André Frigo
Notícias Gerais
Se você nascesse em Baependi talvez nunca pensasse na distância entre a cidade mineira cercada por montanhas, com uma natureza privilegiada, repleta de rios e cachoeiras, e a cidade de Lyon na França. Renato Marciano Maciel, 32 anos, biólogo formado pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), teve de pensar e percorrer um longo caminho para chegar ao Instituto Michel Jouvet, na cidade francesa famosa pela sua gastronomia.
A primeira parada dessa viagem, que começou há oito anos, foi no Laboratório de Neurociência Experimental e Computacional “Dr Aristides Azevedo Pacheco Leão” (Lanec), na UFSJ, atual Departamento de Bioengenharia, onde fez seu mestrado orientado pelo professor Dr. Vinícius Rosa Cota. Posteriormente participou da construção, junto com um grupo de alunos e professores da UFSJ, coordenado pelo docente Vinícius, o Laboratório Interdisciplinar de Neuroengenharia e Neurociência (Lincce), onde concluiu seu doutorado.
“Quando chegamos, nós tínhamos uma casa, onde era o centro acadêmico, próximo ao prédio da zootecnia e da computação no Ctan. Literalmente construímos mesas, bancadas, colocamos sistema de iluminação com ciclo claro escuro em regime de 12h/12h. Transformamos um banheiro em um ambiente estéril capaz de receber uma sala de cirurgia”, relembra Renato.
Essa parceria entre Cota e Maciel grou vários artigos que foram publicados em revistas científicas de reconhecimento internacional.
“Estamos morrendo de medo. Obviamente temos medo de sermos infectados, mas temos mais medo do curso que essa infecção vai trazer para o mundo. É um fenômeno seríssimo”
De São João a Lyon, com parada em Natal
Próxima parada: Natal, Rio Grande do Norte. Mais especificadamente no Instituto do Cérebro da UFRN, onde Renato fez seu primeiro pós-doutorado. “Lá nós investigamos os efeitos de extratos de Cannabis nas crises epilépticas”, declarou. Após um ano, surgiu a oportunidade de trabalhar como pesquisador na França, com o apoio dos professores Cláudio Queíroz e Pierre Hervé-Luppi.
Após percorrer quase dez mil quilômetros, Renato chega a Lyon em 2019. Habituado a morar fora de casa desde os 18 anos, não teve dificuldades de se adaptar na França. “Eu sempre curti viajar, conhecer novas pessoas e culturas, aprender coisas novas. Nunca olhei para o outro, que se comporta diferente de mim, como alguém que pudesse me provocar um ‘choque cultural’. Sempre vi nisso uma nova forma de se expressar e uma possibilidade de experienciar uma nova vivência… um novo eu! A gente se descobre em vários solos, em vários povos”, afirma.
A adaptação ficou mais fácil ainda com a chegada de sua companheira Ana Maria M. Pereira, que nasceu em Nossa Sra. dos Remédios em Minas Gerais. Em São João del-Rei trabalha no grupo Teatro da Pedra onde formou-se e atua como atriz. Agora está Lyon, onde foi se encontrar com Renato. Em pouco tempo na França já estava aprendendo a língua local e fazendo amizade pela vizinhança.
Renato recorre à literatura para explicar a facilidade com que ele e Ana se adaptaram a nova vida na Europa: “Tem uma frase do Guimarães Rosa que diz que ‘sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão’. Eu acho mesmo que foi um mecanismo que a gente foi desenvolvendo com as adversidades da vida, nos adaptamos de maneira menos dolorosa que algumas pessoas em geral. Sei o que que é isso não”.
Isolamento total na França
A rotina de trabalho era de 12 horas diárias, fazendo experimentos e análise a partir das 9h da manhã até às 21h. Quando ia para casa, pegava dois trens de metrô e um ônibus. E foi quebrada com a chegada do Covid-19 à Europa.
“Aqui está uma loucura mesmo. Teoricamente atingiremos o pico das infecções nas próximas semanas. Nosso confinamento dura, por enquanto, um mês. Por enquanto vai até dia 15 de abril. Não é fácil o confinamento total, temos autorização apenas para uma hora de atividade diária fora de casa, saídas para ir ao supermercado, farmácia e padaria. Tudo isso munido de documento pessoal e um documento expedido pelo próprio governo francês onde deve obrigatoriamente constar a data, endereço e hora de saída”, conta.
Renato continua trabalhando, mesmo que fora dos laboratórios do instituto. “Muita coisa consigo fazer a partir de casa, tenho muitos registros eletroencefalográficos para analisar e isso me dá alguns meses de trabalho garantido. Também tenho trabalhado em um artigo de revisão com o laboratório daqui sobre a função das regiões corticais durante o sono REM (sono dos sonhos) e sua relação com os processos de formação e armazenamento de memória”, conta.
“Não é fácil o confinamento total, temos autorização apenas para uma hora de atividade diária fora de casa, saídas para ir ao supermercado, farmácia e padaria. Tudo isso munido de documento pessoal e um documento expedido pelo próprio governo francês onde deve obrigatoriamente constar a data, endereço e hora de saída”
Medo sim, mas o otimismo brasileiro também
O medo passou a estar presente na vida do casal brasileiro numa França que já teve mais de 6,5 mil mortos devido a Covid-19. Um medo que vai muito além do contágio, que avança pelo mundo que irá surgir após a pandemia. “Estamos morrendo de medo. Obviamente temos medo de sermos infectados, mas temos mais medo do curso que essa infecção vai trazer para o mundo. É um fenômeno seríssimo”, alerta Renato Maciel.
Nada que abata o otimismo do pesquisador que atravessou um país continental como o Brasil e cruzou um oceano para fazer ciência no velho continente. “Esta situação toda está como surfar, nunca fiz isso, mas gosto de assistir campeonatos. A gente fica sempre esperando a crista da onda para chegar mais perto do fim e soltar um respiro mais suave”, compara.