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O DIA EM QUE BARBACENA PAROU PARA TESTEMUNHAR O ENCONTRO DOS CRAQUES GARRINCHA E HELENO DE FREITAS

Fotomontagem que mostra os craques Heleno de Freitas e Garrincha no mesmo gramado
Montagem: Lucas Maranhão

Lucas Guimarães
Notícias Gerais

O 12 de outubro de 1956, feriado da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, caiu em uma sexta-feira. Dois dias depois, no domingo (14), Barbacena viveu um dia inesquecível. O Olympic recebia em seu estádio o Botafogo de Garrincha para um amistoso valendo troféu. Como era de se esperar, a cidade parou para receber a equipe carioca, e o Estádio Santa Tereza ficou lotado naquela ensolarada tarde para o jogo, com presença até do então governador de Minas Gerais, José Francisco Bias Fortes, que havia vencido a eleição no final de 1955.

O Botafogo contava com três atletas que tinham disputado a última Copa do Mundo pelo Brasil. Nilton Santos, Bauer e Didi foram até a Suíça, em 1954, na campanha em que o Brasil foi eliminado pela vice-campeã Hungria, nas quartas de finais. Além disso, Nilton Santos, Didi e agora Garrincha fariam parte do primeira Copa do Mundo vencida pelo Brasil em 1958. Naquele domingo, o Olympic e o Botafogo entraram com as seguintes escalações:

A partida valia o Troféu Dr. Paulo Azeredo, que era o presidente do Botafogo na época, exercendo o cargo de 1954 a 1963. Azeredo foi responsável pela construção da Sede General Severiano, que até hoje é a sede social do clube carioca. O árbitro da partida vinha, também, do Rio de Janeiro. O juiz foi José Gomes Sobrinho, que apitava pela federação carioca.

A grande expectativa era ver Mané Garrincha, que despontava no futebol brasileiro com apenas 22 anos. “A maior atração do Botafogo era o Garrincha. O Nilton Santos era muito bom, o Didi era muito bom, mas a atração era o Garrincha. Porque o clube campeão (carioca) daquele ano foi o Vasco da Gama, não o Botafogo. Então, eu me lembro muito bem, o Olympic estava lotado no jogo contra o Botafogo, e mais lotado ainda no jogo contra o Vasco. Eu vi os dois” – conta o médico e escritor Geraldo Barroso, de 85 anos, que tinha 21 anos na época e assistiu à partida.

“O Botafogo era um time muito forte no cenário brasileiro, naquela época era até mundial. Então, vieram aqui para um amistoso, para completar um contrato. Foi um espetáculo, muito bonito e tudo, mas a diferença era muito grande na época. A diferença de preparo físico era enorme, só isso já quebraria a boa vontade dos jogadores do Olympic. Sem condições. Mas, realmente foi multo bonito. Foi muito bom” – conta Gutemberg Cruz, de 86 anos, ex-meio-campista do Olympic, que na época tinha 22 anos.

Gutemberg aparece na ficha técnica da partida como titular da equipe barbacenense, mas, o mesmo, agora com 86 anos, não se recorda de ter jogado aquele jogo. Gutemberg é de Nova Iguaçu (RJ), e em 1956 acabava de chegar em Barbacena. A partida entre Olympic e Botafogo completará em outubro 64 anos. Assim, é compreensível as diferenças de versão, dados e lendas sobre aquele domingo.

Alguns veículos trazem a partida como inauguração do Estádio Santa Tereza, contudo, três fontes ouvidas que estavam no jogo naquela tarde negam que o estádio estava sendo inaugurado. Um recorte de jornal guardado todos estes anos por Waldemar coloca fim ao mistério: a inauguração era das “placas denominativas dos locais do estádio”.

O ex-meio-campista Gutemberg Cruz, hoje, aos 86 anos. Foto: Arquivo pessoal.

Nas quatro linhas o Botafogo impôs seu bom futebol. O próprio Garrincha abriu o placar aos 12 minutos do primeiro tempo. Paulinho Valentim ampliou para o Botafogo aos 25, e aos 40, Ênio, jogador do Olympic, marcou contra a própria meta, 3 a 0 Botafogo. Na segunda etapa, Paulinho Valentim fez seu segundo gol aos 7 minutos, e Ary, aos 30, fez o quinto do Botafogo. No final da partida, Neném descontou para o Olympic, de pênalti. Assim sendo, Olympic 1, Botafogo 5.

Geraldo Barroso ainda conta uma história curiosa sobre o gol do Olympic: “Eles faziam um bolo esportivo de quanto seria o resultado, você pagava dez reais naquele bolão, e quem acertasse o resultado ganhava. E o Nilton Santos pôs 5 a 1 para o Botafogo, e estava 5 a 0. Então, ele fez o pênalti para ficar 5 a 1. Ele fez dois pênaltis de propósito. O primeiro, o goleiro defendeu e ele achou ruim com o goleiro, e depois [Nilton Santos] fez o segundo pênalti colocando a mão na bola, não foi por falta não”.

