Por Douglas Caputo *
Tem tucano fazendo ninho no umbuzeiro. Fique esperto carcará, senão o bicudo engomadinho devora você e seus três miúdos. A contenda é das boas, passarinho que não piá mais alto vai pro bico do urubu.
Tentei segurar a metáfora, mas ela voou da caixola e me escapou pelas mãos. Se me permito não dosar o lugar-comum é que, pra bom entendedor, meia palavra basta.
Política tem disso, uma boataria sem fim. Só que o boato virou fato e o divórcio litigioso entre o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não deve fazer verão, coisa de andorinhas…
“Casamento curto, coitados. Pareciam tão felizes em 2018”. Tinham até hashtag para o enlace, #bolsodoria. Mas, sabe como é, dizem as más línguas, “foi tudo fachada, encenação para inglês – e brasileiro – ver”.
E brasileiro viu, na miúda da quarentena contra o Corona, os dois personagens romperem as juras de amor feitas naquele ano de eleições. Já que a Covid-19 é uma “gripezinha”, um “resfriadinho”, para que se importar com ela?
Bom mesmo é bisbilhotar a boda virar bode. Irresistível fetiche voyeur. Na quaresma da quarentena, nada melhor para passar os dias do que assistir a esfera íntima de um casal ganhar o espaço público.
Esse trem de Corona, Covid, já cansou. É preciso um caldo a mais. Olhar para frente, mirar 2022. Quando o engomadinho e o outsider vão buscar o testemunho dos brasileiros para ver quem lucra mais com o desquite, quem vai continuar recebendo pensão.
Isso se a pandemia não conquistar a maioria dos votos válidos ainda em 2020. Mas, claro, Bolsonaro e Doria iriam tentar impugnar o resultado do pleito. Ora, campanha extemporânea é crime e o Corona circularia livremente pelas cortes do Judiciário de Brasília.
Eita patacoada! Nem chegaram as eleições municipais e a passarinhada grande já tá de butuca no palanque da Covid-19. Não é de se espantar que a gaiola das loucas anda tão ululante.
Isolamento
Enquanto Bolsonaro não consolida uma articulação política que o ajudaria numa possível reeleição, o tucanato não aterrissa na rampa do Planalto desde 1995, ano em que Fernando Henrique Cardoso foi empossado presidente.
Num cenário político que tem até vírus como candidato, ficou fácil, fácil para Doria colocar as asinhas para fora. Afinal, em 2018, a derrota acachapante de Geraldo Alckmin nas urnas, pouco mais de 4% dos votos, enfraqueceu o então candidato do PSDB.
O atual governador de São Paulo não perdeu tempo e cantou de galo no ninho tucano. Único peessedebista a se eleger para o executivo estadual do Sudeste em 2018, Doria tem tarimba midiática, representa o conciliador, o salvador da pátria, lugar antes ocupado pelo mineiro Aécio Neves, que não solta um pio faz um tempão.
Pois é, a separação dos pombinhos “bolsodoria” não teve jeito. Reza a lenda que em briga de marido e mulher, não se mete a colher. Mas Doria não se fez de rogado, chamou a cavalaria e o Fórum Nacional dos Governadores respondeu de pronto.
Imediatamente às bicadas trocadas entre o presidente e o governador em videoconferência sobre o Coronavírus na última quarta, 25 dos 27 governadores de Estados mais o Distrito Federal publicaram carta (o mineiro Romeu Zema não assinou) que cutucou Bolsonaro com vara curta, já armado com bodoque na mão.
É caro leitor, como tudo na vida não são flores, muitas penas ainda vão voar deste divórcio. Não nos esqueçamos, porém, que o Coronavírus vem forte pelas beiradas e pode ganhar de lavada a briga dessa passarinhada alvoroçada.
Não pense você que esta rinha não te pertence. Como bem lembrou Papa Francisco em bênção na última sexta (27), uma “escuridão” toma conta de todo o mundo.
“Estamos no mesmo barco. Estamos frágeis e desorientados, mas ao mesmo tempo somos importantes e necessários, todos convocados a remar juntos, cada um precisando confortar o outro”, sacramentou o pontífice.
- É jornalista, mestre em Letras e professor do curso de redação SOU1000.