Rayane Késsia *
Yesterday is mystery —
Where it is Today?
While we shrewdly speculate
Flutter both away
Emily Dickinson
(Ontem é mistério —
Mas onde está o Hoje?
Mal especulamos
O tempo nos foge)
Tradução de Augusto de Campos
“O tempo nos foge”. Foi o que escreveu Emily Dickinson, em 1873. Imagino o que ela escreveria se vivenciasse 2020. O tempo foge e foge voando. Logo o ano acaba, e para onde ele foi? É uma sensação engraçada, porque eu não sinto que perdi um ano, eu sinto que na verdade eu nem tive um para poder perder. Às vezes um ano acaba e você olha para o passado pensando: “nossa eu não fiz nada, perdi um ano da minha vida”. Mas 2020 não é assim. Quando eu olho para trás só penso que nunca foi me dado um ano para perder, e bem, eu não posso perder uma coisa que eu nunca tive.
Se me pedissem para citar cinco coisas que fiz este ano eu teria dificuldade em alcançar a quinta, desde março eu vivo o mesmo mês. O tempo todo a minha volta as pessoas falam sobre o saldo negativo que o ano trouxe, mas para mim o saldo é nulo, porque é como se este ano nem existisse, como se estivéssemos todos presos nesse limbo temporal sem fim, apenas esperando sair de lá e voltar a viver normalmente.
O tempo todo a minha volta as pessoas falam sobre o saldo negativo que o ano trouxe, mas para mim o saldo é nulo, porque é como se este ano nem existisse, como se estivéssemos todos presos nesse limbo temporal sem fim, apenas esperando sair de lá e voltar a viver normalmente.
Ou pelo menos, do normal que teremos, o tal do “novo normal”, mas não gosto de chamar assim. Até porque, tudo que é novo causa algum estranhamento inicial, e como pode algo ser novo e normal ao mesmo tempo? Gosto de pensar apenas como “normal”, e que o estranho agora era o normal de antes, o “velho normal”.
E eu digo isso porque eu estava vendo um filme, um daqueles sobre natal e ano novo, e em uma das cenas do ano novo os personagens estavam naquela festa tradicional que sempre tem na Times Square em Nova York. Eu sempre achei aquela festa incrível, mas dessa vez o meu primeiro pensamento não foi sobre a beleza das luzes, o meu primeiro pensamento foi: “Quanta gente! Muito fácil de pegar coronavírus.” E eu não sei mais se um dia eu vou ver uma multidão apenas como uma multidão novamente. Mas enquanto o futuro indecifrável nos aguarda, vou apenas continuar vivendo meu limbo, um dia de cada vez.
* É estudante de Comunicação – Jornalismo da UFSJ e produziu este texto sob a orientação do professor Paulo Caetano para a disciplina Produção Textual.