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RADIOGRAFIA DA CRISE: INOPERÂNCIA DA PREFEITURA DE SJDR DEIXA SETOR TURÍSTICO À MERCÊ DE DECISÕES INDIVIDUAIS

Com a inoperância da Prefeitura e das entidades de classe, comércio de São João del-Rei começa a fechar as portas por conta própria. (Imagem: Guilherme Guerra)

Guilherme Guerra
Especial para o Notícias Gerais

O turismo está na base da sustentação econômica de São João del-Rei. A estimativa é que, a cada ano, cerca de 20 mil turistas visitam a Cidade dos Sinos, seu conjunto arquitetônico, e sua cultura. O período de maior movimento é a Quaresma, especialmente na Semana Santa, que preserva celebrações centenárias do rito cristão. Neste ano, em decorrência da pandemia mundial de coronavírus, a cidade enfrenta o desafio de escolher entre incentivar o turismo que move sua economia ou proteger a saúde de sua gente. 

Hotéis, pousadas e restaurantes já sentem a diminuição do fluxo de turistas, causando uma desaceleração do setor. O tradicional passeio de Maria Fumaça, que vai até Tiradentes, está suspenso por tempo indeterminado. A Diocese de São João del-Rei já decretou uma série de medidas para salvaguardar a vida e saúde dos fiéis. No decreto histórico, a Igreja suspendeu casamentos, batizados,  liberou os católicos da participação das missas dominicais, entre outras alterações nos ritos quaresmais.

Oração, penitência, caridade e bastante cuidado

Durante a Quaresma, os católicos rememoram o período em que Jesus ficou 40 dias no deserto jejuando e resistindo às tentações. Neste ano, além de refletir e orar, os fiéis de São João del-Rei são convidados a estar reclusos e acompanhar as missas por rádio ou transmissão ao vivo nas redes sociais. A caridade maior se tornou o cuidado com a vida. 

Em entrevista, o vigário geral da Diocese de São João del-Rei, padre Geraldo Magela, anunciou o cancelamento de todas celebrações paralitúrgicas da Semana Santa que ocorrem em ambientes externos. 

Ritos tradicionais como a Procissão de Ramos e do Triunfo, o Descendimento da Cruz, o ritual de Lava Pés e a Procissão do Santíssimo Sacramento estão suspensos. As celebrações, como a Missa de Páscoa, serão realizadas internamente, contando apenas com a presença do sacerdote e de seus auxiliares. 

O padre ressaltou a importância de se estar recluso neste momento, se preservando: ‘‘As pessoas devem ficar em casa, na sua própria cidade, não é momento de movimentação. As autoridades têm insistido nisso, que cada um fique em casa, principalmente os dos grupos de risco. Isso é muito sério, não é hora de brincar. Não estamos espalhando pânico, só chamando a responsabilidade”, alertou.

‘‘É uma coisa que nunca passei na vida. As pessoas mais velhas que conheço, que viveram o período da Guerra, me disseram que nunca viram algo assim. Optei por baixar as portas do meu estabelecimento para dar segurança pra mim, minha família, clientes e colaboradores’’

Hamilton Daniel Vieira, empresário
O BartAteliê, que reúne de 150 a 350 pessoas na tradicional Rua da Cachaça, já fechou suas portas. (Imagem: Guilherme Guerra)

Ruas esvaziadas e comércio fechando (por conta própria)

Andando pelas ruas da cidade, é possível sentir um clima estranho e agoniante no ar. Passando pelo calçadão da Rua Marechal Deodoro, onde algumas lojas já estão fechadas e o fluxo de pessoas menos intenso, um transeunte me diz: ‘‘Nunca vi isso na minha vida, as pessoas estão com medo. Viver ficou complicado!’’. 

Proprietário do Restaurante Pelourinho há 30 anos, Tadeu Cláudio Pires, relata o momento como crise inédita. O comerciante, que estava retirando caixas do estabelecimento no momento da entrevista, decidiu fechar as portas até que a situação melhore. em outras palavras: sem previsão de retorno. ‘‘Estamos receosos, mas entendemos que é para o bem de todos. A gente se resguardando e nos preservando dentro das nossas casas, é a melhor alternativa”, justifica.

O empresário Hamilton Daniel Vieira, que estava lendo um aviso de fechamento por tempo indeterminado na porta de uma loja, comenta: ‘‘Isso é sabedoria’’. No fim da semana passada, o empresário decidiu fechar as portas do Barteliê, para evitar aglomerações. Tradicionalmente, nas quartas-feiras, seu bar recebe um público que flutua entre 150 e 350 pessoas.

‘‘É uma coisa que nunca passei na vida. As pessoas mais velhas que conheço, que viveram o período da Guerra, me disseram que nunca viram algo assim. Optei por baixar as portas do meu estabelecimento para dar segurança pra mim, minha família, clientes e colaboradores’’. O empresário disse que vai buscar novas alternativas, como o serviço de delivery, para enfrentar a crise e conseguir ajudar a suprir um possível desabastecimento. 

‘‘Se falta trabalho, falta dinheiro. Eu vou continuar, tenho que descer pra trabalhar, sou o arrimo da minha família. Não sei quando vai aparecer um turista, mas tô (sic) aqui. se eu ficar de braços cruzados, como que vou fazer?”

