O Brasil voltou a bater recordes de mortes em um único dia, enquanto o país ainda discute as consequências da troca do ortopedista Luiz Henrique Mandetta (DEM) pelo oncologista Nelson Teich no comando do ministério da Saúde. Só nas últimas 24h, 217 brasileiros perderam a vida em decorrência do Covid-19, fazendo com que o número total de óbitos chegasse a 2.141. Mas não é isso o que domina os trends tópics e as hashtags.
Nas redes sociais e na imprensa, prossegue o balanço das perdas e ganhos relativos à troca, pendendo hora para um lado, hora para o outro, a depender das paixões que afloram nos corações envolvidos. Afinal, em tempos de terra plana e pós-verdades, fatos objetivos importam muito pouco. Cada um acredita no que quer, no que reforça suas convicções já pré-estabelecidas… até mesmo que o novo coronavírus é só uma “gripezinha”.
O agora ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM) surpreendeu ao conquistar a simpatia de um público em quem ninguém jamais apostaria: os progressistas. Filiado a uma das legendas mais conservadoras do vasto espectro partidário brasileiro, tem ficha corrida em ataques às políticas públicas destinadas aos mais pobres e à esquerda.
Em 2014, candidato à reeleição para uma vaga na Câmara Federal, Mandetta circulou por Mato Grosso do Sul, seu estado de origem, dependurado no então candidato à presidência da República, Aécio Neves (PSDB) – o mineiro que colocou a eleição presidencial sob suspeição depois que perdeu para a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT).
E por falar em Dilma, na condução do impeachment dela, Mandetta estava lá, como firme aliado do amigo Aécio Neves. E comemorou efusivamente o desfecho. Antes disso, já havia feito coro com aqueles que tentavam sabotar o Mais Médicos, o programa de cooperação que trouxe milhares de médicos cubanos para atender no rincões do país, dos quais os médicos brasileiros jamais se aproximaram.
No governo Temer, foi um dos articuladores da polêmica PEC do Teto dos Gastos Públicos, que retirou R$ 22,5 bilhões do Sistema Único de Saúde (SUS) nos últimos três anos, valor superior aos R$ 18,9 bilhões destinados ao Ministério da Saúde para combate à pandemia de Covid-19, este ano, em caráter emergencial.
Entretanto, em meio ao caos de desinformação e irresponsabilidade do governo Bolsonaro (sem partido), Mandetta conseguiu se destacar, cumprindo a receita mais previsível do bolo: seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de manter o isolamento social e adotar medidas de higiene simples, como lavar as mãos.
Parece pouco. E de fato o é. Mas quando o presidente do país não consegue captar a importância de atitudes tão básicas e comprovadamente eficazes em países que já enfrentam a pandemia há mais tempo, a coisa muda de figura. E Mandetta sai como herói até mesmo para a oposição à Bolsonaro.
“A demissão de Mandetta não passa de um acerto de contas por parte de um chefe que, no auge de sua mediocridade, não tolera um auxiliar se destacando mais do que ele”, afirmou o líder do PT na Câmara, Alessandro Molon (RJ).
“Não tenho identidade política e ideológica com o ministro. Falo em nome da necessidade básica daqueles que mais vão precisar, é uma questão republicana”, justificou o vice-líder do PSOL na Câmara, Marcelo Freixo (RJ).
Como disse alguém, em tempos de novo coronavírus e de terra plana, o mundo não dá voltas, capota!
Salve, salve!
Maravilha de texto. Retrato de um país para lá de surreal.