Início Opinião Crônica CRÔNICA: COMO FALAR DE FUTURO SE O PRESENTE MATA?

CRÔNICA: COMO FALAR DE FUTURO SE O PRESENTE MATA?

Imagem: Divulgação

Lisley Helena Silva Cruz *

Quando criança, eu sempre me imaginei sendo uma princesa dos contos de fadas, e agora que me tornei, de fato, a Rapunzel, não vejo a hora do famigerado “felizes para sempre” chegar.

Confinada em minha torre, ou melhor, meu quarto, durante a quarentena, cada vez mais estressada e sedentária, pergunto-me como a verdadeira Rapunzel conseguiu manter a sanidade mental e o cabelo hidratado por 18 anos.

Para mim, a produtividade nesse período é uma farsa, já que agora passo meus dias a fio no meu novo habitat natural, as redes sociais, me alimentando de fast-food, e sendo corroída pela preguiça. Estou vivendo, realmente, um conto de fadas.

Nunca gostei de ser a responsável pelas compras, mas, agora, até me ofereço, é um alívio. Certo dia, no mercado, em dúvida sobre qual cereal comprar, fiquei minutos em um corredor, e, por acaso, peguei-me bisbilhotando a conversa alheia.

Um dos homens disse ao outro “Você sabe, né? Tudo isso aí é tramoia dos comunistas. Essa história de vírus é balela pura, e se realmente esse negócio de corona existir, o presidente já disse que uma tal de cloroquina é tiro e queda!”. 

Lembro-me das aulas de história sobre a peste negra do século XIV. Culpados eram os judeus, os estrangeiros, os quais, segundo os homens de bem daquela época, fomentaram a ira de Deus e a cólera divina da peste. Concluí que o mundo é o mesmo, vai continuar sendo. E voltei à torre com o mesmo cereal de costume. 

Lembro-me das aulas de história sobre a peste negra do século XIV. Culpados eram os judeus, os estrangeiros, os quais, segundo os homens de bem daquela época, fomentaram a ira de Deus e a cólera divina da peste. Concluí que o mundo é o mesmo, vai continuar sendo.

É difícil, pelo menos para mim, ter propriedade para reclamar da minha rotina maçante de quarentena, quando grande parte da população não tem o privilégio de fazer o mesmo. Não podem, simplesmente, trancar-se em casa a espera do fim da doença.

Assim como morrem à espera de uma vaga no SUS, os mais pobres sofrem com o tal auxílio emergencial, que parece ser analisado sem um pingo de emergência. Continuar a trabalhar e estar suscetível ao vírus é a única opção de uma parcela do povo. 

Suscetível ao vírus e ao assassinato, ambos crimes do estado. É espantoso como as bolhas nos cegam e nos tornam estranhos diante da realidade de grupos sociais e econômicos diferentes.

Já me acostumei a ver fotos de churrascos e encontros entre amigos nos stories do Instagram e do Facebook, fazendo graça, piadinhas e zombando da situação. Chega a ser um insulto.

Quem pode se refugiar em torres de contos de fadas não o faz, dissemina o vírus, enquanto as pessoas do grupo de risco e os trabalhadores morrem sem leito nas UTI. Como não ficar descrente em relação a um futuro depois do Coronavírus, se ele parece tão distante?  Basta uma olhada nos noticiários, abarrotados de informações, para o pouco otimismo que ainda tenho ir para o ralo.

Enquanto alguns países, como a Dinamarca, já ensaiam uma cuidadosa saída da quarentena, o país do futebol não marca um gol. Na semana do dia 3 de junho de 2020, o Brasil teve seu recorde de mortes em um dia, mais de mil.

São mais de mil vidas perdidas por dia, enquanto os governantes não dão autonomia à ciência e influenciam a população a crer que remédios sem comprovações científicas são uma simples cura para a doença. Afinal, médico não entende de saúde. É Cloroquina ou Tubaína.

São mais de mil vidas perdidas por dia, enquanto os governantes não dão autonomia à ciência e influenciam a população a crer que remédios sem comprovações científicas são uma simples cura para a doença. Afinal, médico não entende de saúde. É Cloroquina ou Tubaína.

Criar projeções de como será o pós-pandemia no nosso Brasil é, no mínimo, complicado. Tal como disse Xuxa Meneghel , ainda na década de 90, “É difícil passar alegria, fé e esperança num país como esse. Esperança de quê? No quê? Por quê? Esperança pra onde?”.

O Brasil disputa a primeira colocação entre mortes causadas pela pandemia de Covid-19. Quer dizer, pandemia nada. Segundo o senhor presidente da república, Coronavírus não passa de um exagero da tal OMS, ou de uma invenção da imprensa que, aliás, adora criar fake news sobre o mito.

Ora, vivemos em um país no qual o líder desacredita da ciência, o ministério da Saúde não tem ministro e a população não tem empatia. Pois é, Xuxa, esperança no quê?

Ora, vivemos em um país no qual o líder desacredita da ciência, o ministério da Saúde não tem ministro e a população não tem empatia.

* É estudante de Comunicação – Jornalismo da UFSJ e produziu este texto sob a orientação do professor Paulo Caetano, numa ação do projeto Observatório da Saúde Coletiva – UFSJ.

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