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EM MG, 17 CRIANÇAS SÃO VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL POR DIA; QUARENTENA PODE AUMENTAR OS NÚMEROS, ALERTA PERITA

Carol Rodrigues
Notícias Gerais

Nesta segunda-feira (18), é celebrado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantil. De acordo com dados da Polícia Civil, só entre janeiro e abril deste ano, 2.053 crianças e adolescentes foram vítimas de algum crime sexual em Minas Gerais, isso sem contar aquelas denúncias que, muitas vezes, não são feitas. Profissionais da área estão preocupados com o possível aumento da relação desses números, por causa do distanciamento social implantado devido à pandemia de Covid-19.

Em Minas Gerais, em 2019, 8.564 menores de idade foram vítimas de algum crime sexual. A crime mais comum registrado é o estupro de vulnerável.

O que caracteriza o abuso sexual

A cada dia, 17 crianças ou adolescentes são vítimas de abuso em Minas Gerais. Por definição, a violência sexual abrange todo “ato ou jogo sexual” em que os autores estão em estágio mais avançado de desenvolvimento psicossexual do que a criança ou adolescente, segundo a psicóloga Cris Aline Krindges. 

Cris Krindges atua como perita em Varas da Infância e Juventude e lida com casos de suspeita de abuso sexual contra crianças e adolescentes. De acordo com ela, “a prática tem por finalidade estimular sexualmente as vítimas ou utilizá-las para obtenção de satisfação sexual dos autores. Evidencia-se por meio de práticas eróticas e sexuais impostas às crianças ou aos adolescentes pela violência física, ameaças ou indução de sua vontade”.

nem todo ato de abuso tem o contato físico

A violência sexual engloba também diversos “tipos de ações que incluem contato físico com – ou sem – penetração. Abrange, ainda, situações de exploração sexual visando o lucro, tais como a exploração sexual e a exposição à pornografia”, relata a psicóloga. 

Porém, nem todo ato de abuso tem o contato físico. Também se enquadram como violência sexual, o voyeurismo – quando a pessoa gosta de observar a outra se despindo ou realizando atos sexuais – o exibicionismo e a produção de fotos, por exemplo. 

Aumento da violência com o isolamento

Os número de violência doméstica vêm crescendo significativamente com a quarentena. Neste período, muitas vezes sem poder sair de casa, as vítimas são obrigadas a conviver 24 horas com seus agressores. Isso não é diferente para o abuso infantil. 

“Como a maior parte dos abusos sexuais acontecem no âmbito familiar, a tendência é que essas crianças, que já sofriam ou que estavam sendo assediadas, possam vir a sofrer mais ainda”, aponta Cris Krindges. 

De acordo com dados do Disque 100 – o Disque Denúncia do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos – mais de 70% dos abusos contra crianças e adolescentes são praticados por alguém próximo à vítima. Podem ser pais, mães, tios ou avôs, por exemplo.

Com a quarentena, é necessário estar ainda mais atento às crianças e aos sinais de que algo possa estar errado dentro de casa. Levantamento do Disque 100 mostra que, no contexto de isolamento social, mais de 13 mil ligações são recebidas por dia. Destas, quase 500 envolvem denúncias de violência contra criança ou adolescente.

“A gente imagina que, se sobem os casos de violência doméstica como um todo, a gente pensa que inclui a violência sexual infantil… esse isolamento acaba sendo mais maléfico do que benéfico. Considerando também que, geralmente, é a própria família que agride nesse sentido”, pontua Alex Gordiano Barbosa, assistente social da Casa Lar, em São João del-Rei.

Dificuldade nas denúncias é uma realidade nacional

Ainda que os números de abuso sexual infantil sejam altos – mais de 17 mil foram registrados no Brasil só em 2018 – o país ainda sofre com a subnotificação. 

Existem muitos fatores que influenciam para que as denúncias não sejam feitas. A criança ou o adolescente pode demorar a perceber que foi vítima de abuso sexual ou pode ter vergonha do que aconteceu. Além disso, por grande parte dos agressores serem parentes, isso dificulta ainda mais o registro das denúncias. 

mais de 70% dos abusos contra crianças e adolescentes são praticados por alguém próximo à vítima

– expõe pesquisa do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

De acordo com a psicóloga Cris Krindges, as crianças e adolescente também “sofrem ameaças para não revelar o que ocorre”. “As ameaças são as mais diversas: ninguém vai acreditar em ti, tu vai ir pra um lar de crianças, vou te matar, vou matar alguém que tu ama, etc. O que normalmente se estabelece é uma relação de poder entre criança/adolescente e o/a adulto/a. Pode ser relação de poder físico, cronológico ou financeiro”, continua.

