

Wanderson Nascimento
Notícias Gerais *
A pandemia da Covid-19 – juntamente com suas consequências (como, por exemplo, o isolamento e distanciamento social, a mudança brusca da rotina, a concentração dos trabalhos e estudos dentro de casa) – mexeu com a saúde física e mental das pessoas e se tornou um desafio para todos. Mas e as pessoas com autismo, elas foram mais ou menos prejudicadas pela pandemia? Como essas mudanças impactaram a vida dessas pessoas? Quais atividades são recomendadas para amenizar esses efeitos? O Notícias Gerais conversou com Daniele Muffato, integrante da Associação de Pais de Autistas (Aspas) de São João del-Rei, para tirar essas e outras dúvidas.
De acordo com Daniele, a maioria dos autistas tem muita resistência às mudanças de rotina e elas influenciam diretamente em questões comportamentais. “De repente, eles se viram sem a escola, sem as terapias e todos dentro de casa, usando máscara e fazendo a higienização das mãos constantemente. Existem muitos estímulos nessa nova rotina e muitos autistas podem ser extremamente aversivos a eles, como por exemplo, o uso da máscara”, explica.
Segundo ela, essa adaptação à nova dinâmica de vida deve ser muito bem estabelecida para a família e para o autista, para que ele se organize no contexto do que está acontecendo no mundo. “Fazer um quadro de rotinas ajuda ele a se organizar no seu dia e seus compromissos, pois a previsibilidade faz com que ele se sinta seguro dos acontecimentos do dia a dia”, defende. “É importante também contextualizar a pandemia para eles, e fazendo através de imagens facilita muito a compreensão de tudo o que está acontecendo”, emenda.
Muffato indica que, com a necessidade do distanciamento social, as famílias têm se desdobrado para conseguir fazer com que os autistas continuem com alguma estimulação terapêutica em casa, pois a maioria não se adaptou ao uso da internet para fins acadêmicos ou mesmo terapêuticos.
“Quando tudo isso passar, teremos que fazer um enorme movimento com as escolas e famílias para que essas pessoas encontrem ambientes estruturados para voltarem às rotinas sem tanto sofrimento, uma vez que o convívio social, na maioria das vezes, é extremamente desgastante, e, depois de um ano em casa, com certeza será um processo difícil”
– cita Danielle Muffato, representante da Associação de Pais de Autistas de São João del-Rei.
As aulas remotas, na visão dela, são uma das maiores dificuldades para esse público, pois se trata de um ambiente muito abstrato e com muitos estímulos. “Há ainda a questão da rigidez no pensamento e, para eles, aula é na escola e não em casa, com a mãe”, frisa.
“Alguns autistas se adaptaram bem, porém, com horários reduzidos, outros simplesmente foram abandonados pelas escolas; para outros, os professores estão fazendo um lindo trabalho de inclusão, fazendo com que aquele autista se sinta incluído no grupo! É sempre importante ressaltar que não há uma receita pronta, mas sim muito estudo, adequação de material para aquele autista retirar as barreiras que o impedem de adquirir conhecimento. Isso é inclusão!”, enfatiza.
Daniele explica que a Aspas é uma associação nova e que dispõe de poucos recursos – sendo que nenhum deles é público. No entanto, mesmo com essas dificuldades, a entidade tem desenvolvido atividades para auxiliar os autistas no momento da pandemia.
“Temos o projeto de Lego, em parceria com a Eleva, atendendo autistas; o projeto de educação física, sob coordenação do professor Valdir, um projeto todo formado por profissionais voluntários; atendimento terapêutico para os pais (parceria com a UFSJ e Uniptan); informações jurídicas e direitos dos autistas, e acolhimento das famílias e projeto de equoterapia em parceria com o Projeto Thomás. Também fazemos palestras para conscientização do autismo, e treinamento de profissionais e pais. O projeto da Eleva e da educação física estão temporariamente parados por causa da pandemia. Nosso objetivo futuro é dar atendimento multidisciplinar para autistas de todas as idades com profissionais especializados em autismo”, elenca.
