Najla Passos
Da Editoria
A vida da brasileira Mirticeli Medeiros, 35 anos, mudou completamente no dia 10 de março, quando a Itália decidiu declarar todo o país como zona vermelha para o Covid-19 e adotar o isolamento total. Há 7 anos em Roma, ela trabalha como jornalista, cobrindo o Vaticano, e faz doutorado em História, na Universidade Gregoriana. O trabalho passou a ser em home office, as aulas foram suspensas e os cafés e jantares com amigos, adiados sem prazo definido.
“Minha vida mudou da água para o vinho. Não podemos sair de casa sob nenhuma justificativa, a não ser ir ao supermercado e à farmácia. Eu não posso visitar um amigo, um familiar, buscar alguém no aeroporto. A gente sai com uma declaração de casa, atestando onde nós moramos e onde nós estamos indo”, explica.
A jornalista conta que, se a Polícia pegar alguém circulando pela cidade sem autorização prévia, o problema é grande. “Se a Polícia te pega rodando por aí, pode te denunciar, te multar e até te prender, em último caso. Aconteceu hoje com um amigo que tentou ir ao banco. Ele foi abordado pela Polícia e teve que voltar pra casa sem sacar o dinheiro”, relata.
“Se a Polícia te pega rodando por aí, pode te denunciar, te multar e até te prender, em último caso. Aconteceu hoje com um amigo que tentou ir ao banco. Ele foi abordado pela Polícia e teve que voltar pra casa sem sacar o dinheiro”
Milhares de mortes
A Itália registra 16,5 mil mortos por Covid-19, de um total de 132,5 mil casos confirmados, até a tarde desta segunda (6). Mas antes da situação ficar assim tão dura, Mirticeli afirma que os italianos não acreditavam na letalidade da doença, assim como ainda não acreditam muitos brasileiros.
“Quando nós começamos a receber as notícias, em fevereiro, aconteceu mais ou menos o que está acontecendo no Brasil agora. As pessoas não acreditavam que a Itália pudesse chegar ao que vemos hoje”, compara.
De acordo com a jornalista, os próprios governantes minimizaram a situação. Quando apareceram alguns casos na Lombardia, mais precisamente na cidade de Codonha, que foi o primeiro foco da pandemia na Itália, “o país continuava totalmente despreocupado”.
“Alguns infectologistas tentavam tranquilizar as pessoas, dizendo que a situação estava sob controle, de que o sistema sanitário italiano iria suportar a demanda etc. Começou assim”, alerta.
“Quando nós começamos a receber as notícias, em fevereiro, aconteceu mais ou menos o que está acontecendo no Brasil agora. As pessoas não acreditavam que a Itália pudesse chegar ao que vemos hoje”
A voz da ciência
Para Miticeli, o brasileiro precisa dar atenção ao que dizem os cientistas que estudam a pandemia. “O Brasil precisa escutar mais a ciência. E a ciência pede que nós sigamos estas restrições, justamente porque se sente insegura diante de um vírus, diante de um mal desconhecido”, avalia ela, lembrando que ainda não há vacina para o Covid-19 e, também, que ainda não se sabe quais serão as possíveis mutações do vírus.
A jornalista reforça que, na Itália, a maioria dos mortos são pessoas que integram o chamado grupo de risco: idosos e pessoas com doenças pré-existentes. Entretanto, ressalta que há registros de mortes de jovens também.
“Há pelo menos três casos de jovens de 33, 35 anos, que morreram sem apresentar nenhum quadro de uma outra doença pregressa. É algo que a gente não pode prever, nem tomar nenhuma medida. É complicado averiguar quem pode ou não pode morrer”, aleta ela.
“O Brasil precisa escutar mais a ciência. E a ciência pede que nós sigamos estas restrições, justamente porque se sente insegura diante de um vírus, diante de um mal desconhecido”
A palavra de ordem é prevenção
Por isso, ela afirma que hoje, com todas as mortes já registradas, a palavra de ordem na Itália é prevenção. “Nós ficamos em casa para nos proteger e para proteger aqueles que nós amamos, para proteger os idosos”, justifica.
E elogia o papel do presidente da Itália, Sergio Mattarella, que entendeu a importância da consciência de cada um na luta contra o vírus. “Ele tem convocado os italianos para vivenciarem este espírito de solidariedade, para que não sejam egoístas, para que juntos nós possamos derrotar este vírus, como ele sempre faz questão de dizer. Um chefe de Estado tem que incentivar este espírito de colaboração”, afirma.
“Nós ficamos em casa para nos proteger e para proteger aqueles que nós amamos, para proteger os idosos”
Isolamento na Itália e no Vaticano
Mirticeli lembra que incialmente, o confinamento foi convocado para até 3 de abril. Como a situação continua grave, foi prorrogado até 13 de abril. “Certamente, pelo que estamos vendo por aqui, a quarentena deve se estender anda mais. A Proteção Civil já diz que pode se estender até maio ou pelo menos até que a curva epidemiológica comece a cair”, ressalta.
A jornalista destaca que, tal como o governo italiano, o Vaticano – que está geograficamente localizado em Roma, mas é um Estado à parte – também acatou imediatamente as orientações dos cientistas pelo isolamento. “O Vaticano foi um dos primeiros a iniciar a celebração de missas pela internet e a respeitar as normas de distanciamento estabelecidas pelo governo da Itália”, conta.
Segundo ela, os funcionários do Vaticano estão trabalhando em home office, assim como os italianos. “O Vaticano tem seguido as recomendações do governo italiano, embora seja um Estado à parte”, garante.
“O Vaticano tem seguido as recomendações do governo italiano, embora seja um Estado à parte”