Carol Rodrigues
Notícias Gerais
Mulheres de Barbacena se uniram para denunciar casos de assédio. Uma lista, com nomes de homens que teriam cometido os abusos, foi formada, nos últimos dias, e circula nas redes sociais, causando repercussão na cidade. Algumas pessoas mencionadas estão tomando medidas legais.
As denúncias relatadas incluem crimes de estupro, abuso, agressão física, verbal e psicológica. A lista que o Notícias Gerais teve acesso reúne nomes de 155 homens. Entre os citados, incluem-se docentes de instituições de ensino fundamental, médio e superior do município.
Mesmo com a grande movimentação no ambiente on-line, no entanto, denunciar formalmente crimes de violência sexual e doméstica é fundamental e ainda é muito difícil para as vítimas. A subnotificação dos casos é uma realidade em todo o país e acontece, entre outros fatores, por medo, falta de informação e também por ser difícil identificar algumas violências.
Há menos de um mês, uma ação semelhante ocorreu em São João del-Rei, localizada a cerca de 60 quilômetros de Barbacena. No Twitter, várias mulheres denunciaram casos de assédio praticados por moradores da cidade.
A lista de Barbacena, por sua vez, foi inspirada na hashtag #ExposedBh – compartilhada também no Twitter – que deu voz para que inúmeras mulheres contassem sobre abusos sofridos na capital mineira.
A barbacenense Lívia Mendonça compartilhou, com a tag, o relato de um estupro do qual foi vítima em BH e, logo depois, recebeu várias mensagens de apoio e de relatos de outras mulheres que foram encorajadas pela sua atitude.
“A partir daí, muitas meninas ‘criaram voz’, coragem… e mais tarde, no mesmo dia, eu recebi a lista do Exposed Barbacena com alguns nomes e percebi que as mulheres estavam se unindo”, conta a estudante.
Mulheres sofrem ameaças e estão com medo de oficializar as denúncias
Devido à repercussão do caso em Barbacena, muitas mulheres, que haviam relatado os abusos pelas redes sociais, citam que estão recebendo ameaças.
De acordo com outra fonte do Notícias Gerais, o medo de formalizar uma denúncia se instaurou entre as vítimas anônimas. Além disso, algumas mulheres temem até mesmo pela própria vida.
“Ontem eu estava cogitando ir na delegacia fazer uma denúncia, mas hoje eu perdi totalmente a coragem, porque a gente sabe como vítima é tratada”, relata uma das mulheres, que não quis se identificar, e ainda não teve o caso formalizado e apurado.
Lívia Mendonça também revela que, nos últimos dias, tem recebido ameaças. “Por eu ter ‘dado a voz’ para essas meninas e ser uma pessoa que levantou essa bandeira em Barbacena, as pessoas acreditam que eu que fiz a lista”, comenta.
A estudante lembra que o movimento começou por um aplicativo de mensagens, o WhatsApp. No entanto, ela está sem celular há três meses.
Ela indica que, juntamente com outras meninas, está reunindo materiais para formalizar as denúncias. “Estão tentando mais uma vez nos calar, infelizmente”, expressa.
“Todo o caso foi totalmente silenciado e transformado como se o objetivo fosse manchar a reputação dos homens em questão, mas o objetivo era alertar”
– defende uma das vítimas, que pediu para não ser identificada, pois teme por possíveis represálias.
Segundo essa fonte, a proporção que a situação chegou na cidade, o medo de não ser ouvida na delegacia e o temor das ameaças contribuíram para o receio em denunciar.
“Todo o caso foi totalmente silenciado e transformado como se o objetivo fosse manchar a reputação dos homens em questão, mas o objetivo era alertar”, defende a anônima.
Inicialmente, a intenção era que a lista circulasse apenas entre mensagens de WhatsApp, enviadas entre mulheres da cidade, para servir como forma de aviso sobre os homens e de dar voz para elas.
