Assessoria de Comunicação da UFSJ
A professora do Departamento de Ciências Sociais (Decis) da UFSJ, Sílvia Brügger, escreveu o prefácio do novo livro sobre um dos grandes ícones da música e da cultura popular brasileira, a cantora Clara Nunes (1942-1983). Clara Nunes: nas memórias de sua irmã dindinha Mariquita, co-autoria de Josemir Nogueira Teixeira, terá lançamento virtual neste sábado (27), às 15h30, no Instagram @claranunesumserdeluz, seguido de bate-papo entre o autor e o historiador Rafael Teodoro.
Além de ser uma nova fonte de conhecimento e pesquisa sobre uma das artistas mais emblemáticas do samba, o livro é, segundo Sílvia Brügger, um “registro de memórias”. A obra é baseada numa série de entrevistas feitas pelo autor com a irmã mais velha de Clara Nunes, Maria Gonçalves da Silva, a Mariquita, falecida há três anos. “Não é uma pesquisa histórica ou mais uma biografia, mas o relato de uma pessoa que viveu muito próxima, que foi praticamente a mãe dela, pois Clara ficou órfã muito cedo”, explica a professora da UFSJ. A partir de entrevistas feitas em Caetanópolis (MG), Josemir construiu seu texto, aproximando as temáticas que surgiram nas longas conversas gravadas com Dona Mariquita.
Pesquisa e extensão
Toda a arrecadação com a venda do livro será revertida em favor do Instituto Clara Nunes, entidade que administra o Memorial da cantora em Caetanópolis, onde está exposto o acervo pessoal da artista mineira. A construção e implantação desse centro de memória foi decorrência das pesquisas e do projeto de extensão coordenado pela professora Sílva Brügger.
Muito interessada pela vida e obra de Clara Nunes, como fonte de pesquisa histórica, Sílvia começou a ter contato com os familiares da cantora em 2003, sobretudo com a irmã mais velha, que guardava, com muitas dificuldades, o acervo de Clara, principalmente roupas, documentos e objetos.
Dois anos mais tarde, “depois de idas e vindas a Caetanópolis”, Sílvia iniciou um projeto de extensão, que buscava catalogar o acervo, visando à implantação de um espaço de pesquisa e memória. O projeto tomou corpo e cumpriu seu objetivo maior: a implantação de um centro de memória que reúne rico acervo para pesquisadores e admiradores. “Atualmente, o Memorial passa por dificuldades de manutenção, não temos ajuda do poder público local, e o livro vem numa hora feliz, pois poderá gerar recursos para o espaço ser mantido de forma mais satisfatória”, avalia.
Mineira Guerreira
Não se pode falar do samba no Brasil sem tratar de Clara Nunes. Nascida no Cedro, distrito de Paraopeba, hoje Caetanópolis, Clara era filha de um violeiro e se mudou muito nova para a capital mineira, onde trabalhou como operária numa fábrica de tecidos. Nas horas vagas, cantava na noite e participava como “caloura” de programas de rádio, até que venceu um concurso estadual da Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte, o que marcou o início de seu sucesso. Mudou-se para o Rio de Janeiro e, depois de muitas dificuldades, foi galgando seu espaço até se tornar uma das mais importantes cantoras do país.
Fez parcerias musicais e conviveu com importantes nomes do samba e da MPB, como Cartola, Paulinho da Viola, Vinícius de Moraes e Chico Buarque. Após uma carreira vitoriosa, faleceu prematuramente, mas se transformou num ícone musical. Seu repertório é sempre gravado por artistas atuais e, no ano passado, sua escola de samba do coração, a Portela, pela qual desfilava, apresentou como enredo sua vida e obra.
Em 2008, Clara Nunes e o Brasil mestiço foi tema do Inverno Cultural da UFSJ. Por meio de uma série de eventos, as reflexões suscitadas por sua arte foram tratadas pelo festival. “Aquele Inverno Cultural foi um marco para a família dela, para todos nós. E uma aprendizagem para o nosso projeto de extensão. Naquele momento, todos perceberam a dimensão e a importância do acervo Clara Nunes para a cultura brasileira”, relembra Sílvia.
Como comprar
A venda do novo livro será feita, inicialmente, apenas pela internet, com entrega pelos Correios. O endereço para aquisição é https://www.institutoclaranunes.com/.
Leia o prefácio do livro
Numa das muitas tardes que passamos com Dona Mariquita em Caetanópolis, realizando trabalho de conservação do acervo Clara Nunes, ela nos chamou – a mim e a Josemir Nogueira Teixeira – para conversar, numa sala do Centro Espírita Paulo de Tarso. O ano era 2006. Dia e mês se perderam nas teias da memória. Mas seu desejo se tornou um compromisso: ela queria registrar em livro suas recordações do que vivera com sua irmã Clara Nunes. Ela nos dizia: “Se tanta gente pode escrever sobre Clara, por que eu não posso?” Da pergunta nasceu a parceria que hoje se materializa em livro.
