Wanderson Nascimento
Notícias Gerais
A Polícia Militar (PM) errou ao atenuar o crime registrado no boletim de ocorrência e não conduzir o acusado até à Delegacia de Polícia para efetuar a prisão em flagrante. Quem afirma é o advogado Gilberto Silva, especialista em crimes raciais, que representa as duas funcionárias do supermercado Bahamas Mix, chamadas de “macacas”, entre outras injúrias e ameaças, por um cliente que se recusava a usar máscara dentro do estabelecimento.
“Infelizmente, os procedimentos feitos pelos policiais não foram os corretos, pois eles agiram como se fosse injúria simples e, na verdade, foi injúria racial, devendo, neste caso, o agressor ser levado até a autoridade da Polícia Judiciária e ser feita a prisão em flagrante. Mas houve um erro e, no boletim, foi colocado crime de menor potencial ofensivo. Isso demonstra um verdadeiro despreparo dos agentes naquela ocasião. Haverá ações judiciais e já foi feita a representação criminal”, defende o advogado em entrevista exclusiva ao Notícias Gerais.
Xingamentos e ameaças
No dia 27/4, uma funcionária do Supermercado Bahamas da Avenida Leite de Castro, em São João del-Rei, se dirigiu a um cliente que circulava sem máscara para pedir que ele usasse o equipamento de proteção exigido para evitar a contaminação por Covid-19. O indivíduo, então, atacou:
– “Você é um lixo, uma macaca. Conheço os donos do supermercado, você vai ser mandada embora”.
Uma segunda colaboradora, ao perceber o ocorrido, interveio, mas também foi ofendida:
– “Cala a boca, macaca! Não estou falando com você, senzala!”.
Supermercado não tem responsabilidade
Ao NG, o advogado declara que o estabelecimento, nesse caso específico, não tem responsabilidade objetiva sobre o ocorrido e afirma que a empresa já está dando o suporte psicológico às trabalhadoras. Já quanto às providências que serão tomadas pelas vítimas em relação ao agressor, Gilberto afirma que houve um erro por parte da polícia, ao confeccionar o boletim de ocorrência, atenuando a gravidade do caso.
“As vítimas acionaram a Polícia Militar, que inicialmente não atendeu, mas elas insistiram e chegaram a entrar na frente da viatura e assim foram atendidas. Infelizmente, os procedimentos feitos pelos policiais não foram os corretos, pois eles agiram como se fosse injúria simples e, na verdade, foi injúria racial, devendo, neste caso, o agressor ser levado até a autoridade da Polícia Judiciária e ser feita a prisão em flagrante. Mas houve um erro e, no boletim, foi colocado crime de menor potencial ofensivo. Isso demonstra um verdadeiro despreparo dos agentes naquela ocasião. Haverá ações judiciais e já foi feita a representação criminal”, explica.
O advogado aponta que o agressor pode ser enquadrado no art. 140, §3º do Código Penal. “A pena para o crime de injúria racial é de um a três anos de detenção e multa. Neste caso, o crime a nosso ver foi de forma continuada e direcionada a uma coletividade, pois foram duas pessoas, o que pode levar ao entendimento de racismo, conforme preceitua a lei 7.716/89 (Lei de Racismo)”. Ele ainda sinaliza que, até o momento, está aguardando a abertura do inquérito pela autoridade policial, bem como a intimação das vítimas, testemunha e autor. “Na esfera cível, já iniciamos os trabalhos”.
Gilberto Silva enfatiza que causa estranheza o agressor não ter sido levado até a autoridade policial, uma vez que estava em estado de flagrância. “A confecção do Boletim de Ocorrência também está grosseira, tendo em vista que injúria racial não se confunde com injúria simples, e também devido à classificação dada pelos militares, que deveria ser dada pelo delegado ou delegada. Enfim, a luta contra o racismo é uma constante, e casos como este só reforçam que estamos em um país extremamente racista e que prega uma falsa democracia racial”, conclui.
O portal tentou contato com a polícia para comentar o caso, mas não obteve êxito. O Notícias Gerais segue disponível para ouvir os citados.
Posição do supermercado
A reportagem do NG tentou falar por telefone com a unidade são-joanense do supermercado, bem como a central da empresa, em Juiz de Fora, mas também não conseguiu contato. Ao portal Mais Vertentes, o gerente de Marketing do Grupo Bahamas, João Paulo Rodrigues, pontuou que “a gerência da loja foi acionada por duas colaboradoras, que teriam sido ofendidas por um dos clientes, momento em que a polícia foi acionada”. Rodrigues ainda afirmou que, após a atuação da gerência da loja, “os setores administrativos passaram a apoiá-los no tratamento da questão”.
Rodrigues acrescentou que, “lamentavelmente, casos como esse estão presentes na sociedade”. “Nós, do Grupo Bahamas, prezamos por um ambiente confortável e de respeito à todos os nossos colaboradores e clientes e suas diversidades, promovendo o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, religião e quaisquer outras formas de discriminação”, defendeu.
“Estamos dando todo o suporte aos colaboradores. Psicológico e o nosso departamento jurídico está à disposição das mesmas para apoiá-las no que for necessário, mas as funcionárias já estão devidamente assistidas”, pontuou.
Protesto contra o racismo
No último dia 30 de abril, várias pessoas realizaram um protesto, em frente à sede do supermercado, na Avenida Leite de Castro, contra o racismo. “Nós estamos cansados das atrocidades veladas e explícitas que atingem os nossos corpos. É inadmissível a forma como se vem tratando o povo preto dentro deste estabelecimento e por isso cabe aqui deixar um recado. Justiça como um todo na reiteração de práticas racistas, discriminatórias, expressando o preconceito racial, é tarefa inadiável!”, destaca um dos organizadores da manifestação, o jornalista e ativista da causa contra o racismo, Dell Ribeiro.
Confira um trecho do protesto no vídeo abaixo:
Campanha de apoio às vítimas de racismo
Dell Ribeiro também integra, nas redes sociais, a campanha “Por uma São João del-Rei antirracista!” para arrecadar fundos para auxiliar no tratamento psicológico e possíveis demandas jurídicas de vítimas de racismo em São João del-Rei.
“A discriminação explícita é uma fonte frequente de problemas de saúde. Quem sofre racismo com frequência e em situações variadas está mais sujeito a apresentar problemas psicológicos; vários estudos sobre já comprovaram isso. Sofrer racismo torna as pessoas mais sujeitas a ansiedade, depressão e problemas com drogas”, escreveu.
Para ajudar, basta doar qualquer valor por meio da chave pix: frs.dani@gmail.com.