Início Opinião Crônica TROCAS: OBSERVAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO ENTRE AVÓS E NETOS

TROCAS: OBSERVAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO ENTRE AVÓS E NETOS

Luísa Meinberg de A. Firmino *

Sentei-me no sofá para ter um momento de contemplação após aquele típico almoço farto de domingo, sentindo a brisa vinda da rua, já que a porta da sala da casa de Voinha estava aberta. Nessa dinâmica do começo de tarde calorento que costuma acontecer nos meses de verão, eu me deparei com a cena do meu afilhado de 4 anos ensinando a avó de 70 como pesquisar músicas e novelas pelo YouTube.

Ele não sabe ler, tampouco escreve nada além do próprio nome, em letrinhas tortas e trêmulas, mas ele sabe como procurar qualquer tipo de assunto na internet. A minha avó sabe ler e escrever, fazer comida, costurar, faz várias tarefas bancárias, mas não conseguia pesquisar na internet até ele ensiná-la.

Essa visão me remeteu a uma frase de Paulo Freire: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens educam-se entre si, mediatizados pelo mundo”. Para além de professores e alunos, eu vejo essa frase se aplicar na educação entre avós e netos.

Eu me lembro do meu avô me ensinar a contar moedas e diferenciar as cédulas de dinheiro, depois foi eu que ensinei a ele, meio a contragosto e vergonha, que ele não deveria deixar as crianças irem na mercearia da esquina pegarem doces, balas e chocolates “fiado” no nome dos mais velhos.

A pandemia e a convivência constante que ela proporcionou a muitos jovens que tiveram de voltar para casa dos pais ou avós trouxe à tona reflexões sobre essas trocas de conhecimento entre idades e como estão resguardadas por um respeito mútuo.

Como a educação das crianças durante esse tempo de quarentena foi destinada em maioria aos pais, é mais fácil entender os processos pelos quais não só elas, mas também os professores passam. As transformações sociais ocorridas dentro dos primários da escola, para além da questão da aprendizagem, passaram a ser movidas pelos educadores de casa, se essas pessoas não tiverem noções de diversidade e de incentivo bem definidas, essas crianças sendo educadas dentro da pandemia também não o terão.

Me lembro de uma fala de Rubem Alves em uma entrevista: “Quando você usa a palavra fezes, uma criança não se interessa, fica científico, então você pode optar pela palavra cocô”, e usando explicações simplificadas ele conseguiu mostrar uma forma educativa de explicar um problema ambiental para crianças.

Meu afilhado, por exemplo, é ambidestro e quando questionado deu uma explicação bastante prática, ele disse que gosta de escrever com as duas mãos, pois assim se cansa pouco, então pode variar. Ele também ensinou à mãe que os animais podem ter cores diversas, ela não sabia que os porcos, por exemplo, podem ser marrons. Dentro desse diálogo, se ela não desse liberdade para ele expor como os animais podem ter cores que os adultos desconhecem, ela o teria dito para colorir o porco na cor rosa e teria morrido ali a ideia de que os animais podem ser diferentes do comum.

“A curiosidade, a construção dos pensamentos e ânsia por respostas coloca os pequenos num patamar de educadores também, eles não têm muito medo do enfrentamento, de dizerem a verdade e absorverem atentos a tudo que lhes dizemos e a partir disso construírem também sua visão de mundo”

A curiosidade, a construção dos pensamentos e ânsia por respostas coloca os pequenos num patamar de educadores também, eles não têm muito medo do enfrentamento, de dizerem a verdade e absorverem atentos a tudo que lhes dizemos e a partir disso construírem também sua visão de mundo. Acabamos por ficar admirados quando crianças demonstram algum conhecimento sobre temas que costumamos presumir que elas não sabem. E além disso, elas veem nos adultos educadores que têm certeza do que estão dizendo e fazendo, mal sabem elas que quando crescemos continuamos a entender pouco das coisas, mas, apesar disso, não temos a coragem delas de perguntar os porquês.

Nós, enquanto adultos, acabamos tendo que escolher onde descarregar a energia, onde focar o aprendizado, um pouco é porque ficamos sem tempo ou vontade de perguntar as respostas de coisas que não sejam de importância imediata, tendo de trabalhar, estudar ou pode ser só porque fechamos um pouco os olhos da imaginação.

Aos avós tem-se resguardado o lugar do respeito, a maioria detém saberes práticos e pouco teóricos, se colocados os conhecimentos acadêmicos em via de comparação. Muitos sabem pela prática quando irá chover, qual erva cura determinadas doenças, qual ingrediente falta para o seu bolo chegar no ponto. Ainda que os mais velhos tenham em sua vivência todas as respostas para as questões que lhes colocamos, quando se trata de tecnologias e modernidade, somos nós quem os ensinamos os detalhes.

“Manter-se curioso e esperançoso como as crianças, aberto e resiliente como os mais velhos, são maneiras de lidar com as novidades trazidas pela pandemia”

É preciso se manter aberto a novas perspectivas, entendendo que cada um tem algo a ensinar e algo a aprender. Hoje eu aprendi a admirar as trocas que acontecem dentro da minha casa e também pra fora dela, onde somos todos movidos pela vontade de que esse vazio causado pela pandemia não se estenda para nosso ânimo de descobrir novas coisas e entender que ainda há beleza mesmo quando nos esquecemos dela. Manter-se curioso e esperançoso como as crianças, aberto e resiliente como os mais velhos, são maneiras de lidar com as novidades trazidas pela pandemia. Enquanto o tempo passa devagarinho e o vento entra pela porta, me sinto mais leve olhando o sorriso da minha avó escutando músicas do Roberto Carlos pelo Youtube.

* É estudante de Comunicação – Jornalismo da UFSJ e produziu este texto sob a orientação do professor Paulo Caetano para a disciplina Produção Textual.

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