Letícia Nara
Especial para o Notícias Gerais
O corredor do prédio do curso de Música da Universidade Federal de São João del-Rei é berço para formação de grandes músicos e também palco para muitos encontros. Um desses elos foi protagonizado pelos músicos Thobias Jacó e Gabriel Guedez – que, juntos, formam o Duo Aduar.
Thobias nasceu em 1990 em Nova Viçosa, município do interior da Bahia. Ele é músico, compositor e licenciado em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Já Gabriel é mineiro de Passa Quatro, nasceu em 1993 e, atualmente, é licenciando em Violão pela instituição federal localizada em São João del-Rei.
À reportagem, eles contam que as primeiras gravações do duo foram feitas pelo programa de extensão universitária “Sons das Vertentes”: financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), o programa de extensão oferecia suporte para gravações, além de ser um espaço para aprendizagem e prática de gravação e performance fonográfica da comunidade externa. Essa e outras parcerias, na visão deles, têm sido fundamentais na carreira da dupla.
Através do Instituto Chico Lobo e da Escola de Viola Caipira de Santa Cruz de Minas, projeto onde Thobias chegou a lecionar, surgiu a oportunidade de mostrar o primeiro EP do Duo ao violeiro são-joanenese, Chico Lobo.
Chico considera o duo como uma novidade na música brasileira. “Quando o duo lançou o EP, eu pedi pra ouvir e me impressionou muito a musicalidade”, comenta.
“Não são uma dupla caipira, mas usam a mesma estrutura de viola, violão e duas vozes, porém com um tratamento refinado, mais universal nos arranjos das cordas e nos arranjos vocais”, avalia Chico Loco.
Ele ressalta também o repertório da dupla que, além de tratar de temas como ecologia, desperta a consciência para a natureza e sentimentos interioranos de amizade.
Em março de 2020, o duo lançou seu disco “Riachinho das Pedras”, através do selo Lobo Kuarup, parceria da histórica gravadora Kuarup, de São Paulo, e o violeiro mineiro Chico Lobo.
“Foi um grande acontecimento, a partir daí, surgiu nosso primeiro disco e seguimos apreendendo muito com o Chico”, relembra o duo.
O Riachinho das Pedras
O primeiro EP explora o formato viola caipira e violão somado a um harmônico trabalho vocal, resultando em uma sonoridade que revela a preservação do simples e que faz brotar as memórias e as dores dos sertões. O duo canta as questões socioambientais das pequenas cidades do interior do Brasil, suas águas, terras e gentes.
O álbum foi bem recebido por críticos como Mauro Ferreira, que em sua coluna no G1, comentou: “Impregnado do toque da viola, o álbum Riachinho das Pedras exala o cheiro forte das estradas, trilhadas pelo Duo Aduar em (boa) defesa da preservação da natureza”.
Em pouco tempo de existência, o Duo Aduar tem sido intensamente premiado em festivais pelo Brasil. Em 2019, com a canção “O Silêncio do Rio”, a dupla venceu diferentes eventos, como o 32º FUC (Festival Universitário da Canção – Ponta Grossa – PR); XXXI Fescan (Festival Sanjoanense da Canção, em São João Da Barra – RJ), V Fecant (Festival Canção da Transamazônica, em Altamira – PA); I FEMP4 (Festival de Música de Passa Quatro – MG); I Fescam (Festival da Canção de Mucuri – BA) e XVII Festival de Música de Nazareno (Nazareno, MG). Já com a música “Índia Tuíra”, obteve o primeiro lugar na 37ª Fampop (Feira Avareense da Música Popular), em Avará, SP.
Em 2020, por sua vez, a canção “Morador Antigo” foi destaque no XXI Festival de Violeiros de Santo Antônio do Grama – MG e XXXII Fescam, de São João da Barra – RJ: ambos promovidos de maneira on-line e remota por causa da pandemia de Covid-19.
