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GUIA CINÉFILO: QUENTIN TARANTINO

Lucas Maranhão *

O texto de hoje é especial para mim. Quentin Tarantino não é só o meu diretor favorito, como foi aquele que me transformou em uma pessoa completamente apaixonada pelo cinema. Acredito que isso seja mais comum em cinéfilos que cresceram com o cinema dos anos 1990 e 2000. Isso porque o diretor é a cara desse período. Nada no cinema representa mais a década de 90 – e diante – do que Tarantino.

Com um estilo inconfundível – violência gráfica, com diálogos alucinantes e repleto de referências ao próprio cinema-, Tarantino é um fruto do cinema norte-americano dos anos 70, blaxploitation, de faroeste e o cinema asiático – uma mistura heterogênea que, por algum motivo, não poderia ser mais adequada.

Aqui, discutiremos os seus nove filmes até agora lançados (ele pretende se aposentar após o décimo). Vamos analisar cada um deles, e, por isso,  não vamos perder nosso precioso tempo. Vamos direto aos filmes e assim o conheceremos através deles.

Cães de Aluguel

Antes de debutar com Cães de Aluguel (1992), Tarantino era um funcionário de locadora. Nunca havia frequentado uma escola formal de cinema, mas tinha a oportunidade de assistir a muito e muitos filmes. Se tornou uma enciclopédia no assunto, mas até então, precisava vender roteiros para conseguir pagar o aluguel. Foi então que escreveu o roteiro de um filme que se passava em apenas uma locação, o que faria o custo cair para poder produzi-lo.

Cães de Aluguel se passa quase que inteiramente dentro de um galpão, onde um grupo de criminosos se encontra depois que um plano para roubar uma joalheria vai por água abaixo. Sendo assim, o filme depende totalmente dos diálogos e roteiro afiadíssimo e das espetaculares atuações (de Harvey Keitel, Michael Madsen, Tim Roth e etc.). Tarantino já mostrava suas principais qualidades e abria as portas de Hollywood para seu cinema.

Pulp Fiction

Pulp Fiction (Tarantino, 1994)

Porém, ninguém esperava o que viria depois: Pulp Fiction (1994), o filme que Tarantino sempre quis dirigir, mas não tinha a oportunidade. O nome, como o próprio filme ressalta, é extraído dos antigos livros e revistas publicadas em papel barato. As publicações pulp acabaram criando sua própria identidade nas décadas de 50 e 60 por trazerem obras de autores que não tinham oportunidades em grandes editoras. O filme parece uma pulp fiction que ganhou vida. Uma novela suja e violenta sobre a criminalidade de Los Angeles.

O cineasta também afirmava outra importante característica na primeira fase de sua carreira: a narrativa não-linear. Ele desconstruía a linha do tempo de uma forma que em vez de confundir o espectador, agregava ao roteiro, aumentando a expectativa e tensões pelo desfecho.

Pulp Fiction também é conhecido por apresentar estrelas em ascensão (Samuel L. Jackson, Uma Thurman e Tim Roth) enquanto renascia a carreira de outras (John Travolta e Bruce Willis). A convergência de elementos fez de Pulp Fiction o filme mais influente dos anos 90. Não à toa faturou a Palma de Ouro, em Cannes, e o Oscar de Melhor Roteiro.

Jackie Brown

Nesta fase da carreira, Tarantino desenvolvia seu tom novelesco. Se Pulp Fiction já era claramente inspirado nas novelas pulp, seu próximo filme – Jackie Brown (1997) – seria a adaptação de um dos grandes escritores pulp norte-americanos, Elmore Leonard. Tarantino compartilhava com ele o interesse pelas histórias de crime e o talento para criar diálogos. A parceria não podia dar mais certo. O cineasta dá ao filme um forte tom blaxploitation (movimento do cinema norte-americano, das décadas de 60 e 70, que ainda vai ganhar seu próprio texto nesta coluna) e, para reforçar isso, convida Pam Grier para o papel principal, conhecida por estrelar Coffy(1973) e Foxy Brown(1974).

Kill Bill

Kill Bill – Vol I (Tarantino, 2003)

Depois de um blaxploitation, Tarantino se aprofundou ainda mais no cinema de gênero. Os filmes kung-fu, de Hong Kong, e os samurais, do Japão, sempre foram referenciados em sua carreira. A paixão dele pelo cinema de Hong Kong é tão grande que escreve um roteiro grande demais para caber em um filme só. Kill Bill – Vol I e II (2003 e 2004) é, definitivamente, uma das maiores obras do cineasta. Novamente, volta a trabalhar com Uma Thurman e com uma vasta gama de personagens que lhe permite trazer de volta seus fiéis atores (Michael Madsen e Samuel L. Jackson) e diversos outros asiáticos (como os japoneses Shin’ichi Chiba e Chiaki Kuriyama).

Kill Bill foi o mais fantasioso e alucinante de seus filmes, colocando fim à fase “não-linear” de sua carreira. Tarantino se preparava para evoluir sua arte. Antes disso, porém, embarcaria em um projeto menor: uma colaboração chamada Grindhouse.