Tudo isso dificulta a queixa para esse tipo de crime. “Essa realidade é implícita na sociedade, é algo muito mais comum do que as pessoas imaginam. A gente sabe que a grande minoria dos casos são denunciados, os números são assustadores”, diz Alex Barbosa. 

De acordo com o assistente social que trabalha em uma Casa Lar – instituição de acolhimento para crianças e adolescentes – a subnotificação também atinge a organização. Normalmente, o número de crianças que chegam a esses lugares por problemas de abuso sexual não é muito grande. Porém, ao investigar os casos, os profissionais descobrem que, muitas vezes, esse tipo de violência está presente. 

Como reconhecer sinais de abuso sexual 

De acordo com a psicóloga Cris Krindges, mudanças bruscas de comportamento são o principal indicativo: por exemplo, uma criança com bom desempenho escolar, que tinha bons relacionamentos com amigos e familiares, sem nenhuma outra razão, passa a ter problemas de aprendizagem, demonstra irritabilidade nas relações, dificuldade para dormir, etc.

Nem toda vítima apresenta sintomas, no entanto, os mais comuns podem ser aspectos físicos – como lesão corporal, doenças sexualmente transmissíveis, fissuras vaginais e anais -, cognitivos – pesadelos, dificuldades de aprendizagem, paranóias -, e comportamentais – agressividade, baixo rendimento escolar, comportamento hipersexualizado, violência interpessoal. 

O perfil das vítimas 

Conforme dados da Polícia Civil, em Minas Gerais, 84,48% das vítimas de abuso sexual são meninas. A maior parte dos casos (cerca de 62%) acontece com crianças e adolescentes do sexo feminino, entre os 12 e 17 anos.

Quanto aos meninos, que representam 14,43% dos casos, a maioria dos abusos acontecem até os 11 anos de idade.

Crianças não são capazes de consentir 

Muitas vezes, o abusador tenta justificar o ato dizendo que a vítima consentiu. No entanto, na visão psicológica e jurídica, crianças “não têm maturidade e experiências de vida que possam dialogar ou compreender tais atos”, explica a psicóloga. 

De acordo com estudos da psicologia e da neurociência, a personalidade só acaba de ser formada por volta dos 21 anos. “Por vezes, a justificativa é de que há um relacionamento, ou que a vítima gosta ou ama o autor da violência. Isso pode ser considerado comportamento sedutor, em que alguém que tenha maturidade e experiências de vida para além do que uma criança ou adolescente, se usa disso, para então enganá-la em um relacionamento que envolvem atos sexuais, (o que é considerado crime)”. salienta Cris Krindges.

Pessoas que foram vítimas de abuso sexual na infância sofrem com diversos traumas na vida adulta. As consequências envolvem desregulação de humor, transtorno de estresse pós-traumático, transtornos de ansiedade, transtornos alimentares e também relacionado ao uso de drogas. 

Além disso, a perita reforça que essas vítimas podem desenvolver problemas com a vida sexual e até dificuldade de conseguir construir vínculos de confianças nas relações interpessoais.

A informação é a melhor forma de combate

No Brasil, muito ainda se discute sobre a educação sexual para crianças e adolescentes. Porém, é justamente a informação e a orientação que podem prevenir a ocorrência de abusos sexuais. É importante que, desde cedo, a pessoa saiba distinguir carinho de agressão. 

Pessoas que foram vítimas de abuso sexual na infância sofrem com diversos traumas na vida adulta

“Toda vez que falamos sobre o que é certo e errado no que diz respeito ao corpo da criança, estamos munindo ela de informações e possíveis estratégias de enfrentamento para prevenir um possível abuso sexual.”, explica a psicóloga Cris Krindges. 

Para ela, uma estratégia essencial seria a educação sexual nas escolas. Assim, é possível que as crianças e os adolescentes consigam entender a linha entre abuso e carinho e se sintam acolhidas para denunciar. 

Como denunciar

As denúncias de abuso infantil podem ser feitas pelo Disque 100. A pessoa ainda pode procurar o Conselho Tutelar da cidade, os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS).

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