Lucas Maranhão *
“Filmes são minha religião”. A frase de Martin Scorsese é a mais perfeita para definir a geração de cineastas estadunidenses que explodiu na década de 70. Conhecida como The Movie Brats – ou “os pirralhos do cinema”, em tradução livre -, essa nova geração surgia com ajuda do cinema independente, depois de uma mudança de impacto em Hollywood, o fim da era dos grandes estúdios. Mas o que tinha nesses artistas que faziam seus trabalhos tão distintos dos que existiam antes? A resposta tentaremos trazer neste texto, que será mais sobre a história do cinema do que uma análise cinematográfica, como de costume.
A primeira e mais importante resposta está relacionada à formação dos artistas. Voltando um pouco no tempo: a câmera foi inventada pelos irmãos Lumière no final do século XIX. Os inventores especializados na área fotográfica mal sabiam que estavam criando uma nova forma de arte. Seria outro francês, Georges Méliès, quem perceberia isso. Mèlies traria sua experiência no circo para aproximar a função do cineasta à de um ilusionista. A partir de então, diversos artistas enxergariam o valor do cinema como arte. Praticamente todos eles migrando de outras formas artísticas, principalmente do teatro.
Os movie brats foram os primeiros que se apaixonaram e se formaram como artistas (em âmbito acadêmico ou não) diretamente para o cinema. Podemos assim dizer que foi a primeira geração que falava o cinema como língua materna. Soma-se a isso a queda da era dos grandes estúdios, que fortaleceu o cenário independente e o enfraquecimento da figura do produtor, que aumentou a importância do diretor na produção cinematográfica.
Outro ponto importante é o momento histórico, como explica Peter Biskind, em seu livro intitulado “Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n’roll Salvou Hollywood”. Segundo o autor, a liberdade sexual e o uso de drogas durante a década de 60 gerou artistas ousados e inovadores. A imagem do diretor de cinema mudou, eles eram mais novos, excêntricos e cheios de barba. Os filmes aumentaram seu apelo pessoal, mas também conquistaram grande alcance comercial, definindo o conceito de blockbuster.
Abaixo, trataremos mais especificamente sobre cinco cineastas. Mais que isso: cinco amigos que eram a cara dos movie brats e sempre colaboraram uns com os outros. Obviamente que o período não se resume a eles: Stanley Kubrick, Terrence Mallick e Woody Allen também são exemplos, além de uma série de outros artistas envolvidos nas produções, como os roteiristas Paul Schrader e John Milius, o editor Walter Murch e a editora Marcia Lucas. Porém Coppola, De Palma, Scorsese, Lucas e Spielberg, sem dúvida, eram cineastas que definiram o cinema hollywoodiano do período.
Francis Ford Coppola, O Poderoso Chefão (1972)
A carreira de Coppola começou ainda durante a era dos grandes estúdios, mas ele nunca se deu bem nesse meio. Seu maior feito foi Patton, Herói ou Rebelde? (1970) como roteirista. Aliás, até hoje, o artista se considera mais um roteirista do que um diretor. Apesar de ser adaptado do livro de Mario Puzo, O Poderoso Chefão dependeu muito da visão cinematográfica de Coppola para se tornar um clássico.
E observe que não era fácil para um diretor iniciante, com uma visão nova, assumir um projeto desta proporção. A Paramount, que liderava a produção, preferia o italiano Sérgio Leone, que se recusou a aceitar o encargo. Coppola acabou assumindo por ser ítalo-americano, visto que os produtores queriam que o filme fosse tão italiano que “cheirasse a espaguete”. Mesmo assim a produção foi conturbada. Coppola se lembra que o estúdio não levava o filme tão à sério, não gostava da maneira com que o diretor filmava e nem do elenco que havia escolhido.
A história prova o quanto estavam errados. O filme se tornou um dos mais importantes do cinema hollywoodiano, com um de seus mais magníficos elencos, e faturou dezenas de Oscars. As portas da Nova Hollywood estavam definitivamente abertas.
Brian De Palma, Carrie, A Estranha (1976)
Os diretores da onda movie brats possuem outra característica específica. Sendo eles frutoS do próprio cinema mais do que de qualquer outra forma de arte, também são os primeiros a serem influenciados por outros cineastas mais antigos. Brian De Palma, nesse contexto, surge do cinema de Alfred Hitchcock. Seu primeiro filme de grandes proporções mostra isso precisamente: Carrie, A Estranha é um terror psicótico.
Adaptado de um livro de Stephen King, é um erro assumir que o filme já seria um sucesso simplesmente por nascer através de um escritor famoso. Neste momento, Stephen King não possuía a fama de hoje e o livro “Carrie” só viraria um best seller após o sucesso do filme. Apesar disso, a obra é a aposta de De Palma no meio dos sucessos comerciais.