Ronaldinho Uai, guia turístico
Ronaldo Heitor do Nascimento, o Ronaldinho Uai, guia turístico com 28 anos de experiência.
(Imagem: Guilherme Guerra)

Inoperância e indecisão do poder público e das entidades de classe

Os dois comerciantes citados acima se anteciparam à relutância do poder público e dos órgãos representativos da classe empresarial são-joanense em tomar uma medida mais drástica – e mais responsável – para enfrentar a pandemia. Ao contrário da capital Belo Horizonte e de cidades vizinhas com Tiradentes, Santa Cruz de Minas, Carrancas, Resende Costa e São Tiago, dentre outras, a Prefeitura de São João del-Rei insiste em não suspender a atividade comercial no município. 

O Sindicato do Comércio de Bens e Serviços de São João del-Rei (Sindcomércio SJDR) chegou a propor a redução da jornada de trabalho, com redução proporcional dos salários, mas voltou atrás e decidiu seguir o decreto da Prefeitura. A Associação Comercial e Industrial de São João del-Rei não se pronunciou sobre o assunto. 

Até o fechamento desta reportagem, a Secretaria de Turismo não havia respondido os questionamentos do Notícias Gerais, enviados desde a terça (17). A ACI também foi procurada pelo site no decorrer da semana, mas não respondeu aos questionamentos feitos até o fim da tarde de sexta (20).

‘‘Vinte e cinco dos nossos apartamentos já estavam alugados, com metade dos pagamentos já feitos. Tivemos que cancelar e devolver todo o dinheiro. Nos feriados de 21 de abril e de 1º de Maio, a ocupação do hotel estava completa, e agora está zerada’’

Joel Dornellas da Silva, gerente do Hotel Lenheiros
Joel Dornellas da Silva diz que o momento é de caos, mas mantém a esperança em dias melhores.
(Imagem: Guilherme Guerra)

Ocupação de hotéis e pousadas despencam 

Gerente do Hotel Lenheiros há 22 anos, Joel Dornellas da Silva diz que já enfrentou outros momentos difíceis, mas não nessa proporção. Em época de Semana Santa, a ocupação do hotel era de 100%, mas com a pandemia do Covid-19, a previsão é que os 32 quartos do hotel fiquem vazios.

‘‘Vinte e cinco dos nossos apartamentos já estavam alugados, com metade dos pagamentos já feitos. Tivemos que cancelar e devolver todo o dinheiro. Nos feriados de 21 de abril e de 1º de Maio, a ocupação do hotel estava completa, e agora está zerada’’, lamenta. 

O gerente admite que o momento é de caos, mas mantém a esperança em tempos melhores pós-crise. ‘‘Primeiramente, estamos pensando nos nossos funcionários e em suas condições de trabalho. Daqui pra frente, vamos parar e planejar pra ver o que vamos fazer após essa situação. Nós temos a necessidade de pensar positivamente’’, ressaltou. 

Gilcimar de Freitas Oliveira, recepcionista da pousada Vila Magnólia, afirma que a situação por lá não é muito diferente. Antes de abrir a planilha de reservas, o funcionário acerta a máscara no rosto, esteriliza suas mãos com álcool em gel e diz que a média de ocupação da pousada está próxima aos 20%, com as diárias oscilando conforme o tempo passa. Na quinta (19), somente cinco pessoas, incluindo dois estrangeiros, estavam hospedados na pousada. 

Antes de abrir a planilha de reservas, o funcionário acerta a máscara no rosto, esteriliza suas mãos com álcool em gel e diz que a média de ocupação da pousada está próxima aos 20%, com as diárias oscilando conforme o tempo passa.

Gilcimar de Freitas Oliveira, recepcionista da pousada Vila Magnólia. (Imagem: Guilherme Guerra)

‘‘Se falta trabalho, falta dinheiro’’

Sentado na praça em frente ao hotel, estava Ronaldo Heitor do Nascimento, o Ronaldinho Uai, guia turístico com 28 anos de experiência. Morador do bairro Senhor dos Montes, Ronaldo afirma que o fluxo de seu trabalho já caiu 90%. Cheio de fé, diz que entregou seu ganha-pão nas mãos de Deus: ‘‘Olha, meu amigo, a verdade é que se continuar desse jeito, você come hoje e não sabe se vai comer amanhã. Mas vai melhorar!’’. 

Ronaldinho Uai lamenta, mas afirma que mesmo com o risco de se estar nas ruas, lidando com turistas que vêm de diferentes lugares, vai continuar trabalhando: ‘‘Se falta trabalho, falta dinheiro. Eu vou continuar, tenho que descer pra trabalhar, sou o arrimo da minha família. Não sei quando vai aparecer um turista, mas tô (sic) aqui, mas se eu ficar de braços cruzados, como que vou fazer? Não vou comer, não vou beber, não vou fazer nada. Tendo dinheiro pra um arroz com feijão e angu, tá bom. Mas se tiver um frango… ô glória!’’  

Indefinição sobre os restaurantes populares

A inoperância da Prefeitura em decidir como lidar com a crise chega também aos restaurantes populares, terceirizados pelo poder público municipal. Auxiliares de cozinha no restaurante popular do centro, Flávia Jacques da Silva e Tamires Cristina Dias Coelho, afirmam que estão preocupadas por tudo que anda acontecendo e pela crescente diminuição do movimento do restaurante. 

Até então, a continuidade ou não do atendimento do restaurante não está definida pela empresa terceirizada responsável por mantê-los. Pelo menos, tomou algumas medidas de proteção e higienização do ambiente já foram tomadas. Para a compra de marmitex, a entrada de pessoas foi restringida e as cadeiras do estabelecimento foram afastadas entre si em 1 metro, o que reduziu a capacidade máxima do local para 23 pessoas.

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