Na ocasião, já desenvolvíamos, há alguns anos, um trabalho de extensão, sob minha coordenação, junto à Universidade Federal de São João del-Rei, para conservação do riquíssimo acervo da cantora Clara Nunes. A construção de um memorial que pudesse alojá-lo e expô-lo de forma adequada era ainda um projeto pelo qual se trabalhava em equipe.
A conversa com Dona Mariquita era com certeza fruto da confiança que ela desenvolveu por nós ao longo dos anos de convivência. Por outro lado, concretizava o sentido da extensão universitária, aquela calcada na parceria entre academia e sociedade, um exercício de autoridade compartilhada, de encontro de saberes.
Dentre os membros de nosso grupo, Josemir Nogueira Teixeira era, sem dúvida, a pessoa mais indicada para passar para a forma escrita as narrativas orais de Dona Mariquita. Poeta e filósofo, procurou respeitar o vigor e o afeto de cada palavra dita. Montou roteiros para as entrevistas, mas a sensibilidade foi seu principal instrumento para estimular as lembranças e respeitar os silêncios. Depois de muitas fitas gravadas e transcritas, dedicou-se à difícil tarefa de organizar as narrativas em blocos temáticos.
O livro, porém, não é resultado apenas da parceria de Josemir e Dona Mariquita. Como tudo que fizemos até hoje no trabalho com o acervo Clara Nunes e na construção do Memorial, ele é fruto do trabalho coletivo. Marlon Silva ajudou nas entrevistas e transcrições, além de realizar minuciosa pesquisa para a seleção das fotos que acompanham o texto. Tayane Oliveira e Elaine Cristina Ferreira transcreveram entrevistas. Daniel Saraiva participou de coleta de depoimentos. Alan Carlos sempre providenciou o que fosse necessário para minimizar os efeitos da distância entre São João del-Rei e Caetanópolis. Assim, Josemir Nogueira Teixeira, co-autor do livro, o é pelas suas qualidades de escritor e filósofo, e por ser parte de um grupo, quase todo de historiadores, no qual se destaca como o que melhor consegue colocar em palavras nossos sentimentos e ideias.
De Dona Mariquita – Maria Gonçalves da Silva – o que dizer? Irmã mais velha de Clara, que a criou desde os quatro anos de idade. A Dindinha, como Clara aprendeu a chamá-la e amá-la. A ideia que me ocorre para descrever não a pessoa de Dona Mariquita, mas o seu papel em relação aos legados da irmã famosa, é a de uma guardiã de memórias. Memórias materializadas em objetos que hoje formam o acervo do Memorial Clara Nunes, mas que por muitos anos foram cuidados, sobretudo, em razão do sentimento que a unia à sua irmã caçula. Hoje, esses objetos que ela cuidou, com a ajuda de amigas, como Maria Dorvalina Teixeira da Costa (Dôia) e Sylvia Maria Salles da Silveira, permitem a quem visita o Memorial ou pesquisa em seu acervo, refletir sobre questões importantes da história e da cultura brasileira.
Se o Memorial ampliou para o público a dimensão dos objetos guardados em função do significado afetivo-familiar, esse livro cumpre o mesmo papel em relação às memórias nele narradas. Casos de família, experiências vividas em comum, confidências entre irmãs. Tudo contado com muito afeto nas palavras de sua autora. Como dizia Dona Mariquita, sobre Clara Nunes muito se escreveu. Eu mesmo, Silvia Brügger, publiquei diversos artigos, no campo da História, sobre a cantora, sua obra e a relação com a cultura brasileira. Mas esse livro não é mais uma publicação sobre Clara. Esse livro é um testemunho de sua irmã. É o que ela quis dizer da vivência e do afeto que nutriam. Aqui não se romanceia sobre o vivido nem se colocam palavras em bocas que não as proferiram. Também não se intenta qualquer tipo de análise. Simplesmente narra-se o que os anos e os sentimentos cravaram na experiência comum das duas irmãs. Uma se tornou famosa, entoou pelo mundo sua voz e seu canto, mas continuou a ser para a outra, a Clara Francisca, com quem experimentou alegrias e dores.
A memória não é menos verdadeira do que a história, nem vice-versa. Cada uma a seu modo lida com o passado e o retoma no presente. Este livro é, portanto, um registro de memórias, uma narrativa na primeira pessoa, contada por sua autora. Contada do seu jeito, com seus valores e com a sua verdade.
No texto, não há atribuições, supressões de lacunas ou de hesitações. O que o leitor irá encontrar nas próximas páginas são as palavras, os sentidos e sentimentos de sua autora. Um livro como ela quis que fosse escrito e que ela aprovou antes de desencarnar.
Silvia Maria Jardim Brügger
Historiadora, professora da Universidade Federal de São João del-Rei