Os bolões esportivos eram muito comuns na época, normalmente feitos em bares e com grande participação dos torcedores e, até mesmo, de jogadores. Gutemberg se recorda dessa história e a confirma.

Waldemar Gonçalves, o Waldemar Iuiuca, de 85 anos, que na época tinha 21, era outro jogador do Olympic. O ex-centroavante não entrou em campo, mas estava no estádio. Waldemar conta que as sete substituições feitas por Geninho, técnico do Botafogo, foram para preservar seus jogadores de possíveis contusões: “Ele (Garrincha) não jogou o tempo todo não. Jogou só o primeiro tempo, para não machucar”.

Além disso, o ex-jogador do Olympic ainda relata uma confraternização com os jogadores botafoguenses antes do clube carioca ir embora de Barbacena: “Depois do jogo teve uma festinha de baile no clube do Olympic, no centro da Barbacena, e eles frequentaram. Teve um jantar, aquelas coisas do interior. E eles compareceram, ficaram lá até mais tarde e no dia seguinte foram embora”.

No recorte do jornal da época que ele guarda, a informação é que a recepção aconteceria “nos do Barbacena Palace Hotel”. O periódico relata também que a delegação botafoguense sairia dos Rio de Janeiro, às 20h, da Central do Brasil, no trem da Vera Cruz que ligava a capital do país a Barbacena, onde a equipe desembarcaria às 5h da madrugada. E reza a lenda que, da estação de Barbacena, o time botafoguense foi direto para a Casa de Saúde São Sebastião, visitar o interno mais famoso do santório: o ex-craque do time, Heleno de Freitas.

Em crônica exclusiva publicada neste sábado pelo Notícias Gerais, o professor doutor em Literatura da UFU, Edu Tollendal, fala sobre este dia, com base nas histórias contadas pelo seu pai, o psiquiatra José Theobaldo Tollendal.

Heleno de Freitas e Garrincha

Em Copacabana, na década de 40, Heleno de Freitas vivia uma vida de luxo. foto: Arquivo O Cruzeiro

Internado no Casa de Saúde São Sebastião por uma progressão de problemas mentais causado por sífilis terciária, o ídolo botafoguense Heleno de Freitas havia construído uma relação mais próxima com o Olympic no período que ficou em Barbacena. O ex-centroavante teve seu quadro de saúde piorado com muita rapidez. Aos 33 anos, Heleno se aposentou, depois de uma passagem pelo América (RJ), e, dois anos mais tarde, em 1955, já estava na Casa de Saúde São Sebastião, em Barbacena.

Porém, Heleno de Freitas já havia morado antes na cidade. Sua família, de São João Nepomuceno, se mudou para a Barbacena na década de 30 e o ex-jogador estudou em um ginásio que funcionava onde hoje se localiza a Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar). Lá, Heleno conheceu aquele que futuramente seria seu médico e amigo nos momentos mais difíceis, José Theobaldo Tollendal.

O psiquiatra, junto com Odilon Hermont do Nascimento, fundou a Casa de Saúde São Sebastião, em Barbacena, da qual Heleno se tornaria o mais célebre paciente. Botafoguense, Tollendal tinha o ex-craque como ídolo, e passou a cuidar dele, quando a doença progrediu para um quadro mais grave. Na Casa de Saúde São Sebastião, instituição particular bancada pela família do jogador, Heleno de Freitas tinha um tratamento diferenciado, justamente em função da amizade e do carinho do Dr. Tollendal, que sequer cobrava honorários médicos.

Vídeo: Entrevista histórica de José Theobaldo Tollendal à Tv Brasil, republicada pelo
portal SJ Online em 2009.

Waldemar, quando perguntado sobre Heleno de Freitas, diz que por vezes ele ia aos treinos e jogos: “O Dr. Tollendal levava ele no campo do Olympic para jogar bola lá com a gente. Mas sem compromisso, só por passeio”. Indagado sobre a condição de saúde do ídolo botafoguense, Waldemar respondeu: “Ele já estava doente. Ele não falava mais coisa com coisa. O Dr. Tollendal levava ele no campo justamente para ele ter noção, lembrança. Ele [Heleno de Freitas] estava completamente doido, falava só bobagem”.

Além de um grande jogador de sua época, Heleno de Freitas é considerado o primeiro “bad boy” do futebol brasileiro. O mineiro era estudado, formou-se em direito no Rio de Janeiro, gostava de jazz, e era conhecido por ser boêmio e galã. No seu período de fama, Heleno teve problemas com algumas substâncias como álcool, éter e lança-perfume.

“O Heleno já era muito desorientado quando jogava, mesmo novo. Brigão, brigava com os companheiros de time. Era uma figura muito estranha”, conta Geraldo Barroso. Contudo, a personalidade atípica para jogadores da época e o estilo de vida boêmio cravaram ainda mais o nome de Heleno de Freitas na história do futebol brasileiro.

