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COLUNA VOZES VELADAS: ARTISTAS DE SÃO JOÃO DEL-REI REAGEM À CRISE DA PANDEMIA

Foto: Guilherme Guerra

João V. Bessa *

São João del-Rei está parcialmente parada há cerca de um mês. Por efeito da pandemia, a Prefeitura determinou o fechamento de bares e galerias, além da suspensão de eventos públicos e privados. O distanciamento social alterou a lógica da cidade, afetando diretamente a sua comunidade artística, representando um risco para o planejamento pessoal e financeiro de cada um. 

O trabalho dessas pessoas depende de aglomerações para acontecer, já que não há apresentações sem público. Por isso, este é um momento de busca por reinvenção. Para o nicho de artistas ricos, de âmbito nacional, as lives patrocinadas podem até ser uma estratégia útil, mas não é assim que a banda toca no interior.

Nesta semana, a coluna entrou em contato com sete pessoas, entre artistas e donos de estabelecimentos locais, para apurar quais os efeitos psicológicos e financeiros deste cenário de apreensão e isolamento.

Fechada a cortina, vazio o salão

Isis Ferreira dedica-se à sua arte há nove anos. Nos últimos meses, sua rotina baseava-se em ensaios e apresentações, além dos demais afazeres de “mulher, mãe, estudante, artista autônoma, feminista, aspirante a produtora cultural”, como ela mesma se define. Desde o ano passado, Isis tocava projetos como o seu primeiro show autoral.

À medida que a crise ia se acentuando, vieram as desistências contratuais. “Os efeitos financeiros foram os primeiros que eu e minha família sentimos”, diz a atriz que conta com o apoio do Fórum de Mulheres das Vertentes. Na sua opinião, este é um momento para todos do ramo reinventarem suas maneiras de vida e trabalho. “Mas quem é preto e pobre acorda se reinventando todos os dias. Nada de novo sob o sol, além da pandemia, claro”, conclui.

“Mas quem é preto e pobre acorda se reinventando todos os dias. Nada de novo sob o sol, além da pandemia, claro”

Isis Ferreira, atriz

Desde que a UFSJ suspendeu suas atividades acadêmicas, a professora Sofia Leandro teve que reelaborar sua forma de trabalhar. Para manter as orientações, recorreu à internet: “É uma maneira de não perder completamente o rumo que estávamos traçando”.  Até agora, teve três apresentações canceladas. Como um evento, na UFPR, em que interpretaria uma composição em homenagem a Marielle Franco. “Tudo isso foi cancelado, ficamos muito tristes e ainda esperamos que seja remarcado”, lamenta a violinista e imigrante portuguesa.

A realidade de Sofia é como a de Marcio Luiz 7 cordas, que vive na cidade há 14 anos. “Antes da pandemia, minha carreira caminhava num ritmo bem legal”, conta o violonista. Nos primeiros meses do ano, ele realizou 28 apresentações e iniciou uma pesquisa de mestrado. Desde março, no entanto, teve que cancelar todos os seus compromissos, exceto as aulas de violão que realiza online. 

“Pra mim, o efeito financeiro foi catastrófico porque a minha renda caiu para menos da metade”, completa. Marcio descreve sua situação trabalhista como músico: uma profissão autônoma, com rotinas irregulares, que não conta com o apoio de sindicatos ou associações. 

Uma unanimidade entre os três é a certeza de que a realidade é distinta de acordo com a classe social e área de atuação de cada musicista. Mesmo assim, à sua maneira, todos foram afetados. “Vejo pessoas pensando em desistir; passando aperto”, conta Márcio. Isso não se aplica apenas ao Brasil, Sofia analisa: “Muitos amigos que estão nessa situação (no Brasil, na Europa e na América do Norte) não acreditam em melhora até o final do ano, pelo menos”.

Como fazer Teatro sem contato físico?

O Teatro da Pedra é um grupo de Artes Cênicas que atua em São João del-Rei há cinco anos. Para um de seus fundadores, Juliano Pereira, ainda é cedo para falar em como os seus projetos serão afetados daqui para frente. Mesmo assim, existe grande preocupação: “É triste pensar que o teatro que fizemos até aqui demore muito para voltar a ser como era, ou talvez nunca mais seja igual”. É hora de apertar o cinto, mais uma vez.

Um encontro de grupos teatrais do interior do estado, que aconteceria em Uberlândia, foi o primeiro evento a ser cancelado. Internamente, o Teatro da Pedra pensa em estratégias para levar a Arte para as comunidades em que atua. “Afinal, mais do que nunca precisamos estar presentes. A arte que entretém, conforta, faz pensar e emocionar é necessária nesse momento”. As aulas do projeto estão suspensas, ao menos por enquanto. 