O filme se tornou um sucesso de bilheteria ao apelar para um público mais juvenil, trazendo atores jovens como Sissy Spacek, no papel principal, e John Travolta, que começava sua jornada pela fama. Aliás, o terror sempre foi o gênero predileto dos adolescentes em busca de adrenalina e o filme soube transformar isso em lucro. Porém, a obra também foi um sucesso de crítica e isso se deve ao talento de Brian De Palma. A jovialidade de seu filme se traduzia em um estilo de direção dinâmico e, majoritariamente, visual – cheio de split-screens (tela dividida) e o criativo uso das cores.
Martin Scorsese, Taxi Driver (1976)
Se De Palma é fruto do cinema de Hitchcock, Martin Scorsese é fortemente inspirado pelo Neorrealismo Italiano (que já discutimos no primeiro texto desta coluna). Novaiorquino com fortes raízes italianas, Scorsese sempre esteve com um pé em Hollywood e outro no cinema europeu. As características do neorrealismo que aprendeu enquanto assistia aos filmes pela televisão com seus pais durante a infância estão presentes em diversos de seus filmes.
Taxi Driver é um filme controverso por mostrar a realidade de Nova York da década de 70 – uma cidade suja e dominada por criminalidade -, mergulhando na cabeça de um homem solitário que abraça a insanidade como única companheira. O roteiro de Paul Schrader é primoroso e a direção de Scorsese brutal e sinistramente realista.
Algum tempo depois do lançamento do filme, um homem tentou assassinar o então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, repetindo a ideia que Travis Bickle (Robert De Niro) tem no filme. Segundo o homem, seu motivo era a obsessão que tinha pela personagem de Jodie Foster. Uma mistura bizarramente insana de realidade e ficção.
George Lucas, Guerra nas Estrelas (1977)
Curiosamente, o diretor mais bem sucedido (pelo menos durante essa época) dos movie brats era também o menos talentoso. Os outros membros do grupo de amigos se reuniam para ajudar George Lucas a solucionar os problemas de Guerra nas Estrelas em seus estágios iniciais. Hoje os diretores se lembram que, após a primeira exibição de Star Wars fechada para o grupo, eles precisaram ser honestos e revelar o que realmente acharam sobre a obra. De Palma foi o mais incisivo: disse ter achado o filme confuso com todos aqueles robôs e espécies alienígenas. A partir dessa conversa, surgiu a ideia dos tradicionais prólogos com o texto flutuando pelo espaço, presente em todos os filmes da saga.
Atualmente, é até difícil analisar o filme sem pensar em toda a saga em que está envolvido. Porém, é importante lembrar que, antes de tudo, havia Guerra nas Estrelas, nada de “Episódio 4”, nada de “Uma Nova Esperança”, nada de “trilogia antiga”, simplesmente Guerra nas Estrelas. Um filme tão ousado que nem o próprio Lucas confiava em seu sucesso comercial. Um filme com tão poucos recursos que os cenários e cenografias eram produzidos com sucata. Mas, ainda assim, um filme que rodou o mundo (e quarteirões) dando origem à expressão blockbuster. Uma referência às filas dos cinemas, que, de tão grandes, estendiam-se por diversos quarteirões.
Steven Spielberg, Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977)
Spielberg se diferenciava dos outros movie brats por não possuir formação superior em cinema, mas isso não fazia dele um diretor limitado. Pelo contrário, é provavelmente o mais versátil entre eles. Depois de mostrar seu valor com o excelente Encurralado (1972), o diretor trabalhou em Tubarão (1975), um enorme sucesso. O filme bateu o recorde de bilheteria até aquele momento no Estados Unidos e o catapultou ao estrelato.
Depois disso, houve o convite para produzir a continuação do filme, além do remake de King Kong e o aguardado filme do Super-Homem. Ele recusou todos, porque tinha a ideia de produzir Contatos Imediatos de Terceiro Grau.
Contatos Imediatos, como é popularmente conhecido, é até hoje seu melhor filme (na minha humilde opinião). Centrado em uma pequena cidade dos Estados Unidos que tem seus primeiros contatos com viajantes do espaço, o filme é tocante e delicado, mesmo ao tratar de um tema tão sensacionalista.
Spielberg vinha desenvolvendo seu estilo cinematográfico que, aos poucos, começava a dominar toda Hollywood. Durante os anos 80 lançaria a série Indiana Jones (1981-1989), em parceria com George Lucas, e ET – O Extraterrestre (1981), outro grande sucesso. Hoje, é comum vermos afirmações de que não é um cineasta tão autoral quanto seus companheiros, o que é uma visão bastante simplista sobre sua carreira. Na verdade, seu cinema sempre foi muito pessoal e o enorme sucesso que conquistou fez com que seu estilo passasse a ser copiado Hollywood afora.
- É jornalista, designer e apaixonado por cinema.