Registro de Garrincha feito por um fã, em 1958, provavelmente em Barbacena.
Foto: Acervo de Elton Belo Reis / Barbarascenas

Na tarde de domingo de 14 de outubro de 1956, chegou junto ao Dr. José Tollendal ao Estádio Santa Tereza, um dos maiores nomes da história do Botafogo. Os dois foram levados ao evento pelo Dr. Hermont, em um Corvette conversível que já parou a cidade durante o trajeto. O contador e músico aposentado, Alexandre Marmelo dos Passos, de 73 anos, tinha apenas nove anos na época e seguia a pé para o estádio do Olympic para assistir aos jogo, com seu pai e irmãos, quando viu o trio passando imponente, em frente aos Correios.

Heleno de Freitas assistiu à partida, e, depois, teve um encontro breve com o elenco botafoguense. Geninho, que comandava o Botafogo, tinha sido companheiro de ataque de Heleno de Freitas nos anos dourados do craque. Outros jogadores do elenco também haviam jogado junto com ele. Esse dia entrou para a história como o único em que Garrincha e Heleno de Freitas estiveram frente a frente. Além de dois dos maiores ídolos da história do Botafogo, os jogadores, mesmo com suas particularidades, tiveram histórias semelhantes, principalmente o fim trágico de suas vidas.

Esse dia foi marcado como o único em que Garrincha e Heleno de Freitas estiveram frente a frente. Além de dois dos maiores ídolos da história do botafogo, os jogadores, mesmo com suas particularidades, tiveram histórias semelhantes, principalmente o fim trágico de suas vidas.

Heleno de Freitas, com o passar dos quase cinco anos em Barbacena, foi saindo da Casa de Saúde São Sebastião cada vez menos. A sífilis terciária, que atormentou sua vida, é uma etapa avançada da infecção sexualmente transmissível de mesmo nome. Ela passa a ser uma doença de maior potencial destrutivo, que pode atacar articulações, olhos, sistema nervoso e cardiovascular.

Assim, o ex-atacante do Botafogo, Vasco, Boca Juniors e Seleção Brasileira se encontrava cada vez mais confuso mentalmente e frágil fisicamente. Em 8 de novembro de 1959, Heleno de Freitas foi encontrado morto na Casa de Saúde São Sebastião, com apenas 39 anos.

O futebol barbacenense da época

Imagem: Acervo pessoal de Waldemar Iuiuca

“Na época que jogamos com o Botafogo, nós também éramos profissionais, só que no campeonato da nossa região, no campeonato de Juiz de Fora. Então nosso time não era pouca coisa não, era um time bom. Para jogar com o Botafogo aquele dia foi um jogo animado para todo mundo. Hoje não tem mais nada [no futebol barbacenense], mas antigamente tinha”, conta Waldemar Gonçalves, orgulhoso.

O Olympic e o Vila do Carmo protagonizavam uma rivalidade forte na cidade, e não raramente os estádios enchiam nas tardes de domingo, principalmente para acompanhar as competições da região, envolvendo os times de Juiz de Fora.

Contudo, eram outros tempos, e poucos jogadores recebiam dinheiro das equipes de Barbacena. “Era semiprofissional, não era totalmente profissional não. Haviam poucos que realmente só se dedicavam ao futebol. A imensa maioria tinha outro emprego, tanto no Vila do Carmo quanto no Olympic”, conta Geraldo Barroso. Waldemar, Gutemberg e Branco, por exemplo, dividiam a rotina de treinos e jogos com seus empregos no Banco do Brasil.

4 COMENTÁRIOS

  1. Boa matéria sobre o Botafogo. Deve ter tocado a memória afetiva de muita gente. Gostaria de fazer uma observação que “nosso pai” faria: o Dr. Hermont era torcedor do Flamengo, mas era grande amigo e, certamente, pela amizade desinteressada, participou da festiva recepção aos craques alvinegros como um dos nossos.

  2. Sensacional matéria sobre o futebol Barbacenense. Devemos de lembrar que era um futebol desinteressado, jogado com o coração.

  3. Lembro alguns fatos dessa visita do Botafogo::1)teve recepção de visita na sede do olímpic que na época era no edifício do restaurante colonial ao lado do cine Apólo 2)Para o jogo foram colocadas cadeiras adicionais na lateral do campo dentro do estádio na frente da arquibancada de onde eu assisti o jogo levado pelo tio totonho irmão do tio Urias.3)Ojogo foi 5/1 para o Botafogo onde teve muitas botinadas do lateral Zé Ramiro do olimpic no Garrincha que jogou só o primeiro tempo e muitos dribles sensacionais do Garrincha e a plateia vibrava muito .4)O gol do olimpic foi conseguido porque o Nilton Santos colocou a mão na bola dentro da área para fazer pênalti duas vezes e o olimpic marcou porque o goleiro do Botafogo Pereira natero deixou a bola passar na cobrança do segundo.

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