Inspirados pela realidade
As apresentações da dupla são marcadas por um entrosamento e engajamento visceral, fruto da amizade e trabalho construídos juntos. A pandemia impôs o distanciamento e o adiamento dos próximos passos do duo – que só a partir de março de 2021 voltou a se encontrar.
Segundo Thobias, “só agora estamos confiantes para nos encontrar, com segurança. Somos compositores. Portanto, inevitavelmente, somos inspirados pelas nossas conversas, na luta ambiental, pelos movimentos sociais, pelo que nos toca e nos deprime, isso é, nossa preocupação é civilizatória”.
O próximo álbum já tem nome: “Canções para vozes roucas”. Ao Notícias Gerais, eles revelam que a trilha será inspirada nas composições que surgiram durante este período, além de revisitar canções compostas no passado próximo e promete participações de convidados especiais.
“O novo disco surge a partir da necessidade de manter a lucidez em tempos tão encobertos e do desejo de produzir algo que seja relevante, pelo qual valha a pena soltar a voz”
– reflete o Duo Aduar.
Confira, abaixo, uma série de perguntas e respostas feitas pela reportagem com o duo:
Reportagem do Notícias Gerais (NG): Qual o papel da universidade pública na formação do Duo?
Duo Aduar: Graças a um projeto de extensão da Universidade Federal de São João del-Rei, fizemos nossas primeiras gravações. Nossa formação enquanto profissionais perpassa o ambiente universitário.
Por isso, a defesa da universidade pública é uma bandeira que gostamos de levantar, principalmente nesse contexto de cortes e pressões onde as universidades estão sob constante ataque.
Nesse sentido, é necessária a defesa pela permanência e o apoio à universidade pública enquanto espaço de formação e inclusão.
NG: O que motiva as criações do Duo?
Duo Aduar: Nos motivamos através de várias vivências experienciadas ao longo do caminho musical. No primeiro disco, pendíamos muito para o lado ambiental e agora trazemos outras questões que permeiam essa pauta. Expandimos a visão, esse disco ainda fala do meio ambiente mas traz também questões existenciais
NG: Quais as diferenças estruturais entre o primeiro e segundo disco?
Duo Aduar: No primeiro disco tivemos muito apoio técnico, mas faltou tempo de amadurecimento da ideia. Em “Canções para Vozes Roucas”, vamos literalmente subir a montanha e gravar com equipamentos próprios. Acho que, nessa perspectiva, o próximo disco se equilibrará com nosso primeiro disco.
NG: Por que esse repertório?
Duo Aduar: A gente se inspira em tudo que observamos e levamos em conta nossa atuação nos meios sociais: sempre tivemos essa preocupação com as questões socioambientais e, inclusive, esse é um dos motivos que nos uniu no início.
Tratar sobre tais questões se manifesta como necessidade geral de estar sempre discutindo essas ideias, que não são novas: “Matança” (que é) uma canção da década de 80, por exemplo, já falava sobre isso e apesar do tempo se faz cada vez mais atual.
Buscamos inspiração na dúvida e na discussão; motivados numa corrente que também luta por isso, o homem do campo e MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), por exemplo, que busca nos salvar do envenenamento.
“A medida que questões socioambientais e agora também questões existenciais e sociopolíticas nos afetam vamos transformando em músicas”
As músicas do repertório refletem o que o duo quer dizer de acordo com cada momento, enquanto compositores buscamos encontrar caminhos para dizer o que entendemos como necessário no momento. O contexto de isolamento e a resposta desse estado em relação a isso criaram todo o cenário para o lançamento do nosso próximo disco.
NG: O que o público pode esperar de “Canções para Vozes Roucas?
Duo Aduar: “Canções pra vozes roucas” é um disco pra cantar junto! Junto com todas e todos que sintam algum reconhecimento nesse impulso de querer escancarar nossa impossibilidade de existir em um mundo – humano – perverso, que tenta a todo custo calar a esperança, a luta, a sensibilidade, o amor, a visceralidade e, sobretudo, as vozes, que carregam bagagens imensas, e que podem ser limpas ou roucas, mas são vozes que vem de dentro, vem da humanidade em nós.