Najla Passos *
Contam os mais velhos que nos tempos da Estrada de Ferro Minas D`Oeste (EFOM), a Estação de Barroso era parada obrigatória para quem seguia de São João del-Rei, Tiradentes, Prados ou locais ainda mais distantes para a gelada Barbacena. Era ali que os viajantes tomavam um café rápido para enfrentar o frio que os esperava na subida da serra. E quando a bebida demorava a ficar pronta, era comum ver os passageiros correndo a pé atrás da Maria Fumaça.
Essas ocorrências eram tão corriqueiras que a expressão “Café do Barroso” acabou se popularizando na região para indicar aquele cafezinho que demorava mais do que devia para ficar pronto. “Tá parecendo café do Barroso!”, diziam. O “causo mineiro” me foi contado por um leitor da coluna, o Guilherme de Almeida Irber, que mora em Brasília e o ouviu da sua tia-avó, uma religiosa de quase uma centena de anos que viajava muito pelo caminho de ferro. E ele retrata bem a importância da estação da memória afetiva local.
Construída em 1880, a estação de Barroso foi o destino final da EFOM até o ano seguinte, quando D. Pedro II inaugurou a de São João del-Rei. E teve uma importância fundamental no desenvolvimento do Brasil: foi a ponta de lança para o escoamento do cimento que sustentou e sustenta grandes obras. Foi da Estação de Barroso que saiu, por exemplo, grande parte da matéria-prima usada na construção da faraônica Usina de Itaipu, na fronteira do Brasil com o Paraguai.
Maior hidrelétrica do mundo, Itaipu foi um projeto da ditadura Militar que começou a ser idealizado em 1966 e teve sua construção autorizada em 1973, em um tratado diplomático assinado pelo Brasil e pelo Paraguai. A Companhia de Cimento Portlad, de Barroso, foi uma das fornecedoras da obra. O cimento era transportado pela Maria Fumaça, na linha de ferro de bitola de 0,76 metros, até o destino final da EFOM, em Aureliano Mourão. De lá, seguia nos cargueiros da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) até Maringá (PR), de onde era levado em caminhões para Itaipu.
Nos dez anos em que durou a obra, Barroso cresceu economicamente de forma muito rápida. E a estação era um dos pontos de maior movimento da cidade, com sua balança de locomotivas e vagões, cercada pelas casas dos ferroviários. Até que em 1983, com a inauguração da usina, o tráfego ferroviário cessou na EFOM. Vez ou outra os moradores ainda podiam matar as saudades da Maria Fumaça com a circulação dos trens turísticos que, fretados por gringos alemães e ingleses, ainda cortavam aquele trecho.
Em 1984 a ditadura encerrou as atividades da linha férrea por completo. Em dezembro daquele ano, a Locomotiva 68 passou pela cidade com os trabalhadores que arrancaram os trilhos de bitola 0,76 metros. Memória triste para a região. E sem o trem circulando na “Cidade do Cimento”, a estação de Barroso entrou em uma fase de declínio e abandono. No seu entorno, se estabeleceu um lixão. A velha estação decadente, foi depredada, destruída. E assim permaneceu por três décadas.
Até que uma família em vulnerabilidade social a ocupou e passou a usá-la como lar, com o consentimento do poder público. Os filhos do casal originário cresceram, casaram, também tiveram seus filhos… e hoje vivem todos na Estação. São três famílias em situação de vulnerabilidade social convivendo no espaço de memória e história de Barroso. Uma delas, inclusive, já fez até um “puxadinho” no prédio, prejudicando suas características arquitetônicas originais.
A luta pelo tombamento
Secretária de Cultura e Turismo de Barroso, Ariane Figueiredo conta que em 2003 houve uma tentativa de tombamento da edificação, prejudicada por pendências que envolviam seu entorno. “O processo englobava casas particulares que dependiam também da anuência de todos os proprietários, o que não houve”, esclarece ela que, desde que assumiu o cargo, voltou a encampar o projeto.
Há dois anos, o município reapresentou o processo de tombamento ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). “Várias questões do processo de tombamento foram sanadas, como levantamento arquitetônico, laudo de estado de conservação e pesquisas históricas. Ainda restaram algumas readequações, da parte documental, que serão enviadas agora em novembro de 2020 para a conclusão do processo”, afirma.
Para a secretária, o tombamento da estação histórica vai ajudar a fomentar o turismo em Barroso, além de resgatar a memória da cidade. “Quando for aprovado o processo de tombamento, o bem passará a gerar recursos para o município aplicar na sua conservação. Esta gestão está abraçando a ideia do tombamento e quer transformar a estação em um bem cultural do município”, garante.
Bem para uso comum ou privado?
Ariane, que acumula também o cargo de secretária municipal de Desenvolvimento Social, possui uma visão bastante humanista da ocupação do prédio da estação pelas famílias em vulnerabilidade. De acordo com ela, isso não prejudica em nada o tombamento do patrimônio. “O tombamento não interfere nos valores de uso. Um bem tombado pode servir de moradia, desde que regularizado e normatizado, de modo que não traga danos ou riscos para o imóvel”, explica.
Entretanto, não concorda com o encaminhamento dado pela administração anterior e tem planos diferentes para a destinação da estação, tão logo seja concluído o processo de tombamento. “Nosso objetivo é que aquele seja um espaço destinado à cultura e à preservação da história do município. É um patrimônio cultural da cidade. Mas queremos fazer isso respeitando as limitações das famílias e alojando-as da melhor forma possível”, sustenta.
De acordo com ela, há outras alternativas para garantir moradia para os atuais ocupantes da estação que, segundo atesta, são pessoas bacanas e sensíveis o suficiente para aceitarem algum tipo de negociação. “A gente tem o benefício eventual do aluguel social. A Prefeitura tem lotes, tinha até mais à época, e poderia ter construído uma moradia para que esta família não precisasse ocupar um patrimônio histórico. Foi uma solução imediatista”, avalia.
Para a secretária, conversando, é possível chegar a um resultado bom para todos. “A nossa inciativa é de mudar a vida dessas famílias, dando a elas toda integridade necessária, e também dar ao município este bem tombado, este patrimônio histórico, fazendo dele um centro cultural bem grandioso. E isso tudo feito de comum acordo com elas. Não estamos aqui para punir, pra tirá-las de lá e nem para denegrir a imagem delas. Não é esse nosso objetivo”, ressalta.
* Najla Passos é mineira, jornalista, mestra em Linguagens e Literatura Brasileira e diretora-executiva do Notícias Gerais. Publica a coluna Trem de Minas todos os sábados.
Bom dia Sra Ariane
agradeço a inclusão de minha foto, com o trem em Barroso. Só um detalhe. A foto é de 1981! no centenario da EFOM.
Abraços
Caro Alberto!
A seleção e inclusão da foto foi feita pela reportagem do Notícias Gerais. Agradecemos demais pela informação, que já será corrigida!