Kamila Amaral
Notícias Gerais
Minas Gerais tem uma taxa de população de risco da Covid-19 com estudantes em casa maior que a média nacional. Esse fato preocupa, tanto especialistas em saúde quanto em educação, em vista da discussão sobre o retorno das atividades presenciais nas escolas mineiras.
Para a médica de família e comunidade, Tatiana Miranda, o perigo é maior para os idosos de baixa renda, especialmente as mulheres negras, uma vez que, nas classes mais populares, são as avós, muitas vezes, as cuidadoras das crianças enquanto os pais trabalham.
“Destaco o papel da avó, mais do que o papel do avô, o papel da mulher nessas famílias. E também a percepção racial, porque a população negra está mais exposta”, salienta a médica.
A visão tradicional que se tem do grupo familiar, composto por pai, mãe e de uma a três filhos, corresponde muito mais frequentemente só as famílias das classes mais altas. Nas famílias de renda mais baixa esse núcleo familiar conta com maior participação dos idosos e está mais vulnerável durante a pandemia, tanto pelo fechamento de escolas e creches quanto pela reformulação familiar causada pelas novas condições econômicas das famílias.
“Houve uma redução do convívio e o que vai fazer é privilegiar o contato com a nossa família. Então, mais uma vez os idosos vão estar sendo expostos aí a esse contágio aumentado”, ressalta a médica.
Flexibilizar e retroceder
A lógica que tem sido empregado em Minas Gerais para retomada das atividades econômicas tem sido de flexibilizar o comércio e retroceder se a contaminação por Covid-19 aumentar. Muito provavelmente, essa mesma lógica será utilizada para o retorno das atividades escolares presenciais.
“O retroceder é aumentar a mortalidade. Se você for considerar que a gente (o governo) só está pensando no número de casos, desse número de casos, desse montante, no mínimo 5% vão evoluir para quadro grave”, analisa Miranda.
Para ela, essa lógica do retroceder não ajuda nem a economia e tão pouco ajudará a educação. “A economia é feita por pessoas e não por questões monetárias. A crise econômica nacional já existia antes da Covid-19, a pandemia contribui com a piora no cenário, mas não é a única justificativa”, afirma.
Existem protocolos de biossegurança já prontos e outros sendo elaborados para as escolas que retornarem as aulas presenciais. No entanto, além da questão da falta de estrutura da maioria das escolas para seguir esses protocolos de segurança, existe a falha do governo de não educar a população sobre esses protocolos.
“De que adianta criar esses protocolos se as pessoas não vão compreendê-los? Quando você propõe um protocolo de educação e saúde, esse processo é visto só pela lógica da instituição”, critica a médica de família e comunidade.
A média afirma que os prejuízos de uma possível abertura das escolas vão além das questões de saúde e afeta também a formação das crianças e adolescentes, que estão sendo ensinadas desde cedo a lógica capitalista do “tempo é dinheiro” e do “a gente não pode parar”.
Miranda lembra que existem formas de aprender fora da escola, como cozinhando ou lendo um livro e contando a história a outras pessoas. “Esse imediatismo, para que as coisas retornem para uma normalidade que não existe mais, ele amputa de nós a capacidade de aprendermos outras formas de ensinar e aprender”, declara.
Os estudantes e os trabalhadores
A lojista Aline Ferreira, que mora com uma filha e uma neta de quatro anos, acredita que não é seguro voltar com as aulas presenciais por uma questão de dificuldade na conscientização das crianças.
“Pura e simplesmente por isso, você pode explicar e falar que tem o vírus, mas eles não entendem o perigo. Eu vejo quando a gente leva minha neta no mercado, ela mexe na máscara, mexe no nariz e coça os olhos”, conta.
Além dos estudantes que moram com pessoas do grupo risco existem também os profissionais da educação e seus familiares, que também seriam afetados pela volta das atividades escolares presenciais.
O diretor em afastamento do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), Daniel Gonzaga Miranda, lembra que está em vigor uma liminar do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que regulamenta o teletrabalho para os profissionais da área, mas impede que qualquer servidor tenha que realizar atividades presenciais.
“Cabe ao governo apresentar um plano de medidas, mas isso precisa ser debatido com os envolvidos. O que a gente sente do governo estadual é que não tem esse diálogo”, finaliza Miranda.