João V. Bessa*
Os teatros e as casas de espetáculos foram os primeiros estabelecimentos a fechar por causa da pandemia, e tudo indica que serão os últimos a reabrir. Sem aglomerações não há ensaios, nenhum espetáculo faz sentido sem o público. A realidade que se impôs desde que fomos orientados a ficar em casa é um desafio para quem compõe ou gere, por exemplo, uma companhia de teatro. Sem previsão de retorno às atividades, se aprofunda a delicada situação financeira em que se encontra toda a classe trabalhadora do país. Esta é a realidade no setor da cultura, como a coluna mostrou há um mês.
Por isso, grupos de Teatro, dança, circo e micro e pequenos (as) empreendedores (as) de Minas Gerais se manifestaram, nesta semana, em apoio à aprovação da Lei de Emergência Cultural. Autoria da deputada federal Benedita da Silva (PT/RJ), o PL 1075/20 propõe ações para o setor enquanto as medidas de isolamento ou quarentena estiverem vigentes. Como a prorrogação por um ano dos prazos para aplicação dos recursos federais em Cultura e da prestação de contas dos projetos já aprovados. A moratória de tributos para pequenos empreendimentos da área, com prazo de seis meses.
Para quem é trabalhador (a) informal ou presta serviços para o setor cultural, estipula-se o pagamento de um salário mínimo como compensação mensal de renda. O projeto foi apresentado na Câmara em 26/03, tramita em “regime de urgência”, mas ainda aguarda por votação no Plenário e pelo recebimento das Comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e de Finanças e Tributação (CFT). Leia AQUI o texto na íntegra.
Na visão de Pablo Bertola, gestor da Associação Cultural Ponto de Partida, a Cultura está em situação delicada, já que, por essência, aglutina pessoas. Nessas condições, o PL representa uma garantia das condições mínimas de sobrevivência e manutenção dos espaços físicos. “Para que, quando retornarem, estejam em condições para continuar gerando beleza, poesia, formação e reflexão para suas comunidades”.
A AC Ponto de Partida atua na cidade de Barbacena, tanto no Teatro quanto na Música, sendo responsável pela Bituca Universidade de Música Popular. Uma entidade sem fins lucrativos, não emprega nenhum (a) funcionário (a), mas conta com a contribuição de 360 pessoas, explica Pablo. Seus espetáculos envolvem, no mínimo 30 profissionais, sendo que o maior deles, “Ser Minas Tão Gerais” (estrelado por Milton Nascimento) conta com 60 artistas e 100 técnicos e assistentes. Neste ano, o grupo completa 40 anos de história e por isso tocava projetos importantes, que estão em suspensão.
Neste ano, o grupo PONTO DE PARTIDA, DE BARBACENA, completa 40 anos de história e por isso tocava projetos importantes, que estão em suspensão.
Grupos de Teatro do interior se mobilizam
No último dia 19 de maio, o Movimento de Espaços de Grupos de Teatro, Dança e Circo de MG, o M.E.T.A, divulgou uma carta aberta direcionada aos (às) parlamentares. Destacando a contribuição socioeconômica da arte, que emprega dezenas ou até centenas de pessoas em cada espetáculo, o coletivo argumenta que garantir a sobrevivência dos grupos artísticos é um investimento econômico necesário para a manutenção de empregos.
Ao todo, 531 entidades, Teatros e grupos artísticos de todo o país assinam o manifesto, dos quais 116 são do estado de Minas e seis da região do Campo das Vertentes. São eles: Teatro da Pedra (São João del-Rei), Espaço Fofocas (Barroso), Companhia de Inventos/Teatro Casa de Boneco (Tiradentes) Ponto de Partida, Bituca Universidade de Música Popular e Plataforma Rotunda (Barbacena). Nesta semana, a coluna conversou com representantes desses grupos a respeito do PL e também da importância da organizações de trabalhadores (as) em instâncias de representação coletiva.
“A lei emergencial nem precisaria de existir caso houvesse uma política coerente e contundente dos governos”
Nado Rohrmann, criador e diretor do Teatro Casa de Boneco
O criador e diretor do Teatro Casa de Boneco, Nado Rohrmann, reconhece a importância do PL para a manutenção dos espaços, mas pondera: “A lei emergencial nem precisaria de existir caso houvesse uma política coerente e contundente dos governos”. Tocado por duas pessoas, o grupo teve de cancelar palestras e 20 apresentações do Teatro de Marionetes, incluindo sua participação no Festival de Fotografia da cidade, que também foi cancelado.
A união dos (as) artistas e demais profissionais da área é imprescindível no momento, aponta Nado, “Certamente muitas vozes ecoam mais forte!”. Ele faz parte das Associações de Teatro de Bonecos do Estado de Minas Gerais e do Brasil, também da União Internacional de Marionetistas. O META, que originalmente reunia representantes de grupos de Teatro da capital mineira, expandiu-se para o interior no contexto da pandemia, aglutinando mais vozes.
“Nós temos o registro profissional do Ministério do Trabalho, nós somos profissionais. Mas aqui a gente não consegue sobreviver de bilheteria”.
Juninho Severo, diretor do Fofocas
Uma dessas vozes é a de Juninho Severo, diretor do Fofocas, de Barroso. Por atuar em uma cidade com 20 mil habitantes, o grupo se equilibra no desafio de gerir seus projetos, enquanto seus membros dependem de empregos fixos alheios à arte cênica. “Nós temos o registro profissional do Ministério do Trabalho, nós somos profissionais. Mas aqui a gente não consegue sobreviver de bilheteria”.
Os projetos de Arte e Educação realizados nas escolas locais são a principal fonte de remuneração do grupo composto por 18 pessoas: artistas, técnicos, produtor e bilheteiros. Enquanto as aulas estão suspensas, essa equipe está “teoricamente desempregada”, detalha o diretor. No momento, trabalham para adaptar um projeto aprovado na Lei Estadual de Incentivo à cultura ao meio digital. O grupo inaugurou um novo espaço físico em março, no dia 13, sendo forçado a suspender as atividades três dias depois. A primeira apresentação do ano aconteceria no dia 20.
Fundador do Teatro da Pedra, Juliano Pereira aponta que o PL tem o poder de garantir a existência desses grupos, que, através da Arte, contribuem para o fortalecimento da identidade e da cultural local: “A gente pode ter um desmonte completo dessa classe de trabalhadores. Quando acabar esse período, como volta, se permitirmos que seja desmontado?”. Ao mesmo tempo, ele “quebra a cabeça” para encontrar formas de atuar em meio à pandemia.
Para ele, é fundamental que artistas e grupos de Teatro do interior de unam neste momento para agir diante da delicada situação. Ele aponta que por “falta de visão”, a Cultura é deixada em último lugar nas prioridades dos orçamentos públicos, o que classifica como “um desatino completo”: “Artistas são muitos, vários, plurais, desde os famosos que fazem lives e continuam ganhando e concentrando o dinheiro da Cultura, mas há também artistas de circo que estão sem o mínimo do mínimo”.
“Artistas são muitos, vários, plurais, desde os famosos que fazem lives e continuam ganhando e concentrando o dinheiro da Cultura, mas há também artistas de circo que estão sem o mínimo do mínimo”.
Juliano Pereira, fundador do Teatro da Pedra
Na atual organização do poder executivo federal, os ministérios da Cultura e do Trabalho foram extintos. Cabe a você, leitor ou leitora, concluir até que ponto isso explica a realidade narrada por essa reportagem.
Se cuidem e cuidem de quem vocês amam, até a próxima!