ele, durante a reunião realizada na casa da mãe dele, em Santa Cruz de Minas, na última semana de novembro, em que ele recebeu a vereadora e sua futura chefe de gabinete, a candidata a vereadora derrotada pelo PSC, Zélia Santos.

A gravação é um raro flagrante da política do toma lá, dá cá que tanto revolta os brasileiros. Para conquistar o apoio de Mara, Nivaldo oferece cargos e obras públicas – que deveriam ser executadas de acordo com as demandas da população, e não por conchavos políticos. 

“Eu conheço quando a pessoa é do bem, eu falei com ela. Quando eu te vi eu reconheci. Eu tenho sete mandatos. Quando eu te vi, reconheci, tem uma aura boa”.

– Prefeito Nivaldo diz à Mara Protetora de Animais

As negociatas demonstram também um desvirtuamento da função clássica do Legislativo: ao invés de fiscalizar as ações da Prefeitura para evitar excessos e corrupções, vereadores apoiam qualquer coisa que o prefeito quiser, em troca de vantagens que podem viabilizar suas reeleições. 

Cabe ressaltar que, dos 13 vereadores que compõem a Câmara de São João del-Rei, nem todos participam do esquema. Em momentos diferentes da gravação, o prefeito afirma que conseguirá o apoio de oito deles; depois diz que chegará a nove. 

Ele não nomeia todos os que aceitam o esquema, mas cita alguns. Há casos, o próprio Nivaldo dá a entender que sua aposta não passa de especulação, como no caso do vereador eleito Rogério Bosco (PT). E cita outros dois que não aceitam se corromper: Lívia Guimarães (PT) e Fabiano Pinto (DEM). 

O toma lá, dá cá flagrado pela gravação

O toma lá, dá cá entre o prefeito e a vereadora Mara abarcam obras e serviços diversos. Apesar de ser vereadora de primeira viagem, ela parece muito segura de saber o quê e como negociar com o prefeito: sem subterfúgios, vai tecendo uma lista de reivindicações que  passam por obras diversas e até serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), que deveriam ser universais e, por isso, obedecerem a lista de acesso da população.

Algumas reivindicações, inclusive, se referem a serviços e obras de interesse da população são-joanense. O problema, nestes casos, é a forma como ela as conquista: à custa de sua participação em um esquema de barganha política que implica apoiar todas as decisões do Executivo, mesmo que elas signifiquem fechar os olhos para a corrupção e para o interesse público. 

– Nivaldo: “Não adianta, quem está na terra nunca mais esquece. (inaudível) Quem não tem uma rua que não tem asfalto, o que ele vai te pedir?”

– Mara: “Asfalto”. 

– Nivaldo: “E mais nada. É a primeira coisa. E isso você vai ter R$ 400 mil todo ano… Isso aí é R$ 2 milhões. O que é a Mara junto com o cachorro. Se você não tiver 2 mil votos na próxima eu mundo meu nome”. 

A vereadora eleita cobra do prefeito uma suposta verba tarimbada da educação, quer dizer, um recurso que deveria ser empregado nesta área, no valor de R$ 150 mil, para investir na sua causa prioritária: a compra de ração e medicamento para os animais. Alguém sugere que os recursos saiam do Setor de Zoonoses.

Mara Protetora de Animais pede também que o prefeito asfalte a estrada para Trindade, na Zona Rural do município. Ele afirma que a obra já está até licitada e que ela pode pegar para ela colher os frutos junto à comunidade. “Já podem pegar pra vocês a Trindade. Daqui 20 dias, 30 dias”, afirma ele.

O prefeito também promete adotar uma política sobre cachorros, recomendada por ela, que, segundo ele, irá render à própria Mara, nas próximas eleições, de 1500 a 2000 votos. 

Com a intenção de captar o voto das mulheres, é reivindicada ainda a aquisição de um mamógrafo para ser inaugurado em 8 de Março, Dia Internacional da Mulher. “Quanto custa um mamógrafo?”,  questiona Nivaldo. E ao ser informado que o preço gira em torno de R$ 100 mil, é categórico: “a gente dá um jeito”. 

Cargos para os protegidos

Mara pede, ao prefeito, cargos para acomodar seus apoiadores. A gravação mostra que, ao invés de usar os cargos políticos para contratar pessoas qualificadas a ajudarem a população da cidade, o prefeito Nivaldo os utiliza como moeda de troca por favores políticos. 

Ele oferece sete vagas à Mara, à escolha dela. Mas ela pede mais – inclusive, para seu contador, que ficará de fora do próprio gabinete na Câmara, já que optou por trabalhar só com mulheres. O prefeito negocia e pede a ela paciência. “Deixa esses sete e o primeiro que eu coloco depois de você é ele. Esses sete já entram comigo em janeiro”, rebate o prefeito, garantindo que este é um bom número. “Tem vereador que começou com sete, hoje está tem 20”, justifica.

O áudio revela que, em tempos de pandemia de Covid-19, quando o mundo se desdobra para enfrentar a doença, até as nomeações para a Secretaria de Saúde de São João del-Rei obedecem a negociatas políticas pouco republicanas. Quando Mara pergunta se o prefeito manterá no cargo o atual secretário de Saúde, José Marcos Ferreira de Andrade, Nivaldo diz que sim, mas que levará o candidato a vereador derrotado, René da Assistência Social (PRTB), para atuar como adjunto na pasta.

Esta é, inclusive, uma das grandes brigas por cargo na administração municipal: o vereador eleito Sargento Machado (PRTB) quer René na Saúde para apoiar Nivaldo no Legislativo, mas um outro tradicional apoiador do prefeito, o vereador reeleito Stefânio Pires (PSL), não aceita que o secretário atual, José Marcos, seja exonerado.