À Prova de Morte

Depois do gigantes trabalho envolvendo Kill Bill, Quentin Tarantino se une ao seu amigo e diretor Robert Rodriguez para um projeto colaborativo de menor escala. Cada um criaria um filme B de terror, inspirado nas sessões-duplas de filmes trash conhecidas como Grindhouse, Enquanto Rodriguez realiza Planeta Terror (2007), Tarantino chama Kurt Russell para fazer À Prova de Morte (2007). Apesar de taxado como mais fraco filme do diretor, considero uma obra bem interessante. À Prova de Morte é um violento e sombrio terror, com uma reviravolta feminista e cenas de perseguição eletrizantes.

Bastardos Inglórios

O próximo filme representa seu amadurecimento total como realizador. Desde a cena inicial (uma das melhores de sua carreira) até o desfecho, Bastardos Inglórios (2009) é um primor técnico, principalmente de direção e montagem. Embarcando no universo dos filmes de guerra, Tarantino consegue inovar um gênero desgastado de maneiras inimagináveis. Ele introduz uma nova característica que se tornaria comum em seus próximos filmes: o revisionismo histórico.

Mergulhado na Segunda Guerra Mundial, Tarantino não se importa em criar uma obra historicamente correta – e bastante sangrenta. Como bom rebelde, seguir regras não é seu forte. Em vez disso, ele cria seu próprio universo, em que o desfecho lhe é mais interessante que a chata realidade. E nesse caso, também mais justo.

Django Livre

Django Livre (Tarantino, 2012)

Bastardos Inglórios havia se tornado seu maior sucesso comercial, mas superando todas as expectativas, seu próximo filme seria ainda maior. Continuando sua fase de revisionismo histórico, Django Livre (2012) é inspirado nos faroestes italianos (conhecidos como Westerns Spaghetti) e se passa no período da escravidão. Quando um negro escravizado chamado Django (Jamie Foxx) consegue se libertar das correntes, ele inicia uma saga de vingança para garantir a liberdade de sua esposa, Broomhilda (Kerry Washington). O filme ainda tem Leonardo DiCaprio em um momento inspirado, no primeiro papel vilanesco de sua carreira. Com Django Livre, Tarantino completa 20 anos de carreira com um filme que será lembrado por muitas décadas.

Os Oito Odiados

A paixão de Tarantino pelos faroestes (principalmente os italianos) é tão grande que ele não se conteve em fazer apenas um filme no gênero. Apesar de todos os seus filmes terem uma forte carga western, Django Livre e Os Oito Odiados (2015) são os filmes que a assumem como forma e estilo. Este é também o filme que mais se entrega às “tarantinices”, longo e recheado com as manias pelo qual ficou conhecido: diálogos incríveis, roteiro dividido em capítulos com um desenrolar surpreendente, personagens detestáveis ainda que cativantes e, é claro, violência. Além ter a trilha sonora inteiramente composta pelo “deus” Ennio Morricone.

Era Uma Vez… em Hollywood

Seu mais recente filme surgiria em meio a um tornado. Após as terríveis acusações de assédio sexual feitas contra seu produtor Harvey Weinstein, Tarantino decidiu por se distanciar totalmente do homem (ou melhor, predador) dono da Miramax e Weinstein Company, empresas responsáveis por financiar todos os seus filmes até então. Weinstein foi um dos homens mais poderosos de Hollywood a partir dos anos 90 e dentro do seu raio de influência podia criar e destruir carreiras, dentre elas a de Quentin Tarantino. As atitudes de Weinstein são imperdoáveis e, por isso, foi condenado a 23 anos de prisão.

Tarantino, então, decidiu se juntar à Sony Pictures. Era Uma Vez… em Hollywood (2019) mostra que, no que se refere à arte de fazer filmes, nada mudou para Tarantino. O filme teve um enorme desenlace e se tornou o segundo maior sucesso comercial de sua carreira (atrás apenas de Django Livre). Considero também que é o filme do diretor com as melhores atuações, um verdadeiro espetáculo estrelado pelo trio principal, Leonardo DiCaprio, Brad Pitt e Margot Robbie, além de um maravilhoso elenco de apoio: Kurt Russell, Al Pacino, Bruce Dern, Dakota Fanning, entre outros.

Faltando apenas um filme para a aposentadoria (algo que torcemos para que seja mentira, mesmo Tarantino reafirmando sempre que possível), o diretor/roteirista ainda não definiu seu próximo projeto. Não é um artista que trabalha com rapidez, costuma demorar entre 3 e 4 anos para lançar um novo filme. Em quase 30 anos de carreira ainda não chegou ao décimo filme, e, mesmo assim, sua filmografia é a mais importante do período, não só em Hollywood. Impossível não ver reflexos de seu trabalho no cinema europeu, sul-coreano, japonês (do século XX) e até brasileiro. Se eu gostaria de ver mais de seus filmes? Claro! Mas prefiro seguir aguardando, por saber que, quando este último for lançado, ele vai ter dado tudo de si.

  • É jornalista, designer e apaixonado por cinema.

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