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COVID-19: UM MILHÃO DE MORTOS, UM CHACRA NO CORAÇÃO

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Fotos e montagem Folha de S.Paulo

Tatiana Lima *

UM MILHÃO de mortos no mundo por coronavírus. A marca é simbólica para o mundo, mas, sobretudo é concreta para muitos. São vidas mortas e suspensas. Em quase nove meses após o 1º óbito oficial devido à doença, em 11/01/2020, e quase sete depois de a OMS declarar que a Covid-19 era pandemia, em 11/03/2020.

Nesta marca está a avó de uma amiga e seu tio mortos no intervalo de seis dias em abril. Está o marido de amigas. O pai ou a mãe de amigos do facebook. Tem o vizinho conhecido ou não. O caixão que saiu do prédio da frente enquanto eu fui displicente tomar ar e café na janela em maio. Há discussões, julgamentos, brigas de famílias, separações… violência na carne, no estômago, na dignidade. Há medos, lutos, pânicos e depressão. Sonhos rasgados.

Também há luta, ora e como não haveria de ter luta: sempre há luta! Há os recuperados com rostos próximos e visíveis, para mim: de duas tias, irmãs, primas e amigos. Há solidariedade e garra de expressões desconhecidas e amigas. Há organização civil popular, coexistências. Paralisia e pulsão de vida. Pulsão de morte e caminhada. Tempo quebrado. Relógio correndo. Há trabalho. Com e sem renda. Desemprego e fé. Polícia e Política. Há Lados… todos os lados… um conjunto de lados que não formam abrigo, casa… mas, formam lutas e… ignorâncias.

Sobretudo, aqui no Brasil, há neste contexto e marca de um milhão de mortes no mundo, o descaso e a negação: planejada por governos e por estratégia de sobrevivência do jeito que o povo pode e sabe fazer… e respirar. Do jeito que Poder Público ensinou. Por todos poros dos rostos públicos e invisíveis, há fôlego preso e respiro. E a cada dia, chega mais um relato. E a única certeza. A pandemia não acabou.

Ontem, 28/09/2020, morreu o tio da Buba Aguiar, Comunicadora Popular do Favela Akari. Sobreviveu a luta contra a ditadura entre 1968. Morreu em 2020 de Covid-19. Virou exemplo e símbolo, não do Covid-19 ou da marca do mundo da maior pandemia, mas, símbolo e legado da luta de trabalhadores das favelas no corpo da sobrinha em vida.

“Hoje foi minha família que perdeu pra #covid19. Não sei o que pensar ou dizer direito. A dor tá inexplicável. Minha família tá desorientada. Meu tio, que militou contra a ditadura, fez piquete, ficou clandestino, meu exemplo de luta pelos trabalhadores. Perdemos”, postou Buba no twitter … na tarde do dia que sua carne se tornou ao mundo um número da marca invisível de um milhão de coronavírus.

Mas, sigamos! Por nós, pelos que não podem e por nossa humanidade!

Certa vez, escrevi ou li em algum lugar…. Não sei mais onde começa esse afeto ou a citação, o que é meu e o que é do outro. Entrou em mim, virou coisa só: melhor ser pó do que estatística. Seja qual for.

Volto a dizer. A pandemia não acabou.

Atualização 17h14: escrevi este texto ontem (20/09) às 6h37 numa noite que não consegui dormir com o chacra cardíaco doendo muito e ardendo. Chorei de dor. Decidi que na terça-feira, iria ver meu irmão, que isso era saudade dele, porque doía muito o meio do peito quando pensava nele. Nós não nos vemos desde fevereiro devido a pandemia. Ele não teve o direito a se isolar pela necessidade da sobrevivência, do trabalho que exerce. Não houve como optar e decidir: vou ficar em casa. E não apenas por ele, mas por toda uma rede que depende dele. Inclusive, chegou a me ajudou a não perder o teto em março junto com outros amigos.

Dormi 8h30, depois de fazer o gerenciamento de redes digitais do trabalho, avisando a equipe que ia sonecar por três horas e decidida que a noite combinaria de comer uma pizza com ele. Vê-lo.

Às 10h57, acordei e soube que meu irmão tinha perdido o tio dele, o padrinho, seu pai de coração para a pandemia global. Sua carne e coração e o coração do “seus” e por quem é amado e o ama, também era dado invisível no marco mundial de mortes de Covid-19.

Por proteção e amor, ele pediu: “Irmã meu tio teve covid no óbito. Espera um pouco, por favor!!! Eu tenho plano, você não tem. Outra preocupação isso. Sério mesmo… Ai você pega uma miséria dessa, eu vou ficar preocupado. Vou até marcar teste. Cabeça Amil. Te amo. Mas, não vem. Te amo, meu anjo ❤”.

Eu não posso sequer ir abraçar meu irmão e prestar condolências presencialmente. Essa é a dor Covid-19 no chacra do coração.

Às 6h37 da manhã de 29/09, o coronavírus tinha chegado no meu coração e me feito cuspir este texto por empatia a dor de Buba Aguiar, três horas depois chegaria de novo (ou enfim se revelaria presente) pela onda de amor que divido com meu irmão.

Em outro post de Buba Aguiar no Twitter publicado em 29.09, ela relata ao compartilhar a notícia “Idoso morre de Covid-19 após três dias de espera por leito no Rio; taxa de ocupação volta a subir”, publicada pelo jornal Extra:

“É isso mesmo. Tivemos de recorrer à defensoria pública, comissão de direitos humanos da OAB, tudo para que meu tio tivesse garantido o direito de ter um leito em um hospital (…) Não brinquem com a saúde de vcs e dos seus!!”

Segundo Atila Iamarino, “O Brasil, com 2,7% da população mundial, tem 14% das mortes por COVID-19, contribuiu mais do que a maioria dos países para esse marco”, destacou em post no twitter.

Mas, a luta pela vida e por nossas vidas segue. Precisa seguir…


* É jornalista e repórter apaixonada por histórias. Pesquisadora de mídia e comunicação popular por luta e afeto. Da geração ensinada a narrar para sobreviver. Uma periférica que às vezes dá match na vida.

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