Foto: Teatro da Pedra/Divulgação

“É triste pensar que o teatro que fizemos até aqui demore muito para voltar a ser como era, ou talvez nunca mais seja igual”

Juliano Pereira, um dos fundadores do Teatro da Pedra

A rua é o palco de Jhon Hebert, ator e artista circense que tem as apresentações em bares, praças e semáforos como principal meio de sustento. Para ele, o isolamento social representa um problema ainda mais complexo porque sua rotina exige encontros, treinamentos físicos, ensaios e estudos em grupo. O principal projeto artístico de sua carreira no momento era a produção de seu próprio espetáculo, que teve que ser adiada. “A minha intenção era estrear em junho, mas não cancelei nada”.

E então reflete que as pessoas como ele, na base da pirâmide social, são as primeiras atingidas pela crise. Sobre a situação de seus colegas, artistas de rua, ele aponta que têm recebido apoio de coletivos, mas pondera: “Muita gente está passando por aperto financeiro. Teremos que repensar muito melhor a questão econômica de se viver da arte”.

Os efeitos psicológicos do distanciamento

É comum que, em momentos de crise, nossa primeira preocupação seja financeira, já que o dinheiro tem papel central na nossa forma de organização social. No entanto, é importante destacar os efeitos de uma crise para a saúde, tanto do corpo quanto da mente. Muitas pessoas estão perturbadas pela realidade, tanto no mundo real quanto no mundo dos sonhos. Afinal, quem imaginaria viver uma situação como essa? Jung explica…

Para os (as) artistas, a falta de contato físico é o que mais aflige o coração nesse momento. Ainda mais para as pessoas acostumadas com a Rua, com a Noite. Para Jhon, o contato através das redes sociais é bom, mas não sacia: “Pra mim é uma necessidade ver e encontrar o outro”. Márcio 7 Cordas, por exemplo, sente falta da boemia. Para ele é sofrido, “uma mudança de paradigma”.

“Pra mim é uma necessidade ver e encontrar o outro”

Jhon Hebert, ator e artista circense

Isis Ferreira, concorda, mas também agradece pela oportunidade para refletir como tem levado sua vida: “Tenho mexido nas minhas entranhas, curado feridas antigas e novas, observado cada possibilidade com as quais me presenteio ou me boicoto”. A professora Sofia diz que morar numa casa com quintal, fazer jardinagem, cuidar da horta e dos cachorros ajuda a espairecer e a se sentir bem.

A realidade para os estabelecimentos

O Barteliê fica na famosa Rua da Cachaça, point cultural e boêmio de São João del-Rei, agora vazia.
Foto: Guilherme Guerra

Para os estabelecimentos locais também é a hora de apertar os cintos. Um dos tradicionais bares do centro histórico, o Barteliê,  recebia cinco shows ao vivo por semana, além de exposições de fotografia e a Feira da Boa Zona, na Rua da Cachaça. Todos os eventos planejados para este período foram cancelados, entre eles festivais de Jazz (na semana santa) e de Forró (no mês de junho). “Tudo isso foi cancelado, deixando um limbo para vários músicos daqui”, afirma o empresário Hamilton Vieira. 

Hamilton descreve os efeitos psicológicos e financeiros da crise como “muito fortes, um caos”. As atividades de seu bar foram suspensas antes mesmo do decreto municipal. Toda quarta-feira, o Barteliê recebe entre 250 e 500 pessoas que acompanham as populares noites de forró. “Por responsabilidade, decidi parar. Algumas pessoas me chamaram de louco!”. A  página do bar no Facebook vai transmitir uma live por semana e arrecadar fundos para os artistas.

Outro estabelecimento importante para a cena artística local é o Grooves Bar, da avenida Leite de Castro, aberto há dois anos. De acordo com uma das proprietárias, Lavínia Viegas, dos três eventos organizados a cada semana, dois deles contavam com shows. Toda a agenda entre abril a junho foi cancelada.

O distanciamento social desestruturou financeiramente o bar, que recentemente passou por uma reforma. A crise pegou a equipe de surpresa, explica Lavínia: “Tínhamos reserva para 2 meses de despesas, e a sorte da imobiliária suspender o aluguel”. Infelizmente, não há perspectiva de que o bar sobreviva a vários meses de inatividade. “É uma situação muito complicada, mesmo”, reforça.

3 COMENTÁRIOS

  1. Escrita sensível e informativa. Eu, em quarentena no Rio de Janeiro, sinto falta de casa, Minas Gerais.

  2. Excelente reportagem. Texto sensível brilhantemente construído para narrar situações um tanto quanto delicada. Sou das serras e ladeiras de Pitangui e estou lendo essa matéria direto aqui da nossa terra-mãe, Portugal. Abraço!

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