Além dessas atividades, a instituição vêm realizando palestras por meio de transmissões ao vivo nas redes sociais. “Decidimos que seria necessário abrir esse universo e aproveitar as redes sociais para divulgar a nossa associação, desmistificar o autismo e levar conhecimento às famílias e profissionais. Daí surgiu a ideia de fazer uma live com um autista, garantindo o lugar de fala deles, e foram surgindo novas propostas, profissionais que já apoiam a Aspas e acabou virando um mês de lives. Tem muito conteúdo importante no nosso Instagram, Facebook e no YouTube, onde estão ficando gravadas as lives“, conclui.
Confira, abaixo, a programação, que se estende por todo o mês de abril:
Opinião e dicas de profissional
De acordo com professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Ana Maria Lopes, a maioria das crianças e adolescentes não se adaptaram aos atendimentos terapêuticos feitos na modalidade virtual, tão pouco ao ensino à distância.
Com mudanças na rotina, pessoas com Transtorno de Espectro Autista (TEA) podem apresentar alterações no padrão do sono, maior ansiedade e irritabilidade. Apesar de não serem sintomas comuns apenas às pessoas com autismo, os impactos podem ser sentidos de maneira mais intensa por elas.
“Visto que já há no TEA dificuldade de linguagem, prejuízo da comunicação e interação social, o stress causado pelo isolamento social pode aumentar esses sintomas e exacerbar alterações comportamentais, tais como agitação, agressividade, pois a capacidade de expressar o sofrimento psíquico torna-se mais acentuada”, pontua.
Explicar as crianças e adolescentes com autismo sobre como a rotina vai ser modificada, o porquê dessa mudança, e o passo a passo do que vai acontecer depois, com o retorno as aulas, pode ajuda-las a se adaptarem à nova realidade, especialmente se isso for feito de forma lúdica.
“Cada situação é vivência de um jeito diferente. Em muitas famílias os pais não podem deixar de trabalhar. Então, na medida do possível, é preciso tentar manter uma rotina para acordar, fazer atividades e com hora para dormir e com atividades lúdicas”, orienta a psicóloga Amanda Silva de Souza é psicóloga, acompanhante terapêutica de crianças com autismo e coordenadora do projeto Uma Sinfonia Diferente de Brasília.
Além da comunicação verbal, Amanda recomenda que os familiares usem estratégias como fotos, figuras e vídeos para facilitar o engajamento no dessas crianças a conversas sobre o contexto atual e mudanças na rotina.
A professora Ana Maria Lopes também concorda que não há uma dica uniforme sobre como lidar com a quarentena. De acordo com ela, a resposta de cada criança com TEA é singular e particular. Com isso, também é possível ser surpreendido com avanços de habilidades também nesse momento. “A criança que tinha um contato muito restrito com a família pode se beneficiar desse momento em que há um aumento importante desse tempo de convivência. Os pais convivendo por mais tempo com a criança pode conseguir inventar novas estratégias, novas soluções”, exemplifica.
Mas a professora ressalta que é importante pensar na preservação da saúde mental de toda a família, que pode se tornar mais vulnerável ao adoecimento psíquico. “Os pais, irmãos e a criança com TEA necessitam de medidas que visem a preservação da saúde mental de todos. Pois, se os pais não estiverem bem, esse sofrimento será transmitido para os filhos”, avalia.
Um possível retorno das aulas antes de uma imunização contra a covid-19 também pode ser um complicador para as crianças e jovens com TEA. Isso porque elas podem ter mais dificuldades para seguir algumas orientações para reduzir o risco de contágio ou para readaptação à rotina escolar. Para a professora Ana Maria, cada caso deverá ser avaliado individualmente. “Se a criança tem um grau maior de autonomia, se consegue seguir as regras de uso de máscaras, higiene das mãos, a família juntamente com a escola e com os profissionais de saúde devem definir as condições de retorno ou não”, analisa.
De acordo com ela, as respostas para melhor condução desse retorno as atividades habituais deverão ser construídas por cada família e criança “com o apoio incondicional dos profissionais da saúde, da educação e de uma adequada política pública que vise a inclusão”.
*Com informações da Faculdade de Medicina da UFMG.