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‘REDES SOCIAIS SÃO UMA MATRIX FASCISTA DO CACETE, MAS SÃO O QUE TEMOS’, DIZ MANOEL HERZOG

Imagem: Arquivo pessoal.

Por Najla Passos
Da Editoria

Estávamos passeando pelas ruas de Paris quando Manoel Herzog me contou que era escritor. Achei pretensioso. Quem ele achava que era pra se qualificar como os mestres Vitor Hugo, Balzac e Sartre, dos quais tentávamos absorver ali o ambiente poético? Como boa mineira que sou, desconfiei. Nutri logo má vontade.

Mordi a língua, pouco tempo depois, quando, de volta ao Brasil, recebi um exemplar do seu romance Companhia Brasileira de Alquimia, publicado pela Editora Patuá, em 2013. Não consegui largá-lo enquanto não venci suas 424 páginas. Fechei o livro de queixo caído e o coloquei na seção de destaques da biblioteca. Manoel não é apenas um escritor. É um escritor dos grandes.

De lá pra cá, venho acompanhando sua carreira, suas publicações, seus prêmios. Aos 56 anos, o santista que passou de operário a advogado acumula 11 obras paridas. Tem planos de lançar mais um volume de poesias este ano e outro romance, em 2021. O último saiu agora em 2020: Ode ao Bidê e outras histórias, também pela Editora Patuá. 

Quase morri de inveja quando descobri que ninguém menos do que Chico Buarque participou do seu CD de estreia e recomendou seus livros na TV. Mas ele conta que, apesar da produção incansável, dos prêmios e da fama, ainda vive mesmo é da advocacia. “Fazer cultura é sempre ir contra um sistema, é desconstruir, propor novas formas de continuar o humano. Por isso é sempre uma missão suicida”, esclarece.

É interesse do establishment formar uma geração de idiotas mais idiotas que os idiotas que permitiram esse estado de coisas que estamos vivendo.

Mais recentemente, tenho ‘stalkeado’ a sua facenovela “Memorial de Fescênia”, cujos fascículos são publicados diariamente na rede social preferida dos brasileiros. E, com grato prazer, acompanhado também as tretas que ele arruma com a direita, com os fascistas e até com a esquerda cirandeira. 

Não faltam acidez, ironia e lastro teórico sólido nas críticas que faz ao capitalismo de sempre, ao fascismo de agora e aos excessos do politicamente correto destes tempos em que, como ele diz, alguns ditos progressistas esqueceram a luta de classes para focar apenas nas pautas identitárias.

“Esse povo hoje é capaz de dizer que Flaubert não tinha lugar de fala quando fez Madame Bovary, porque ele não é mulher, e por aí vai. Daqui a pouco virá um movimento de baratas pra apedrejar Kafka. Isso gera uma subliteratura chata pra cacete, que adoça o bico desses censores, mas entendia o público. E tudo colabora pra crise de formação de leitores”, dispara.

Se eu fosse você, não perdia esta entrevista por nada!

Imagem: Arquivo pessoal.

Notícias Gerais – Como é fazer cultura em tempos de governo Bolsonaro? 
Manuel Herzog – Pensei em começar com a clássica resposta “fazer cultura no capitalismo é sempre difícil etc”. Óbvio que fazer cultura em tempos de radicalização do que há de pior no capitalismo, que é o neoliberalismo tardio e que desembocou neste fascismo maluco que vivemos sob este governo, é um tour de force. Mas não deve ser diferente na Rússia, no Nepal, no Tibet. Fazer cultura é sempre ir contra um sistema, é desconstruir, propor novas formas de continuar o humano. Por isso é sempre uma missão suicida. 

NG – A escalada do conservadorismo e do autoritarismo destes tempos afeta a produção literária? 
MH – Obviamente. Há uma escalada de censura e uma deliberada política de Estado para cercear a produção cultural, assim como a educação. É interesse do establishment formar uma geração de idiotas mais idiotas que os idiotas que permitiram esse estado de coisas que estamos vivendo. Agora tem a questão homeopática: pode ser que tentando cercear a produção artística justamente aí se revigore. É o que espero.

NG – Como suas obras refletem estes momentos de transição política? 
MH – A minha temática central é o proletariado aspirante a classe média, com suas contradições e seu desejo de ser um burguês conservador. O brasileiro tinha, em 1988, com a Constituição, uma aspiração de se tornar cidadão, mas só chegou a consumidor. O Código de Defesa do consumidor era a bíblia dos tempos do PSDB, havia em todo canto. Hoje é a bíblia mesmo o livro de cabeceira, e uma bíblia interpretada sem estofo cultural, distorcida, tendente ao assassinato, ao mau gosto, à grosseria e à fé cega, estúpida. O neoliberalismo dessa direita light nos trouxe até o atoleiro, e é o que busco retratar em meus livros, o ridículo de nossa classe média sem cultura que se acha elite. Fazer cultura neste ambiente hostil é pedir pra ser alijado do processo de produção. 