Mara quer mais: uma vaga no Conselho Municipal de Saúde, cujos membros, por Lei, devem ser eleitos democraticamente. “Ô Nivaldo, eles acham que você escolhe aleatoriamente, até mesmo dentro da Câmara, pessoas para fechar o Conselho. Não tem como você encaixar a gente no Conselho de Saúde, não? Eu acho que um representante do nosso gabinete no Conselho…”, pede Mara. “Não, eu ponho”, promete Nivaldo.

– Mara: “Porque a gente queria fazer parte do Conselho e isso faz com que a gente tenha mais chance de ter acesso a coisas. O que você acha?”

– Nivaldo: “Nós estamos juntos para o que der e vier”

Práticas criminosas

Para o advogado e presidente da Associação dos Movimentos Sociais, Moradores e Amigos de São João del-Rei (Ammas Del-rei), Rodrigo Picon, ao oferecer cargos públicos para os aliados da vereadora Mara, além de quilos de asfalto, em troca desta votar a seu favor na Câmara, o prefeito Nivaldo Andrade pode cometer crime de corrupção ativa, do artigo 333 do Código Penal e ato de improbidade administrativa.

“Crime de corrupção ativa porque ofereceu vantagem a funcionário público para este agir no exercício de sua função conforme seus interesses. Ato de improbidade administrativa porque, além de tratar o dinheiro público como se fosse seu, o prefeito usou de cargos comissionados como moeda de troca para que o Legislativo fique a seu favor”, esclarece ele.

O advogado avalia ainda que a vereadora Mara, se aceitar a proposta, também comete crime. No caso dela, de corrupção passiva, elencado no artigo 317 do Código Penal, pois aceitou vantagem dentro do exercício da função. Da mesma forma, pode incorrer em improbidade administrativa, ainda que não tenha sido empossada no cargo pelo qual foi eleita.

De acordo com ele, a corrupção ativa e passiva tem pena de 2 (dois) a 12 (doze) anos de reclusão e multa. O ato de improbidade administrativa faz perder o mandato, pagar multa e ficar afastado da vida pública até 8 (oito) anos da condenação final.

Os envolvidos

A reportagem do Notícias Gerais tentou ouvir os três principais interlocutores da conversa para esta reportagem: Nivaldo de Andrade, Mara protetora de Animais e Zélia. Todos eles se esquivaram de atender à solicitação do portal e, consequentemente, de prestar contas aos seus eleitores e à população de São João del-Rei.

Outros vereadores citados também foram ouvidos e suas versões serão publicadas em matéria posterior.

A reportagem do Notícias Gerais tentou contato com o prefeito Nivaldo por vários meios, incluindo ligação e mensagem no celular dele e do filho dele, o vereador reeleito, Weriton Andrade, a quem chegou a enviar o áudio que ele afirmava desconhecer.

A confirmação da entrevista foi encaminhada à diretora-executiva do portal, Najla Passos, na sexta (4), pela esposa do prefeito, a secretária de Assistência Social de São João del-Rei, Aline Gonçalves. A entrevista foi marcada para as 10h desta segunda (7).

No horário combinado, a reportagem insistiu na ligação, sem sucesso. Meia hora depois, Aline Gonçalves encaminhou mensagem dizendo que estava na estrada, sem sinal, e que avisaria quando ele pudesse atender à reportagem, o que não aconteceu até às 12h30 desta segunda (7).

Desde a última sexta (4), a reportagem do Notícias Gerais solicita entrevista à vereadora eleita Mara Protetora de Animais, também sem sucesso. Ela se esquiva de todas as ligações e mensagens via WhatsApp enviadas pela nossa reportagem.

Entretanto, ao jornalista Adriano Vianini, do portal Mais Vertentes, ela apresentou sua versão, em nota. Ela confirma que esteve em reunião com o prefeito, como outros vereadores também estiveram e garante que o conteúdo da conversa foi republicano. “Não fui pedir nada, e o que se ouve nessa conversa, que foi informal, foi que estaríamos trabalhando juntos para o bem de todos”, alega ela, em contraste com o que é ouvido no áudio.

Na nota, a vereadora se preocupa mais em questionar a legalidade da gravação e o porque do mesmo não ter sido feito com outros vereadores, ao invés de explicar as implicações legais e morais do toma lá, dá cá flagrado pelo áudio. “Enquanto eu subia e descia ladeiras em ruas difíceis, durante minha campanha, debaixo de um sol escaldante, batendo de porta em porta, honestamente, ninguém se preocupou comigo. Sinto que agora, eleita, com 609 votos, estou incomodando a tal ponto que, ilegalmente, gravaram minha reunião com intenção velada de me prejudicar. Por que somente minha conversa foi gravada e não aconteceu o mesmo que os outros que lá estavam”, justifica.

A vereadora confirma que é, sim, parceira do Executivo, mas garante que não é cúmplice: “Sou sim, parceira do executivo, mas nunca cúmplice. Dentro da Câmara não pode existir oponentes, uma vez que todos deveriam desejar o melhor para nossa São João del-Rei”.

A reportagem do Notícias Gerais também tentou contato com a assessora e futura chefe de gabinete de Mara, a candidata derrotada a vereadora pelo mesmo partido, Zélia Santos, que também não se dispôs a conceder entrevista ao portal.

O NG segue disponível a ouvir todos os citados.

* Colaboraram com esta reportagem: Ana Laura Queiroz, Arthur Raposo Gomes, Caroline Santos Teixeira, Kamila Amaral e Najla Passos