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SÉRIE DE DOCUMENTÁRIOS CONTA A HISTÓRIA DO HEAVY METAL EM SÃO JOÃO DEL-REI

Primeiro show da Fogo Fátuo, em 1985, no Instituto Auxiliadora.
(Foto: Arquivo pessoal)

Wanderson Nascimento
Notícias Gerais

Uma série de documentários produzidos por personagens conhecidos no cenário do metal são-joanense vem sendo publicada em episódios, contando os 40 anos de história do estilo musical na cidade.

Entre 2008 e 2009, Igor Garcia foi vocalista da banda são-joanense “Sacrament”. Ao Notícias Gerais, ele conta como surgiu a iniciativa de se produzir os documentários: quando estava em sua cidade natal, Campo Belo, passando as festividades de fim de ano em 2020, ele recebeu uma mensagem do Leandro Silvestre, conhecido como João do Meio, que também foi vocalista da Sacrament, questionando se ele tinha algum material da banda da época em que Leandro a integrava.

“Com a nossa troca de mensagens de forma saudosista, um efeito dessa pandemia, fomos resgatando momentos bons e trocamos ideias sobre as bandas e a cena em São João e acabamos tendo a ideia quase que simultânea, de criar um grupo e gravar um documentário”, comenta.

Ele diz que, rapidamente, o grupo passou de 60 pessoas – que aderiram e gostaram muito da ideia. Com isso, criaram um grupo separado da organização e “surgiu o Ricardo Santos”, considerado uma peça fundamental para dar início à produção, com seu estúdio e equipamentos.

O nascimento do metal em São João del-Rei

Banda Del Rock (Banda do Diabo), em 1984. Pinguela (guitarra) e Cláudio (baixo). Foto: Arquivo pessoal

Clayton, ex-integrante da banda Fogo Fátuo, uma das mais antigas de São João del-Rei, afirma que a cena do metal na cidade começou em 1981 e o fato marcante para esse start foi quando a banda Queen, liderada pelo ícone Freddie Mercury, veio ao Brasil e fez um show “magistral” – porém, Clayton não participou.

“Aquilo me impressionou muito. Eu era um garotinho que ouvia rock desde pequeno, porque minha irmã mais velha era roqueira inveterada e é até hoje. Eu cresci ouvindo Led Zeppelin, Deep Purple, Pink Floyd em casa”, relembra.

Dois anos depois, em 1983, teve um show da banda Kiss, no Mineirão, em Belo Horizonte, e nesse Clayton estava presente. “Foi uma coisa sensacional! Quando eu vi ali fogos, fumaça, parede de ‘Marshal”, bateria não praticável girando, canhão, eu falei: É isso que eu quero pra minha vida, eu tenho que tocar em alguma banda”, pontua.

O show impulsionou muitas pessoas em São João del-Rei e, concomitante ao show da Kiss, já surgiu a “Banda do Diabo”, composta pelos músicos Cláudio Enfermeiro no vocal, Pinguela na guitarra, Teté no contrabaixo e Led na bateria. A banda fez shows até fora da cidade, e, em 1984, quando foi fazer um show no Ginásio Santo Antônio, por São João del-Rei ser uma cidade muito católica, preferiram não divulgar como “Banda do Diabo” e colocaram “Del Rock”.

“Eu fui e saí de lá completamente impressionado”, cita. Posteriormente, o Pinguela se mudou da cidade e a banda foi encerrada. A partir daí, Clayton entrou em seu lugar e surgiu a banda “Fogo Fátuo”, em 21 de janeiro de 1985, como ele conta no primeiro episódio da série.

A banda tocava rock’n roll dos anos 70 e 80; músicas de grupos como AC/DC, Scorpions, Iron Maiden, Deep Purple, Ramones, Led Zeppelin; além de músicas próprias.

A primeira apresentação da Fogo Fátuo foi no Instituto Auxiliadora, em outubro de 1985, quando a banda subiu ao palco pela 1ª vez. Foi uma apresentação curta, mas que abriu as portas para que a banda fosse em frente e mostrasse o seu trabalho. Logo depois, a banda foi aumentando o repertório, investindo em composições próprias, até que começaram a surgir os convites para tocar nos clubes locais e em cidades vizinhas. O público que comparecia nos shows, demonstrava uma grande receptividade ao trabalho.

Cartaz da edição de 1988 do evento Del Rock. Imagem: Arquivo pessoal

Vocação musical da cidade

Outro organizador e produtor do doc é Dimas Peçanha, que fala sobre a vocação cultural e musical de São João del-Rei – que, de acordo com ele, é uma cidade rica em cultura e música e outros.

“O conservatório de música tem um papel muito importante no cenário musical de nossa cidade – não só entre outros estilos que ali são ensinados, mas principalmente no metal, pois foi ali que muita gente boa, que toca muito, aprendeu os primeiros passos”

– indica Dimas Peçanha, que é egresso da instituição.

“Tivemos lá (no Conservatório) um dos maiores guitarrista o professor Luciano (falecido), que tinha uma quantidade boa de alunos, que aprenderam com ele muita coisa boa, muitas aulas de guitarra e hoje são verdadeiros músicos em nossa cidade”, exemplica. “Tem o professor Adriano, de bateria e percussão: outro que também fez e faz a história do rock pesado ser tão conhecida”, completa, Dimas.

Ele destaca a contribuição da criação do curso de Música na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) para o cenário do metal. “Sobre a faculdade, esta veio para acrescentar e aprimorar mais o conhecimento dos alunos, levando-os ao profissionalismo e desempenho em performance em concertos e apresentações”, avalia.

