Por Douglas Caputo*
A disparatada entrevista da secretária Especial de Cultura do Governo Federal, Regina Duarte, ao programa “CNN 360º” na última quinta (7), além dos palavrões do guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, rendeu manifesto de repúdio assinado por 512 artistas contra a ex-viúva Porcina na última sexta (8). O texto é claro: “Ela não nos representa”.
Nomes como o de Miguel Falabella, Adriana Esteves, Marco Nanini, Rita Lee, Jorge Furtado e Daniel Filho estão na lista de assinaturas dos novos desafetos de Regina. Tudo por conta da sabatina televisiva que teve direito a “chilique”, minimização da Ditadura Militar e confronto com a atriz Maitê Proença.
Confronto que também virou piada em outra postagem de Carvalho, o guru. “Defendi a Regina Duarte contra a Maitê Proença, mas, uma como a outra, essas véia embonecada metida a intelequituar (sic) não há saco que aguente”, zombou em post também publicado na última sexta, em sua página oficial do Facebook.
A entrevista da secretária reiterou a completa falta de alinhamento das vozes governistas. Perguntada sobre o antagonismo que sofre de Carvalho, Regina respondeu com desdém, “li dois livros dele. Achei que ele falava muito palavrão. Não é comigo, não gosto”, descartou.
A falta de diálogo entre membros do governo ficou ainda mais evidente quando Regina comentou sobre a indicação do maestro Dante Mantovani para a Fundação Nacional de Artes (Funarte). “Até então, todas as nomeações eram comunicadas. Algumas eu tinha sugerido e outras, quando eu não tinha sugerido, elas vinham a mim”, garantiu.
Perdida no enredo rocambolesco do bolsonarismo, Regina supôs que estava fritando [sendo posta de lado] quando o nome de Mantovani apareceu ligado à Funarte. “Que loucura isso! Eu acho que ele [Bolsonaro] está me dispensando”.
A conversa telefônica com uma assessora sobre o maestro foi vazada pela revista Crusoé e reproduzida pela CNN. Mantovani havia sido nomeado na última terça (5), mas o ato foi tornado sem-efeito, horas depois, pelo ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto.
O desenlace entre Sergio Moro e Bolsonaro, mais um episódio de desalinhamento do governo, também trouxe outra encenação dramática de Regina durante a entrevista. “Eu fiquei profundamente triste. Tenho na minha sala uma foto dos dois, rindo um pro outro. Tenho outra foto também, na minha agenda, os dois num jogo de futebol. Muito triste, não tem outra palavra”, chorumelou a secretária.
“Ditabranda”
A expressão polêmica, publicada em editorial da Folha de S. Paulo em 2009, poderia fazer parte do vocabulário de Regina. Ao falar sobre o regime militar brasileiro, em tom ufanista, a secretária minimizou o período mais sombrio da política brasileira. “Eu vou ficar cobrando coisas que aconteceram nos anos 60, 70, 80? Gente, vamos pra frente”, enfatizou.
Imediatamente à declaração, a secretária começou a cantarolar o hino político-futebolístico da Copa de 1970, no México, a qual rendeu aos canarinhos o tricampeonato mundial e aos militares, a propaganda ufanista sobre o chamdo Milagre Econômico brasileiro. “‘Pra frente Brasil, salve a seleção!’ Não era bom cantar isso?”, perguntou Regina ao repórter Daniel Adjuto, que nasceu apenas em 1989.
Interrompida pelo jornalista, que enfatizou o grande número de mortes durante a Ditadura Militar, Regina minimizou o regime antidemocrático, assim como tem feito os seguidores de Bolsonaro, ele próprio, aliás, um defensor descarado do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador durante a Ditatura.
“Cara, desculpe! Eu vou falar uma coisa assim: na humanidade não para de morrer. Se você falar vida, do lado tem morte”, declarou a secretária. Ela ainda tentou pôr panos quentes no modelo ditatorial brasileiro ao compará-lo aos regimes nazifascistas europeus.
“Sempre houve tortura. Meu Deus do céu! Stalin? Quantas mortes? Hitler? Quantas mortes? Se a gente ficar trazendo mortos, arrastando esses cemitérios. Não quero arrastar cemitério de mortos nas minhas costas. Sou leve, estou viva. Por que olhar para trás? Não vive quem fica arrastando cordéis de caixões”, lamuriou a secretária.
As declarações de Regina mostram que ela, de fato, perdeu o posto de “namoradinha do Brasil”, já que expressa um antagonismo à luta da classe artística contra a Ditadura Militar. Bolsonaro fez escola e a queridinha dele, se durar nessa posição, repete o mesmo discurso execrável e insensível às causas sociais, especialmente a do seguimento artístico.
Completamente despreparada para o cargo, Regina parece desconhecer os significados dos movimentos culturais dentro de contextos opressores. “Eu acho essa coisa de esquerda, direita tão abaixo do patamar. A cultura não tem lado”, tentou argumentar. Talvez, alguma alma frankfurtiana tenha dó da pobre e psicografe uma carta sobre a interface entre cultura e política
Não por acaso os cordéis de caixões de Regina devem estar revirando com tamanha asneira, principalmente o de Aldir Blanc, morto pela Covid-19 no último dia 4. Junto a João Bosco, Blanc viu uma pátria nada gentil e nem um pouco maternal chorar pelos filhos que partiram num rabo de foguete, conforme se expressou na composição “O bêbado e a equilibrista”, mais conhecida na voz de Elis, a Pimentinha da MPB.
Regina Duarte. Com um sobrenome desses, deveria ter mais sensibilidade com a Cultura. Que o diga Maitê Proença. Para não ouvir a colega, a secretária tirou os fones de ouvido e girou-os no ar. Censura? Não! Esse peso Porcina não carrega, mas olha que Roque Santeiro pode voltar, uivando como um lobisomem, só para puxar o pé da ex-global. “Tô certo ou tô errado?”
Clique aqui para ver a entrevista na íntegra.
*É jornalista, mestre em Letras e professor de redação no curso SOU1000.