André Frigo
Notícias Gerais
Tenho pensado em cachorros. Para ser mais específico nos cachorros que fizeram e fazem parte da minha vida. Não sei o motivo, mas dias desses acordei com o pensamento fixo na Laica, uma pastora alemã muito mansa. É o primeiro cão que eu tenho lembrança. Laica morava na serralheria da família do meu pai e era tão dócil que permitia que a gente até pegasse seus filhotes – quando mal tinham nascidos.
Certa vez, ela passou uns tempos em uma casa que moramos na Avenida Tiradentes. A casa tinha um grande quintal com um portão de madeira na lateral da casa que dava acesso a ele. Tinha também uma parte coberto onde eram guardados vários objetos de pouco uso. Em uma certa manhã o portão lateral amanheceu aberto, Laica tinha sumido, assim como vários objetos. Um ladrão havia entrado no quintal, feito a limpa e ela não havia dado um latido sequer. Fomos acha-la andando desorientada pelas ruas do centro. Morreu de velha, mas nunca perdeu a docilidade.
Quando mudamos para Brasília, meu pai ganhou o Tipy, que era um fox-terrier pequeno, preto com algumas manchas brancas e amarelas. Era tranquilo, gostava de crianças e era alucinado pelo meu pai.
Com poucos dias lá em casa, alguém deixou ele cair e por isso passou o resto da vida mancando da perna. Porém só mancava quando se sentia ameaçado por outro cão e saia correndo apoiado somente em três patas.
Quando voltamos para São João (del-Rei) ele veio junto. Não sei como, mas ele percebia quando era domingo. Talvez pela movimentação da casa, o certo é que ele ficava maluco porque era dia dele ir com meu pai para o América. Educado, não entrava dentro de casa em hipótese nenhuma. Até hoje tenho na memória o choro do meu pai quando nos contou que o Tipy tinha morrido vítima de pneumonia.
Quando meu filho mais velho fez sete anos pediu de presente um cachorro e ficou firme nesse propósito. Chegou a declarar que ele não queria nenhum presente se não fosse um cachorro.
Um dia passando por uma loja de produtos agrícolas vi um filhote minúsculo da raça pinscher, marrom com manchas brancas. Talvez pela cor, ganhou nome de Toddy. Apesar das características da raça, Toddy não era tão estressado, latia pouco e tinha paciência com crianças. Seu defeito era fugir da nossa casa e ir se abrigar na casa da minha sogra. Não era sempre, mas na maioria das vezes gostava de ficar vagando pela nossa rua ou se aventurava pelos terrenos do regimento 11 Bi. Foi numa dessas fugas para casa dos meus sogros que ele acabou atropelado. Foi um golpe duro para meus filhos ainda pequenos.
Quem chegou para nossa família em seguida foi o Bud, um fox paulistinha teimoso como uma mula. Mas como aprontou. Filhote, começou a roer tudo que encontrava pela frente, principalmente os pés dos móveis. Ensinaram que passar pimenta nesses locais faria ele desistir de roer. Era a cena mais engraçada, a gente passando pimenta nos móveis e ele lambendo logo em seguida. Desistimos.
De uma feita, comeu dois cheques que eu tinha recebido. Prejuízo de quase mil reais. Nesse dia, meus filhos o mantiveram escondido. Ele ficou famoso por cair do quarto andar do nosso prédio por duas vezes. Na segunda, quando foi ser examinado pela veterinária, tentou mordê-la. Ele não parecia desse planeta.
Bud viveu com a gente por quase 14 anos, chegou a ficar paralisado do pescoço para baixo e se recuperou após de um tratamento de acupuntura. Minha filha tinha verdadeira adoração por ele – que estava sempre junto quando ela estava em casa. Ela acabou eternizando o Bud em uma tatuagem no braço.
Porém a idade aliada a essa vida de quedas e atropelamentos começou a pesar. Chegou um ponto que ele não conseguia mais descer escadas para ir à rua e nem aceitava que fosse carregado. Desenvolveu artrose, um problema no coração e finalmente uma pneumonia. Resolvemos enterrá-lo na fazenda e minha filha o carregou no colo durante todo o trajeto, se despedindo e prestando sua última homenagem ao amigo de tanto tempo. E histórias.
Atualmente o cachorro que frequenta nossa casa é o Fred, um vira-lata amarelo, grande, desorientado e muito simpático. Meu filho o adotou em uma viagem, quando o encontrou numa parada para um lanche. Digo que frequenta porque ele fica hospedado aqui quando meu filho vem nos visitar.
E Fred em um apartamento é a mesma sensação que ter uma matilha na casa! Ele faz tanta festa quando chega alguém que até assusta. E se você entrar na nossa casa cinco vezes no mesmo dia ele fará festa como se fosse a primeira que estivesse te vendo. Tomou posse de um dos sofás, onde tira seus cochilos e se apoia para chegar na janela e latir para todo cachorro que passe na rua. Parece que tem uma fome eterna e uma carência maior ainda. Da gosto de ver como meu filho e ele são companheiros.
E revendo essas histórias fiquei pensando nas relações que perpassam nossas vidas. Nos desencontros que a modernidade vem provocando ou que vamos provocando. Penso nos protocolos e regras que nos conduzem, com a perda da simplicidade, do gostar sem motivo e sem maiores explicações. Penso nas amizades que duram uma vida inteira e outras que caem por terra por questões verbais. E penso nas pessoas que eu quero correr para o abraço quando o abraço for bento e não transmissor de uma doença. Esse momento vai chegar, só espero que não custe mais vidas do que já vem custando.