Cena underground e evolução do metal

O músico e produtor Ricardo Santos, um dos envolvidos no documentário, aponta que o cenário underground no metal de São João del-Rei foi se enraizando com o passar tempo. Por underground, entende-se aquele estilo que busca sua própria identidade, sem preocupação em seguir padrões comerciais, ou com o que “está na moda”.

No início, nos anos 1980, a maioria das bandas só tocavam covers, com poucas composições autorais. “Acho que só a ‘Fogo Fátuo’ compunha. A Stereonato não compunha, a ‘Banda do Diabo’ não compunha. Ao final dos anos 80, a ‘Serviço Secreto’ também tinha seu trabalho autoral. A partir de então, começam as vir as bandas dos anos 90, que compunham, como a ‘Noz Moscada'”, expõe.

De acordo com Ricardo, o “boom” ocorreu no final dos anos 1990 e anos 2000, quando as bandas começaram a pensar na música própria e tentar inserir as próprias composições no cenário. No entanto, ele pontua que o próprio mercado promove uma seleção, uma vez que os contratantes preferem bandas que tocam apenas covers de bandas famosas, não prestigiando muito o trabalho autoral.

Gildo, um dos personagens mais conhecidos do cenário heavy metal são-joanense, defende que o metal tem o underground na sua essência e está retomando essa tendência.

“Já vemos poucas bandas de lotar estádios, mais bandas menores. As bandas de São João del-Rei sempre foram underground e vão continuar. A cidade é carente de espaço para as bandas tocarem, mas não é por falta de bandas, nem de músicos de qualidade”, sinaliza.

Um dos shows da banda “Mundão”, em data não especificada. Foto: Arquivo pessoal

O produtor também comenta sobre a evolução do metal são-joanense, enumerando as dificuldades que havia no início, em relação a equipamentos e som: “o pessoal dos anos 80 tirava leite de pedra, fazia milagre tocando nos equipamentos e sons que existiam, muitas vezes produzindo equipamentos artesanais e com instrumentos de baixa qualidade. Com a evolução dos equipamentos, veio a evolução dos músicos”.

A modernização das tecnologias e o advento da internet também facilitaram a vida dos músicos, que puderam ter mais oportunidades de aprender de forma mais rápida e eficiente, de acordo com Ricardo.

“Eu vivi os anos 90, a gente tirava as músicas e achava que tocava. Nos anos 80 era complicado de tocar, mas o pessoal fez muito bem feito. Apesar das gravações toscas, a musicalidade e a vibe deles, era muito legal. Nos anos 90, facilitou um pouco, e, a partir dos anos 2000 vem o boom das bandas e estilos com essa maior facilidade”, narra.

Com esse crescimento do estilo na cidade, foram-se multiplicando os músicos e as bandas. Ricardo finaliza destacando a importância de se manter viva a cena do heavy metal na cidade e região.

“Nós, que somos mais da velha guarda precisamos continuar tocando e fortalecendo, e que a jovem guarda venha com força total, dando esse apoio para quem começou tudo lá atrás e passou os ‘perrengues’. É não deixar a cena morrer!”.

Igor Garcia aponta que o metal no Brasil foi e é o refúgio dos que se sentem diferentes, e encontram nessa música seus iguais. “Em São João del Rei não é diferente, um sentimento de irmandade e pertencimento é o que nos junta e nos fortalece. A música como centro e elemento mais importante nos difere dos demais públicos. Somos mais que público, somos um movimento, uma resistência, um estilo de vida”, declara.

De acordo com ele, não há estilo de música que motiva a superação como o metal, nem que faz um jovem tatuar em seu peito a banda favorita. “Desconheço força musical maior que o metal. O futuro é o que queremos fomentar com esse documentário, mostrando o que se fez, apesar das dificuldades, em prol da música pesada, iluminando o palco pra aqueles ainda por vir, e tenham certeza, virão. Tudo passa, contudo o metal permanece”, finaliza.

Bandas de metal da cidade

Abaixo, segue uma relação das bandas de metal de São João del-Rei, fornecida ao NG pela produção dos documentários, com seu respectivo ano de fundação, mostrando o notável crescimento do cenário do rock na cidade após o ano 2000.

  • 1983 – Banda do Diabo
  • 1984 – Del Rock
  • 1985 – Fogo Fátuo
  • 1986 – Stereonato
  • 1987 – Serviço Secreto
  • 1991 – Cristal Lake
  • 1992 – Noz Moscada; Inside
  • 1995 – Fullface; Placenta; Apocalypse
  • 1996 – The Tritto
  • 1997 – Escape
  • 1999 – Damien; Hell’s
  • 2000 – Ages
  • 2001 – Horus; Symbolic World
  • 2002 – Galwem Headache
  • 2003 – Arkane; Heresis
  • 2004 – Summus; Skyeart
  • 2005 – Velvet; Whisper; Savage Land
  • 2006 – Sacrament
  • 2007 – Whiplash
  • 2008 – Celebration of Evil; Mercuryio
  • 2009 – Gavet’s; Fullface (Hard)
  • 2010 – Melltica; Rendscar
  • 2013 – Bulldogs; AlieniiD; Psycho Dogs
  • 2015 – Haddonfield
  • 2017 – Trevose; Soul of a Lion; In Creptus
  • 2018 – SteelRock

Episódios já disponíveis

Confira, abaixo, os quatro episódios já publicados. Ainda faltam os documentários das décadas de 2000 e 2010.

Capítulo 1 – Anos 80 – Parte 1

Capítulo 1 – Anos 80 – Parte 2

Capítulo 2 – Anos 90 – Parte 1

Capítulo 2 – Anos 90 – Parte 2

1 COMENTÁRIO

  1. Parabéns e agradecimento ao Wanderson, pela matéria sobre o documentário da História do Heavy Metal em São João del-Rei! Movimento que faz parte da nossa cultura e com certeza eleva o nome da cidade.

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