Esse povo hoje é capaz de dizer que Flaubert não tinha lugar de fala quando fez Madame Bovary, porque ele não é mulher, e por aí vai. Daqui a pouco virá um movimento de baratas pra apedrejar Kafka. Isso gera uma subliteratura chata pra cacete, que adoça o bico destes censores, mas entendia o público. E tudo colabora pra crise de formação de leitores.

NG – Por outro lado, como é fazer cultura em tempos de patrulha do politicamente correto? Você tem entrando em várias tretas nas redes sociais questionando a má utilização de conceitos, como por exemplo, o de lugar de fala… os excessos do campo progressista também são autoritários com o fazer artístico? 
MH – A Humanidade está excessiva. Penso que este fenômeno decorre da deturpação do conceito de luta de classes. As pessoas perderam de alguma forma a capacidade de se enxergar historicamente, ou seja, não há mais explorado/explorador, há pautas de gênero. Se o sujeito que entrega comida numa bicicleta sem qualquer vínculo protecional com o Estado ou com quem o explora não se sente um trabalhador, é claro que vai se voltar contra outros trabalhadores a partir de situações sociais típicas. Assim o sujeito pode ser gay e ariano em cima da bike, ele perde a capacidade de se irmanar ao negro hetero que trabalha no balcão da Vivo ou da doméstica que perdeu as horas extras e o FGTS. O capitalista ri muito dessa loucura, e a estimula, falando coisas bonitas como “liberdade de escolha”, “empoderamento”, “flexibilização”. É um discurso canalha, e os que se encantam desse canto de sereia tendem a ser tão fascistas e castradores quanto as sereias que estão lá cantando pra eles dormirem.
Exemplo: o meu narrador é caricatamente machista ou racista. Ele não é o herói da trama, é o anti-herói, eu o criei assim como forma de mostrar a realidade, o que é a obrigação maior da ficção. Não vai faltar quem venha meter o dedo na cara, dizendo: “o autor é um machista, igual a sua personagem”. Estou dizendo isso porque vivenciei exatamente esta situação. Então eu penso que são tempos verdadeiramente insanos. Esse povo hoje é capaz de dizer que Flaubert não tinha lugar de fala quando fez Madame Bovary, porque ele não é mulher, e por aí vai. Daqui a pouco virá um movimento de baratas pra apedrejar Kafka. Isso gera uma subliteratura chata pra cacete, que adoça o bico destes censores, mas entendia o público. E tudo colabora pra crise de formação de leitores.

Imagem: Arquivo pessoal.

NG – Você tem usado – e muito bem – as redes sociais para experimentar novas formas de fazer literatura, de uma forma mais interativa e mais próxima do público. Como avalia a experiência? 
MH – Zuckerberg é um doce, ao menos o nome dele, e bom alemão, é isso, Montanha de Açúcar. É uma matrix fascista do cacete isso de rede social, mas é o que temos, e os que têm obrigação de falar falam de onde podem. A gente tenta burlar o esquemão censor da redes, criar a nossa bolha confortável, e assim é que eu me divirto com essa invenção de “facenovela”.
Na verdade é uma forma de romance interativo, com postagem diária de capítulos que o público que segue vai opinando, interagindo. Foge daquela visão tradicional do escritor recluso em sua caverna. É um movimento exibicionista mesmo, algo como o autor teatral que vai na estreia da peça pra ser aclamado.
As novelas de televisão são uma forma disso, de participação interativa, o Ibope já vinha direcionando o destino das tramas há duas ou três décadas. Eu tenho me divertido bastante, já publiquei três romances inteiramente feitos assim, ao vivo, com o público rindo junto.

É uma matrix fascista do cacete isso de rede social, mas é o que temos, e os que têm obrigação de falar falam de onde podem.

NG – Como foi a experiência de gravar um CD com participações especiais de Chico Buarque e Zeca Baleiro? 
MH – Eu e um amigo, o maestro Marcos Canduta, começamos a compor, eu fazendo as letras, ele melodia e arranjo. Criamos um disco temático, sobre a cidade de Santos, e foi uma experiência muito interessante. Eu sempre fui ligado à música. Embora um instrumentista e cantor lastimável, eu adoro roda de samba. Essas participações especiais foram um grande presente pra mim de dois amigos queridos, que me projetaram a um nível que eu jamais imaginei.

NG – É possível viver de literatura no Brasil do desemprego, da uberização e do empreendedorismo?
MH – É claro, basta escrever sobre empreendedorismo, religião pentecostal, biografia de nulidades, coaching etc. A visita a qualquer livraria de aeroporto nos mostra. Isso dá dinheiro, acho, mas não porque seja lido e sim pelo apoio institucional do sistema. Agora, viver de literatura séria deve ser possível também, eu tenho essa esperança, não quero morrer sendo advogado, ainda mais num país que limpou o rabo com a Constituição Federal e tem um ministro da Justiça desqualificado desses. Há escritores maravilhosos que sei que vivem do seu ofício, e há uma infinidade de escritores maravilhosos que passam perrengue. É o mundo.

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