No entanto, o compilado de nomes também foi divulgado no Facebook. “Nas mão erradas, acabaram colocando nomes de pessoas que podem ser inocentes e estão com ‘nomes sujos’ por causa de pessoas que realmente fizeram mal a alguma das meninas”, opina Lívia.
Delegada faz apelo para que vítimas denunciem
A delegada Flávia Murta, responsável pela Delegacia da Mulher de Barbacena, pede para que as mulheres que foram vítimas dos crimes formalizem as denúncias para que os casos possam ser investigados.
“As mulheres, as vítimas, precisam vir para que a gente possa saber quem são elas. Nós não temos como saber quem são essas vítimas se elas não vierem à delegacia”, explica a delegada.
Para que os agressores possam ser investigados, é necessário que haja uma denúncia formal. “A melhor forma de a justiça alcançar esses autores é através da denúncia delas”, completa Flávia Murta, que exerce o cargo em Barbacena há dez anos.
As estatísticas de casos de violência contra a mulher sofrem com a subnotificação no Brasil e, em Barbacena, não é diferente. Muitas mulheres sentem medo e são coagidas a não denunciarem os casos de abuso dos quais foram vítimas, como está acontecendo com as barbacenenses do caso.
“Elas estão ficando caladas e estão sendo ameaçadas… então quer dizer que não é o silêncio delas que é a garantia da tranquilidade, da paz, é exatamente o contrário. Se elas estão sendo ameaçadas, é porque esses autores têm medo da polícia, têm medo da lei, têm medo da justiça. Se o silêncio fosse garantia de paz, elas estariam em paz agora”, reflete Flávia Murta.
O movimento em Barbacena começou como uma forma de alertar outras mulheres sobre os homens citados na lista, mas tomou proporções muito maiores. No entanto, de acordo com a lei, uma pessoa só é considerada culpada depois de dada a sentença sobre o suposto ato cometido.
Dessa forma, mulheres que participam movimentos como os de Barbacena e de São João del-Rei precisam tomar cuidado para que, no processo de contarem sobre suas dores e violências sofridas, não cometam outro crime. Os casos podem ser relatados nas mídias sociais, mas os agressores, conforme consta na legislação, não podem ser identificados.
“Nós temos que ter cuidado para que isso não extrapole o desabafo emocional para (se transformar em) algum cometimento de crime. Elas estão dando munição para os autores, para esse homens entrarem com uma ação contra elas e a gente não queria que acontecesse isso”, esclarece a delegada.
Homens citados procuram a Justiça
Alguns dos homens citados na lista pretendem iniciar ações jurídicas contra as mulheres.
Durante contato feito pelo Notícias Gerais, o advogado Rodrigo Genovês Varanda confirmou que está atuando no caso, mas não respondeu quantos nomes está representando.
Para ele, o movimento teve como objetivo, “exclusivamente, tentar manchar a reputação destas pessoas”. Segundo o advogado, ele e o sócio Matheus Rhemann trabalham com a defesa de que “os fatos ali imputados não ocorreram”.
Ainda nas palavras do advogado, serão tomadas medidas cíveis e criminais contra os autores do crime.
O que diz a lei
O crime de estupro, um dos delitos citados na lista, se encaixa na lista de crimes hediondos. São aqueles considerados de extrema gravidade e que recebem tratamento mais rigoroso. Os crimes hediondos são inafiançáveis e o agressor não pode receber nenhuma anistia ou indulto.
Caracteriza-se como estupro “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” (CP, art. 213, caput).
Com o “Pacote anticrime”, legado do ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro, implementado pelo governo federal em 2019, a divulgação de uma investigação nas redes sociais, antes de formalizada a acusação, passou a ser crime, inclusive quando efetivada por autoridade pública, conforme previsto no Artigo 38 da Lei de Abuso de Autoridade.
Tem que entrar mesmo.Tem provas?
Então os homens não podem ser perseguidos como faziam com os judeus na Alemanha.